Carta de Jackson de Figueiredo aos bacharelandos do Colégio Santa Rosa, de Niterói, em 1926.
Jackson de Figueiredo
Meus queridos amigos:
Aqui estou sob a pressão de uma delicada dúvida que, por isto mesmo é delicada, tanto me pesa.
Não sei se vos devo pedir perdão de uma falta que, de vontade própria, não cometi. Mas é certo que devo lastimar ter-me cabido a provação de ser, mesmo involuntariamente, deslustre da festa que assinala, em vossa vida, uma espécie de compromisso de honra: o de demonstrar à sociedade que vos espera o que vale a unidade do caráter católico, em que se aliam pelo batismo e a educação, que recebestes, fé e cultura, viva intuição da hierarquia do mundo e tão ardente quão equilibrado amor da liberdade.
Não pude falar-vos àquela hora, de tão festiva e de tão grave significação na existência do moço católico.
Isto não impede, porém, de dizer-vos agora que não é sem profunda emoção que ouço a voz da mocidade brasileira, todas as vezes que ela me chama para o seu lado, todas as vezes que ela, desta ou daquela forma, por esse ou aquele motivo, associa o meu nome ao seu clamor de angústia ou de esperança.
Porque se uma tal demonstração de afeto e de respeito poderia envaidecer-me, o certo é o que, de logo, e bem mais naturalmente, nela me empolga, é o sentimento de que, ao brado do soldado, já se multiplicam, na paisagem em que presente e futuro se confundem, os ecos de milhares de brados – brados de alerta e de coragem, brados de sonoras gargantas e peitos fortes, de gente moça, de gente destemerosa, que não pede certeza de vitória para entrar na luta, mas deseja a luta, quer lutar, consciente como está de que o inicio dela é já o equivalente de admirável vitória sobre a inércia em que pareciam amortalhar-se para sempre as forças morais da nacionalidade.
Sim, meus queridos amigos, é assim que interpreto os vossos como tantos outros apelos, com que tem honrado a mocidade brasileira.
Sabeis como ainda há pouco tempo falei à mocidade de São Paulo:
“Nada oferece a minha vida pública, que possa excitar simpaticamente nem o lirismo amoroso da raça, nem o sentimentalismo, o mórbido sentimentalismo, que, até hoje tem servido de lastro a toda expressão de cultura política em nosso país. Sou, pelo contrário, um homem que tem pregado o horror à ilusão, e julga a verdade, seja ela a mais amarga, com mais direito à a vida que a mais doce e suave confiança no erro.
“Ora, se me quereis ouvir, vós, moços de meus país, é que soou a hora, talvez, em que à própria intuição da mocidade vai se apresentando como única capaz de redimir a Pátria Brasileira – de tantas negações e desfalecimentos – a doutrina que represento, áspera e rude, como a natureza, mas, também como a natureza real e viva, fecunda e certa na sua atividade”.
Pois bem: a quem me procura eu não sei dizer outras palavras, que nada mais são que a agitada sombra do divino conselho: “acostuma-te a dizer sim, sim, não, não” e foge, por conseguinte, a inúteis e prejudiciais compromissos com o erro.
Salve-se em vós, pelo menos, a convicção, quando errardes, mas ficai desde já certos de que o homem que aceitou, na plenitude da sua vida consciente, o magistério da Igreja, se mais de uma vez será vítima de erro contra si próprio – que isto é lei da humana natureza – raro errará contra o seu semelhante, e tem o privilégio, por assim dizer, de acertar sempre em todas as questões que interessam à sociedade em geral.
Sabeis que ele parte da solene verificação, que Veuillot assim resumia: “A questão de sempre é saber se o homem deve nascer, viver, unir-se, morrer, receber, transmitir e deixar a vida como criatura de Deus, a Deus destinada, ou como uma larva aperfeiçoada, unicamente originária das fermentações do lodo de terra.”
O moço católico é aquele que quer entrar os umbrais da vida social tendo nos lábios e no coração a afirmação serena, o testemunho claro e positivo de que é uma criatura de Deus, e que como tal, mover-se-á sempre, seja em que domínio for, no sentido contrário do que levam as larvas, os seres amorfos, as abjetas indecisões entre a vida e a morte, entre o erro e a verdade.
Sim, nada mais tenho a dizer-vos do que o que tenho dito, desde que, como homem, recebi a confirmação de soldado de Jesus Cristo.
Dizer-vos: sede homens, sede dignos, é dizer-vos pura e simplesmente: sede lógicos, sede coerentes com a doutrina a que destes o assentimento da vossa consciência.
Preparai, pois, para o Brasil uma nova fase de vida social e política, porque é a vós que caberá a direção deste próximo futuro. De cinquenta anos a esta parte, invadidos, conquistados quase, pelas doutrinas mais perversas e desmoralizantes da nossa unidade moral, o certo é que a nossa maior miséria não é a luta propriamente contra essas doutrinas, mas a naturalização – entre nós, por assim dizer, de um espírito de indecisão e de covardia, de abastardamento, como nunca se viu talvez em seio do povo cristão. Foi a isto que caracterizei como sendo a perfeita extralimitação no domínio das coisas morais, sinal certo da falta de energia conservadora.
E contra isto é que vos deveis levantar, assinalando os dias de vossa futura atividade com a atitude de quem quer a guerra, isto é, a luta leal, em campo raso, frente a frente, por isto mesmo que deseja a paz, o apaziguamento das paixões e a fuga real, realmente verificada, dos erros perturbadores e anarquizantes.
É este o voto que faço, quando peço a Deus pelo vosso futuro: que sejais dignos homens de luta, verdadeiros soldados da Igreja e da Pátria, dado que, tanto quanto pode alcançar a minha consciência, tanto quanto pode alcançar a minha consciência, tanto a ideia católica como a de nacionalidade, o que mais precisam no Brasil que aí está, é de homens de coragem e de decisão, que saibam querer e não capitulem nunca se a voz do erro e do crime se suaviza femininamente nas peregrinações da mentira inteligente, que, sofismando às vezes as coisas mais sagradas, é o pior dos erros, e equivale a blasfêmia contra o Espírito Santo.
Gazeta de Notícias, 12 de janeiro de 1927