Sobre a obediência civil
Carta Encíclica do Sumo Pontífice Gregório XVI
A todos os Arcebispos e Bispos residentes no Reino da Polônia.
Papa Gregório XVI.
Veneráveis Irmãos, Saudação e Bênção Apostólica.
1. Assim que as primeiras notícias dos infelizes infortúnios que no ano passado tão seriamente afligiram vosso gloriosíssimo Reino alcançaram Nossos ouvidos, imediatamente ficou claro para Nós que evidentemente sua origem não deveria ser buscada em outro lugar, senão em alguns traficantes de engano e de falsidades, que, sob o pretexto da religião, tendo se levantado neste tempo miserável contra o poder legítimo dos Príncipes, encheram sua terra natal com imenso luto, agora afastados de qualquer vínculo da devida submissão à autoridade legítima.
Nós nos prostramos diante de Deus, Grande e Máximo, do qual, ainda que indignos, ocupamos o lugar na terra, depois de derramarmos copiosas lágrimas, chorando os infortúnios cruéis que despedaçaram esta vossa parte da grei do Senhor, confiada à Nossa, embora solicitada fraqueza; depois de ter procurado com infinito amor, na humildade do Nosso coração, dobrar o Pai de misericórdia com orações, suspiros e gemidos, para que visse essas suas terras, perturbadas por tantas e cruéis discórdias, finalmente foram pacificadas (as terras) e conduzidas de volta ao temor dos legítimos poderes.
2. Propusemos dirigir-lhe de imediato, Veneráveis Irmãos, uma carta encíclica, para informar que também nós somos oprimidos pelo peso de suas calamidades, e para trazer à sua preocupação pastoral um pouco de conforto e de força que servissem como incentivo para que vós pudesses aplicar a si mesmos com novo e mais ardente zelo para propagação mais audível das doutrinas e para persuasão de seus preciosos seguidores, ambos no clero e entre o laicato. Porém essa carta nunca lhes alcançou por causa das circunstâncias adversas, mas, agora que a situação, com a ajuda de Deus, foi convertida novamente a uma quietude pacifica, Nós novamente abrimos Nosso coração para vós, Veneráveis Irmãos. Nós esperamos reacender vosso zelo e solicitude o quanto pudermos, com o auxílio Divino, para que, então, vós possais diligentemente proteger vosso rebanho das verdadeiras causas dos males pretéritos. Nesta tarefa, vós deveis comprometer-se com cuidado meticuloso e prudente, e vigiar seriamente para que homens injustos e promotores de novidades não continuem a propagar doutrinas errôneas e falsos dogmas em seu rebanho e, sob o pretexto de suposto bem comum, como é de sua práxis, aproveitem a credulidade dos mais ingênuos e menos conscientes, a ponto de torná-los, sem a intenção deles, executores cegos e colaboradores na perturbação da paz do reino e da ordem da sociedade.
3. Portanto, é necessário expor, com um discurso claro, para a utilidade e aprendizagem dos fiéis, a fraude desses falsos mestres. A falácia de seus pensamentos deve ser combatida em toda parte com as máximas decisivas e incontestáveis da Divina Escritura e com os documentos irrefutáveis da sagrada e venerável tradição da Igreja. A partir dessas fontes impecáveis (com as quais o clero católico deve traçar os princípios de seu estilo de vida e as palavras a serem transmitidas nos discursos ao povo), temos a clara noção de que a obediência, devida pelos homens aos poderes desejados por Deus, é um preceito de que ninguém pode fugir, a menos que se refira a disposições contrárias às leis de Deus e da Igreja.
“Toda a alma esteja sujeita aos poderes superiores, porque não há poder que não venha de Deus; e os que existem foram instituídos por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade, resiste à ordenação de Deus… É, pois, necessário que lhe estejais sujeitos, não somente pelo temor do castigo, mas também por motivo de consciência.” (Rm 13, 1-2.5).
