D. Crisóstomo d’Aguiar
Estamos no último Domingo antes da Quaresma. Os dias da Paixão e Morte de Nosso Senhor aproximam-se. O Evangelho anuncia-nos esses dolorosos acontecimentos e conta-nos o último milagre de Jesus.
“O cego, de que nos fala o Evangelho, diz S. Gregório, é, certamente, o gênero humano. Desde que foi arredado do paraíso depois da prevaricação dos nossos primeiros pais, ignora o homem as claridades da luz sobrenatural, e sofre também por ser mergulhado nas trevas por sua condenação”. É Jesus, que, pelos méritos da sua Paixão lhe há de abrir, como ao cego de Jericó, os olhos, e o libertará ao mesmo tempo do cativeiro do pecado e do erro, para o encher de luz e de verdade. Na Epístola, síntese dos ensinamentos do Divino Mestre, que nos prepara para empreendermos as penitências e boas obras quaresmais, vemos sobretudo que a fé não subsiste sem a caridade: “Tivesse eu, diz S. Paulo, fé capaz de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou”. Toda a lei pregada por Nosso Senhor na sua vida pública se resume no mandamento da caridade. Sem ela, de nada valem boas obras nem penitências; o mérito de nossas obras, como também a luz que nos ilumina a alma, estão em proporção da caridade que nos anima.
Alheemo-nos, pois, de quanto se oponha a esta excelsa virtude em nós, afim de, havendo entrevisto a Deus cá na terra, pela fé, no Céu o podermos contemplar “face a face” (Epístola), em toda a plenitude do nosso amor.
Assim é que, depois de considerarmos a profunda miséria a que nos reduziu o pecado, nos persuadimos de quanto havemos mister de uma copiosa redenção que nos remonte acima da nossa miseranda abjeção. Mas estes austeros pensamentos nada tem de sombrio para a nossa piedade, antes nos elevam, bem meditados, a uma maior confiança, porque a uma grande miséria deve trazer remédio a grande Misericórdia, Cristo Jesus, “rochedo inabalável, cidadela de salvação” (Introito)
É Cristo que nos trará a sua luz e serenidade neste nosso Céu, cheio de sombras e trevas. A previsão (Evangelho) do grande drama sagrado que há de consumar a redenção, aumenta-nos a esperança, porque, “se é para os judeus escândalo, para os incrédulos loucura, para nós, cristãos, é obra de sabedoria” eterna, que tudo faz com peso e medida, e atinge de fim a fim, forte e suave.
[Segue abaixo o texto do próprio da Missa do Domingo da Quinquagésima]