Jackson de Figueiredo
Fazem hoje quatro anos que D. Sebastião Leme me entregou a folha abençoada em que gravara com o coração e a consciência, a Oração dos Intelectuais Brasileiros, isto é, “a primeira oração que em língua portuguesa se tenha feito, intencional e exclusivamente, em favor do trabalhador intelectual”, como notei então no discurso com que saudei aquela benção ao Centro D. Vital, recém organizado.
E qual de nós não tem hoje, por sua vez, gravado no coração e na consciência aquele sublime apelo final?:
“É por nós e pelo Brasil, meu Deus, que invocando os merecimentos infinitos de Jesus Cristo, nosso Mestre e Senhor, e a intercessão valiosa de sua Mãe Imaculada, Senhora e Padroeira do Brasil, aos vossos pés depositamos esta prece fervosora:
“Iluminai a nossa inteligência, para que trilhe sempre a senda da verdade, e fortalecei a nossa vontade, para que não vacile na prática do bem. Amparai a nossa fraqueza, inflamai o nosso coração, estendei e dilatai os horizontes da nossa alma, para que, libertos da escravidão dos sentidos e da matéria, possamos, desde já, contemplar, em esperança, a glória eterna que nos prometestes!”
A este clamor terão correspondido a tibieza e o nada?
Absolutamente não.
O trabalho dos que confiam a Deus a proteção da inteligência e da vontade com que trabalham, não pode ser inútil, não pode ser estéril. Tem raízes no mais profundo mesmo da natureza humana, e não pode deixar de dar frutos de sabor humano, capazes de fortalecer o que é humano, isto é, o que é digno de eternizar-se.
O Arcebispo do Rio de Janeiro tem visto o resultado da prece cujo segredo nos confiou. O Centro D. Vital tem hoje dezenas de edições e uma soma de datas de combate e de vitórias muito acima do que fora lícito esperar de tão reduzido número de combatentes. Mais ainda: ao toque de clarim dos que, com o coração aberto a todas as angústias e a toda ânsia de beleza, fizeram da intolerância doutrinária o broquel contra as desordens sentimentais e intelectuais sente-se que o intelectual católico, de todos os matizes, e por toda a extensão do Brasil, vive vida nova, desfez-se de todos os vãos temores, e se apresenta no campo das letras nacionais como o único portador de um grave e são otimismo, como o único possuidor do sentido da brasilidade, capaz, pois, de assegurar estabilidade e duração ao que ainda se agita informemente no seio da nossa melhor idealidade.
“Cremos firmemente nas verdades por Vós reveladas e aceitamos com amor o magistério infalível da Santa Igreja, Católica, Apostólica Romana.
Nós temos fé, Senhor, mas aumentai a nossa fé!
É a expressão nítida da crença objetiva e da desconfiança do orgulho mesmo em relação à fé. Aumentai a nossa fé!”
“Lançai um olhar de clemência e misericórdia sobre os nossos intelectuais, publicistas, escritores, homens de estudo, em geral, e sobre todos, enfim, os que labutam no campo das ciências e das letras.
Vós que sois a Sabedoria Incriada, Pai e Dador de todas as luzes, ilumianai-os para que tenham a visão da verdade e coragem para professá-la.
Não permitais que, longe das claridades magníficas do pensamento cristão, tresmalhem dos caminhos da verdade e do bem.
Livrai-os das trevas mortíferas da descrença e do crime inominável das negações sacrílegas.
Livrai-os das blasfêmias que degradam e da dúvida que atormenta.
Livrai-os, sobretudo, da cegueira voluntária desse agnosticismo contumaz que, impondo renúncias ao entendimento humano, paralisa os surtos da alma para o alto, para o ideal e para a imortalidade.
Reacendei nas almas a chama viva das aspirações elevadas. Acordai nelas os ecos de sua vocação divina para o espiritual e o eterno.
Que não tarde, Deus de amor, que não tarde a restauração espiritual da inteligência brasileira!
Refazei-a e disciplinai-a nos princípios imutáveis da verdade, do bem e do belo, para que, incorporando-se à falange gloriosa dos sábios cristãos, a intelectualidade brasileira paire acima dos interesses da matéria e das fosforecências da vaidade.
Para os nossos intelectuais e para nós, obreiros humildes do pensamento católico no Brasil, instantemente suplicamos a esmola de um raio de vossa luz divina, afim de que, bem servindo à verdade, possamos servir também aos destinos espirituais desta pátria incomparável.”
Hino de fé e esperança, em que a linguagem de súplica e de amor nada perde da sua viril convicção de ser a senhora do mundo, o eco desse espírito que é o sal da terra, que sistemática e ordenadamente há de levar ao caos as vibrações da vida, e dar a toda a paisagem a fisionomia espiritual de modo adequado ao homem.
Deve ser grato ao meio católico o memorar esta data.
Não há povo livre, não há nação organizada onde não exista um escol de homens, já não direi bons, mas conscientes de que é necessário defender o bem e a verdade como se defende a própria vida.
Este é o programa que D. Sebastião Leme, com a majestade que a Igreja lhe conferiu, confiou ao coração dos homens livres da sua terra, e da maneira mais carinhosa e mais leve: como linguagem da unidade na união de todos os esforços coletivos. Esta é a oração em comum dos intelectuais brasileiros, e é à oração em comum que correspondem às maiores promessas de Jesus Cristo. Oração que é programa, e simplificador do máximo problema que tem a resolver a ação social católica numa terra como a nossa, de tanta indisciplina mas sobretudo por indecisão e preguiça. Levar aos nervos e aos músculos a atividade da consciência, eis o que quer esta oração, eis o que ela já tem feito no meio católico. Quem por ela procura o irmão de armas para ir com ele até o altar, já se integrou na ação tal como a quer a Igreja: a ação com finalidade moral, a ação que se destina, direta ou indiretamente, mas se destina sempre ao serviço de Deus.
Juntemo-nos todos, intelectuais católicos, para honrar, murmurando-a, a oração que nos confiou o grande Bispo, que hoje vela pelos destinos espirituais desta Arquidiocese.
Gazeta de Notícias, 14 de Março de 1928.