Do mesmo modo, São Pedro (1Pe 2,13-14) ensina todos os fiéis a serem sujeitos a toda criatura (humana) em nome de Deus, tanto ao rei como soberano e aos governadores, como enviados por ele: porque (ele diz) esta é a vontade de Deus e, operando retamente, você silenciará a ignorância dos incautos. É sabido como os cristãos antigos, observando com cuidado esses preceitos, mesmo durante as violentas perseguições, se tornaram louváveis pelos próprios Imperadores Romanos e pela guarda do Império. Santo Agostinho diz: “os soldados cristãos serviram a um imperador infiel. Enquanto serviam a causa de Cristo, não reconheciam senão Aquele que estava no céu. (…) Distinguiam o Senhor eterno do senhor temporal; entretanto eram submissos, por causa do Senhor eterno, também ao senhor temporal.” [Comentário de St. Agostinho do Salmo 124, Coleção Patrística vol. 9, 3, Ed. Paulus].
4. Esta doutrina, como vocês bem sabem, Veneráveis Irmãos, foi constantemente transmitida pelos Santos Padres. A Igreja Católica sempre a ensinou e a ensina. Imbuídos desses princípios, os primeiros cristãos embarcaram em um modo de vida e ação para preservar as legiões cristãs imunes aos crimes de covardia e traição, mesmo quando o exército pagão permaneceu infecto. A esse respeito, Tertuliano diz: “Somos acusados de atacar a majestade do Imperador; no entanto, os cristãos nunca poderiam ter sido encontrados entre os Albinos, Nigrianos ou Cassianos. Mas os mesmos que até o dia anterior juraram nos Lares dos Imperadores e, por sua salvação, lhes fizeram promessas solenes e lhes ofereceram sacrifícios; os mesmos que muitas vezes condenaram os cristãos, demonstraram logo ser inimigos dos imperadores. O cristão não é inimigo de ninguém, muito menos do Imperador: sabendo que ele fora constituído por seu Deus, não pode senão amá-lo, respeitá-lo, honrá-lo e querê-lo bem” [Tertull. Apolog. Adv. Haeres., Cap. 35, 457].
Ao tornarmos conhecidas essas coisas, Veneráveis Irmãos, queremos que elas cheguem até vós, não como se lhes fossem desconhecidas ou como se abrigássemos o medo de que vós não propagarias e disseminarias esta doutrina reta acerca da obediência que os súditos devem ter para com seus legítimos soberanos. Essas Nossas palavras pretendem revelar abertamente Nossa alma para vós, e quão forte é o desejo de que todos os eclesiásticos deste Reino, pela pureza da doutrina, pelo adorno da prudência, pela santidade da vida resplandeçam ao ponto de serem imaculados aos olhos e à opinião de todos. Desta forma, esperamos que tudo, como está nos auspícios, responda alegremente às expectativas. Seu poderoso soberano se comporta de maneira bondosa com vós e, em virtude de nossos bons ofícios, não falhará em não nos interpor a seu favor, em acolher seus pedidos com um espírito sempre propício, para o bem da Religião Católica que este Reino professa e em cuja defesa prometeu nunca falhar. Os verdadeiros homens sábios lhe darão louvor; por outro lado, os adversários vos temerão, mas nada terão de mal para falar de Nós.
Ao mesmo tempo, quando levantamos Nossas mãos para o céu, imploramos a Deus por vós, para que cada dia possais enriquecer e encher cada um de vós com a abundância das virtudes celestes. Sempre vos mantendo em Nosso coração, exortamos que completeis Nossa alegria cultivando a mesma caridade com unidade de propósito e nutrindo os mesmos sentimentos. Pregueis tudo o que está de acordo com a reta doutrina; mantenhais o verbo incorrupto e impoluto; comportais-vos unanimemente em unidade de espírito, colaborando com fidelidade ao Evangelho.
Por fim, rogueis a Deus incessantemente por Nós que, em penhor de afeição paterna, vos conferem a vós e à grei confiada aos vossos cuidados, com amor infinito, a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto a São Pedro, em 9 de junho de 1832, segundo ano do Nosso Pontificado.
Traduzida por Gabriel Chaves a partir da versão em inglês disponível em https://www.papalencyclicals.net/greg16/g16cumpr.htm