Jackson de Figueiredo
Tenho presente a sua carta, Fiuza amigo, e não estranhei, de modo algum, o que lhe disse o inestimável, o dulcíssimo ironista da Pedra Polida. Noventa, em cada cem dos nossos literatos, não fazem, ainda hoje, outra ideia do Catolicismo, da sua história, da sua filosofia, ação social. Mas que se há de fazer? Todos estes moços, apesar de elegantes e amigos de Anatole, leem, às escondidas, o “Papa Negro” e, como a “História da Humanidade” do furioso e liberalíssimo Laurent, é coisa muito pesada, carregam, todos eles, dezenas de brochurazinhas sobre a Inquisição ou a Papisa Joana, como troféus que da legítima história há arrebatado a humana sabedoria.
A V., Fiuza, para que V. ajuíze, meu querido Fiuza, da sinceridade com que nós, católicos, da nova geração de pensadores brasileiros, nos batemos pelos nossos ideais, isto é, pelos mandamentos da Igreja fundada por Jesus Cristo, a V., Fiuza ilustre, dou, usando direitos de velha amizade, estas quatro palavras.
Não sei se V. se lembra deste trecho do senador Lamarzelle que citei no meu último artigo:
“Eu bem sei o que se vai dizer: “as ideias cristãs já tiveram o seu dia, o mundo não as vê mais.”
A resposta a este grande movimento de renascença católica que existe há alguns anos nos meios mais cultos, e que será acentuando de maneira contínua à medida que se for fazendo mais clara a falência cada vez maior das ideias de negação”.
Como vê V., Fiuza, a verificação vem de fora. Consulte V. o próprio João Internacional e saberá daqueles mesmos anatólicos lábios que não é só no Brasil, neste pobre e excelente Brasil, que tem surgido quem tenha coragem de mostrar a imoralidade resultante do filosofismo moderno, quem tenha coragem de ser justo para com a Igreja Católica. Quando Roosevelt disse que “antes de cem anos não haverá no mundo civilizado senão católicos e livres pensadores” homenageava a fortaleza da Igreja e castigava o sofisma e a covardia dos que não resolvem tudo pela negação pura e simples.
V., Fiuza, sem usar dos bárbaros processos da Inquisição, só com os da sua elegante sabedoria, procure ajuizar também do que sabe o nosso ironista, já não digo do movimento das ideias nos tempos modernos, mas em nossos dias. Sei que V., meu delicioso Fiuza, não se atreve a filosofar neste país dominado pelo carnaval. Pois bem: abandone a filosofia. Limite o seu inquérito ao terreno da arte e vá, quando muito, ao domínio das letras políticas. Procure saber o que sabe o nosso homem de uma literatura que apresenta nomes como os de Joergensen, Bourget, Brunetiére, Reté, Huysmans, Menéndez y Pelayo, Longhay e tantos outros? Verifique se ele tem sombra de consciência do que significa na França, digamos mesmo, na Europa contemporânea, a força intelectual e política a cuja frente estão homens como Charles Maurras e Daudet. Se acaso o nosso Giboyer indígena não desconhece estes nomes, peça V., Fiuza, que lhe apresente outros maiores, e em tão grande número, que se batam, com tanto ardor, por um outro credo qualquer.
Por aí já V. pode ver que nós, os novos pensadores católicos do Brasil, temos razão de existir. Somos ainda poucos e é só o que é para admirar, pois sendo este país tão pródigo ainda em péssimas imitações, seria para louvar que, pelo menos, imitasse também o que é bom e é fonte de energia, de coragem e de organização.
Se o ironista da Pedra Polida lhe disse que nós somos românticos não foi senão por ignorância, meu caro Fiuza, pois só a ignorância casa Catolicismo e Romantismo. Este é essencialmente individualista e, como tal, sempre suspeito à pura doutrina da Igreja. Mas Chateaubriand? E não só ele. Outros também, mas a verdade é que por isto mesmo que ele foi quem foi e os outros foram quem foram, jamais farão parte do escol intelectual que representa a Igreja no mundo moderno. E de Chateaubriand é preciso não esquecer o que disse Lasserre. Ele teve, de fato, todas as características de um grande individualista mas… “avec, l’esprit moins chimerique. Il a tout le realisme des grands races. C’est Rousseau moins l’utopie.”
Fiuza amigo, quando nós, católicos, um pouco acima de analfabetos, pensamos no que um Leibnitz, por exemplo, pôde dizer dos nossos dogmas, aparentemente mais absurdos, e sabemos depois o juízo que deles faz o nosso interessante ironista da Pedra Polida ― ousamos rir um restinho de riso, porque V. há de concordar que o nosso ilustre voltairezinho de chapéu de palha não é dono de todo o riso que ainda desabrocha na face da terra.
Suponho, com alguma probabilidade de não estar em erro, que o nosso ironista nunca leu Leibnitz, isto é, nunca leu aquele filósofo, tão grande em teologia como em matemáticas, a respeito do qual já se disse que não pode aspirar o nome de pensador o homem que não o leu. Não vale nada, Fiuza, eu bem sei. A gente lê “As memórias de Judas”, o grande Bossi, o eminente Sanglé… e vai-se vivendo mais em paz com os nossos instintos e também ilustre aos olhos do mundo.
Mas em compensação, Fiuza amigo, nada mais certo que esta palavra de Veuillot: “Il y a une vegetation qui monte invinciblement sous la main du Pére celeste”.
É esta humilde vegetação, sobre a rocha, a única que tem resistido e resistirá às tempestades do inferno.
O Jornal, 27 de Fevereiro de 1920.