Leonardo Brum
Embora eu seja defensor de um estado católico, nos moldes da Encíclica Immortale Dei, de Leão XIII, as considerações a seguir podem ser de alguma valia levando-se em conta as atuais circunstâncias políticas. Mesmo que não sejamos a favor do estado laico ou da própria democracia liberal, é necessário combater também uma opinião falsa bastante comum que extrapola os limites dessa laicidade, apontando as incoerências de nossos oponentes.
Se concedermos, sem admitir, que qualquer interferência de valores religiosos na política fere a laicidade do Estado, será preciso lembrar que tudo quanto a teologia católica denomina como “pecado” é algo contra a razão, de modo que a condenação de determinado ato por parte da Igreja é condição suficiente para que o católico tome o ato por imoral, mas não é condição necessária, pois a própria razão é capaz de discernir a maldade do ato em questão [1]. Isso compete a uma disciplina filosófica chamada ética (termo grego) ou moral (termo latino). Ainda que não se concorde com os sistemas filosóficos segundo os quais determinados atos, como o de abortar ou o de manter relações homossexuais são imorais, não se pode fingir que tais sistemas não existam e tratar toda e qualquer oposição aos atos em questão como sendo de cunho exclusivamente religioso (muito menos ainda como sendo puro e simples “preconceito”).
Por outro lado, há que se falar o porquê de apenas conceder, mas não admitir a premissa anteriormente citada. A laicidade do estado brasileiro consiste tão-somente em não declarar religião oficial e garantir a liberdade de culto. Um estado laico é meramente neutro em matéria religiosa e não contrário aos valores religiosos. Por outro lado, se o estado é democrático, a vontade do povo é soberana e se essa vontade é, em maior ou menor grau, influenciada por valores religiosos, não compete ao estado se eximir de cumpri-la, justamente por sua laicidade e conseqüente neutralidade. A neutralidade deve tornar o estado indiferente à origem eventualmente religiosa das demandas da população [2]. Uma concepção abusiva da laicidade do estado que, levada às últimas conseqüências, colocaria na clandestinidade os partidos que se intitulam cristãos, por exemplo, tem por intuito simplesmente banir a religião do debate público a priori, levando o cenário político a ser monopolizado por doutrinas anti-religiosas, como o marxismo. Quão longe estamos aqui de ver o povo representado! Quando os comunistas pararem de querer fundar a política em Marx, talvez eles estejam em condições de discutir o porquê de se fundar a política em Cristo.
Aracaju, 22 de julho de 2016
[1] Haveria poucas exceções a citar, como o sacrilégio, cuja gravidade só pode ser compreendida à luz da fé. A maldade de se profanar uma hóstia consagrada, por exemplo, deve ser considerada a partir da premissa de acordo com a qual lá está Cristo realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Porém, insisto que estamos a tratar de exceções. Via de regra, a própria razão natural é capaz de discernir a maldade dos pecados.
[2] É o que explica, por exemplo, Victor Mauricio Fiorito Pereira, membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, no artigo abaixo:
http://www.amperj.org.br/artigos/view.asp?ID=99