Sua excelência, o deputado, cônego Galrão, fez há dias um discurso que é, do ponto de vista do mais sentimental liberalismo, um primor, uma “coisa feita”, tão bem feita que seria capaz de levar clero e povo católicos a apoiarem a candidatura do sr. Nilo Peçanha, se não tivesse o deputado ilustre esquecido de analisar a personalidade desse mesmo sr. Nilo, também do ponto de vista religioso, que mais interessa até àqueles que realmente crêem que jamais esqueceu S. Ex.ª, no recinto da Câmara, que é um sacerdote da Igreja Católica.
Verá S. Ex.ª que, dado o tom de mágoa de que se revestiu a réplica aos seus acusadores, não serei eu quem concorra ainda para que se faça mais pesada a atmosfera de ridículo, que envolve a sua figura sacerdotal, desde que se fez paladino, não do sr. Seabra, repito, mas do sr. Nilo, isto é, de um dos chefes ostensivos da Maçonaria no Brasil.
Deixemos de lado a medição dos seus talentos e sobretudo da sua ação propriamente sacerdotal na sua tão amada Bahia.
Fiquemos no terreno político, vejamos se há razão de duvidar da constância da sua recordação de que é um sacerdote católico nesse recinto em que não admite o “V. Revma.”; discutamos a sério a coerência das suas atitudes.
Citemos algumas palavras de S. Ex.ª mesmo:
“Nunca me esqueci neste recinto que era o sacerdote que as minhas vestes indicam. Nunca a minha palavra esteve prisioneira de conveniências, nem a minha ação paralisada, quando qualquer delas, no Congresso Nacional, na Assembleia baiana ou em, arena outra de combate, se fez precisa, fossem quais fossem os lutadores que tivessem de enfrentar, na defensão dos direitos da Igreja e da sociedade.”
Ora, tudo isto é muito bonito, ou melhor, foi muito bonito, porque quero crer que S. Ex.ª tenha, de fato, prestado grandes e relevantes serviços à Igreja, mas a verdade é que bem pouco se harmonizam os seus gestos, as suas palavras, neste momento da nossa vida política, com esses outros de que tão justamente se pode orgulhar.
O sr. cônego Galrão não é, não pôde ser, tem o dever de não ser, em relação à cultura católica, uma nulidade como o sr. Nilo Peçanha, por exemplo.
Agora, pergunto eu a S. Ex.ª: condena ou não condena, a Igreja católica, todo aquele que faz parte da Maçonaria, todo aquele que, conscientemente, dá mão forte aos seus propósitos de dominar a sociedade? E por acaso ignora S. Ex.ª que o sr. Nilo Peçanha é um dos mais prestigiosos e conhecidos membros da seita maçônica em terras brasileiras? Não lê S. Ex.ª os jornais, “O Imparcial”, ao menos? Pois nos últimos trinta números desse órgão do niilismo poderia S. Ex.ª fazer farta colheita de exemplos de má fé ou de ignorância em relação à Igreja.
De dois ou três padres estrangeiros, e certamente infelizes, têm conseguido amigos do dr. Nilo que celebrem missas em ação de graças por este ou aquele ato do chefe tripingado. “O Imparcial” noticia essas coisas em letras garrafais. Vejam os católicos! O sr. Nilo não sai das igrejas.
O pior é que sai, e é o próprio “Imparcial” quem se encarrega de contar, um dia após, que o grande chefe da dissidência, se ouviu missa pela manhã, comungou, à noite, ao lado do venerável de uma loja qualquer, os ideais da seita a que a Igreja, pela palavra dos seus Papas e dos seus Bispos, costuma chamar de Sinagoga de Satã.
S. Ex.ª, o sr. cônego Galrão será capaz de negar o que venho a dizer? Não creio. Há de ter lido o discurso que fez o sr. Evaristo de Moraes numa dessas festas maçônicas em honra do sr. Nilo, e a resposta deste àquele poderoso cenógrafo de macabras inocências. Não me darei ao trabalho de analisar o que disseram… O sr. Nilo, coitado, pôde ser perigoso como homem de ação. Como orador, ou falador, se quiserem, completa Carlitos na cena muda: sabe levar genialmente o ridículo até à tristeza. O sr. Evaristo, forte inteligência de verdade e sabedor de tanta coisa, tem o direito de ignorar algumas, e a sua lastimável ignorância da história da Igreja, envenenada pelo sectarismo maçônico, deixa ver somente quão grande poderia ser o crime dos católicos que apoiassem tais sectários na ordem política brasileira.
Por que o sr. cônego Galrão não tocou neste assunto? Ou lhe é indiferente que o sr. Nilo seja ou não um festejado das Lojas? Eis o que desejamos saber, nós, os que ainda estimamos no sr. cônego as vestes do sacerdócio católico.
Porque chega a parecer que, desta vez, pelo menos, S. Ex.ª tem cuidado mais das suas conveniências pessoais que da própria integridade sacerdotal, que da obediência que deve aos santos conselhos da Igreja. É isto o que entristece.
E há mais para pôr na carta…
Quando, em que tempo, já viu S. Ex.ª um verdadeiro sacerdote católico ficar ao lado dos que pregam o “custe o que custar” em relação à posse do poder? S. Ex.ª sabe melhor do que eu qual a doutrina da Igreja sobre as revoluções, em particular, e a Revolução, em geral. Ora, ousará negar S. Ex.ª que está ligado, neste momento, a uma corrente política característica, declaradamente revolucionária?
De que lado estão os que têm procurado subverter a ordem constitucional, de que lado estão os que têm levado até ao seio das classes armadas o veneno da indisciplina e da revolta? Do lado do sr. Arthur Bernardes ou do lado do sr. Nilo Peçanha? Do lado dos católicos que têm horror à Maçonaria ou daqueles que, direta ou indiretamente, a apoiam?
E então, que faz a palavra de quem nunca esteve prisioneiro de conveniências? Defende os mestres de indisciplina e de desordem… É ou não é verdade?
Responda S. Ex.ª. Responda, mas não deixe de meditar estas palavras do padre Vieira, que eu tenho meditado algumas vezes, diante dos tristes acontecimentos da hora presente: “… a nação inteira arriscada a uma extrema ruína, que se não fora pelas orações de alguns justos, já estivera acabada; mas não estão ainda acabados de castigos. E sobre quem carrega o peso de todas estas consequências? Sobre aqueles que fazem e que sustentam os autores e causadores delas: “Ego feci”, “Ego feram”. Vós o fizestes, vós o pagareis. E que com esta carga às costas andem tão leves, como andam! Que lhes não pese este peso na consciência! Que os não morda este escrúpulo na alma! Que os não inquiete, que os não assombre, que os não traga fora de si esta conta que hão de dar a Deus! E que sejam cristãos! E que se confessem! Mas não condeno nem louvo: admiro-me com as turbas: Et admiratoe sunt turbae.”
A quem não está à altura de Vieira a indignação quase que não é pecado…