Jackson de Figueiredo
Quando se trata de política internacional, dizer uma palavra de bom senso é coisa quase miraculosa. Parece que neste domínio toda a sabedoria humana não vai além do reconhecimento desta verdade: a política exterior é um reflexo da política interna de cada nação. Se esta tem um governo forte, capaz de se fazer respeitar no interior, é certo que também será respeitada, na forma deste governo, pelas nações com que se relaciona.
Ora, um governo forte, um governo que o seja de verdade, é o que é quase incompreensível numa democracia e, deste modo, é lícito afirmar que as nações democráticas não têm política exterior, gastam dinheiro em representações e embaixadas, mas não têm nem a orientação nem a firmeza que, únicas, podem caracterizar “uma política” no jogo de interesses, no andamento de negócios, sejam eles quais forem.
A política interna, a luta de partidos ou de grupos, a constante efervescência do ódio e da inveja, móvel, mas único fundamento da política democrática, faz com que a nação que a sofra descuide os seus interesses externos, não raro de extrema gravidade.
Os exemplos clássicos da Grécia e da Polônia estão com certeza na memória de todos, e a tese de Maurras, que acabo de resumir, tem de toda a história, não só da França, mas de quase todos os países europeus e americanos, neste último meio século, confirmações verdadeiramente entristecedoras.
E tanto é assim, que ela encontra confirmações indiretas, estas, sim, capazes de consolar, nos lances de coragem com que, à hora de graves perigos, as nações mais democratizadas do mundo têm apelado para verdadeiras ditaduras, para governos não mais de opinião indefinida, mas de vontade de um homem ou de um grupo de homens realmente dignos do poder.
Este caso da Liga das Nações, sobre o qual já me cansa de ouvir comentários os mais contraditórios, tem, por isso, a meu ver, uma significação verdadeiramente transcendente como prova do quanto, ao Brasil, tem sido útil um desses governos de vontade, o governo de um homem que se não deixou escravizar pela chamada opinião pública, o que quer dizer: que se não deixou subalternizar aos interesses de uma imprensa de financeiros, mais ou menos cosmopolitas, judaizados e judaizantes, por força mesma da sua situação de temor e de desconfiança em face das classes que fazem o cerne de todos os países.
Não tivera o Brasil, na crise que atravessa, a sorte de ser governado por um homem destemeroso e frio, sistematicamente oposto a todas as manifestações da nossa anarquia interna, e pode-se jurar que o nosso papel no incidente da Liga teria resultado em ridículo e irrisão, tonto o nosso governo, desgovernado o nosso governo, ao sabor dos entusiasmos da oposição e de todas as infâmias, e de todas as conjuras que esses entusiasmos costumam semear.
Ora, em verdade, parece simples o raciocínio que nos deve guiar em relação a questões aparentemente tão complexas como as da Liga.
Este raciocínio não pode ser outro senão o de que, somos forçados, por este ou aquele interesse, a comparecer a esta ou aquela assembleia em que se meçam interesses internacionais, o nosso dever é impormo-nos como alguém que deve ser também ouvido e acatado, custe-nos o que custar, maximé se o que mais nos pode custar é o afastamento do salão onde somos demais, ou demasiado de menos…
A principal questão, por conseguinte, é esta: devíamos nós fazer parte da Liga das Nações?
A mim me parece que sim. A Liga não passará, estou certo, de um dos muitos instrumentos do judaísmo dominante na Europa, não passará de uma das muitas macabras palhaçadas de um suposto humanitarismo, de um pretenso pacifismo, que vai desarmando os povos de todas as armas morais, e armando, cada vez mais intensamente, de todos os meios de intriga e compressão financeira, a tendência imperialista dos mais fortes, dos mais bem aparelhados para as lutas puramente materiais.
Mas, seja como for, a Liga é um dos pontos em que se urde, mais cinicamente, a vasta intriga financeira contemporânea. Não é demais, pois, que ali tenhamos também quem nos represente e ouça por nós, e veja por nós, mais de perto, os mandamentos do imperialismo judeu.
Ademais, se os Estados Unidos não fazem parte da Liga, e nós não podemos fugir à irradiação imperialista desse terrível amigo e irmão, tem algo de razoável que procuremos neutralizar os efeitos muito visíveis dessa irradiação, com o avizinharmo-nos de outras correntes de expansionismo econômico, sabidamente contrárias à norte-americana.
Temos, claramente, pois, interesse real em fazer parte da Liga, e já nos devemos manter, a custo mesmo de sacrifícios, enquanto nos permitir a dignidade e o respeito a nós mesmos.
É isto, ao que me parece, o de que o nosso Governo está demonstrando ter nítida consciência.
Mas a lição mais útil ao país ainda é aquela a que, a princípio, me referi: qual seria a nossa situação internacional, neste momento, se o Governo estivesse entregue a um dos muitos malabaristas da nossa feira democrática? Qual seria a nossa situação se, a esta hora, a nossa política interna não refletisse uma vontade única e sistematicamente orientada para todos os fortalecimentos do poder, isto é, para tudo quanto pode dar a uma nação, unidade de vistas e íntima segurança de ser mesmo um todo organizado, capaz de defender-se eficientemente?
Qual seria?
Gazeta de Notícias, 31 de março de 1926.