Jackson de Figueiredo
Respondeu-me o Sr. Conde de Laet na quinta-feira última pelo “O Jornal”, e, como sempre, lá se revela o terrível satírico, tão impiedoso, tão cáustico, tão sem caridade para com os seus adversários como será crente, piedosíssimo, um verdadeiro apóstolo do bem e do desinteresse, no foro íntimo da sua consciência.
Graças a Deus, porém, estou preparado para a refrega, e não foi em vão, como se verá, que nutri o meu espírito com a lógica de que se servia outrora o velho Mestre, e hoje despreza.
Porque não esqueça o Sr. Conde de Laet: está a maltratar no discípulo o que o discípulo pode apresentar de melhor, isso é, o que pôde assimilar do método, dos processos do temível argumentador reacionário, que defendeu o governo Hermes, contra a demagogia então reinante.
A culpa não é minha, se o velho Mestre acabou por não saber mais usá-los.
S. Ex. prefere agora meios mais fáceis, mais simples, mais primitivos: negar pura e simplesmente, quando fora mister examinar, analisar; afirmar categoricamente, quando seria mais correto expor, documentar, provar, enfim. Sua Excia. Prefere agora pôr em dúvida tudo quanto lhe parece nobre e desinteressado, e testemunhar tudo, tudo mesmo, quanto lhe parece criminoso, monstruoso da parte dos seus adversários.
Não, positivamente, não é mais o mesmo homem quem fala. O de agora está muito distanciado do causídico sutil, do analista cruel, sim, mas sempre respeitável, pelo seu visível amor da verdade, e da coerência.
Mas ainda assim, devo dizê-lo: neste terreno perdoo quase tudo ao Sr. Conde de Laet: os erros de lógica como os esquecimentos, entre estes, o esquecimento de si mesmo, do que foi, do que representou de verdadeiramente admirável, face a face do nosso pernosticismo cientificista e literário.
Serão erros, serão esquecimentos próprios de quem está na sua idade, e há até que admirar a robustez desse talento que ainda agora não perdeu de todo o brilho.
O que não me é possível perdoar-lhe, porém, por isto mesmo que sempre o tratei com respeitoso carinho, é a fraqueza moral das frases ambíguas, do claro escuro de certos períodos, quando parece visar a minha honestidade de jornalista, a minha reputação de homem de bem.
Neste ponto, não há de ser a idade somente. Certo, o despeito está a correr-lhe alguma coisa mais que a inteligência. Pelo menos, a boa fé.
Mas seja como for, se ainda lhe resta o senso da exploração pública – pondo, como está pondo, a serviço do seu ódio pessoal, os ódios de um momento como este – não serei juiz no caso – que só Deus pode ser entre nós dois – mas simples adversário, chamado como fui para a luta, que aceitei, e aceita fica, em qualquer terreno.
Vejamos, pois, como está a proceder o Sr. Laet.
Noto, em primeiro lugar, que ele parece pôr em dúvida até mesmo a minha fé.
Lá está escrito: “Ao Sr. Jackson que se ‘declara’ católico”…
Creio que não me honraria ser discípulo seu nesta forma de combate. Não ponho em dúvida a sua fé. Sei que esta, sei que a própria graça não altera a natureza, e respeita até os temperamentos mais hostis à humildade, base, sei também, da vida cristã. Os nossos dois temperamentos são pouco cristãos… Honra maior, glória maior para a consciência daquele de nós que, mais rigorosamente saiba, ainda assim, lutando consigo mesmo, governar-se e manter-se dentro das regras e princípios da fé positiva. E é deste ponto de vista, unicamente, que o St. Laet pode julgar-me. Que ele aponte, pois, o ato ou palavra minha que me incompatibilize com a Igreja, ou lhe dê o direito de duvidar publicamente, como o fez, da minha fé católica.
Eu, aliás, antes de ajuizar sobre os supostos argumentos do Sr. Laet contra o governo do Sr. Arthur Bernardes, ainda sou forçado, e assim, a modo de introdução ao estudo de uma decadência, a acentuar alguns pontos pessoais desta polêmica. Nem poderá ser de outra forma, pois que só saí a rebater as odientas gamenhices de popularidade do velho Conde, após muitas e muitas vezes ter sofrido em silêncio as suas venenosas indiretas.
Assim, repetindo insinuação que vem fazendo de longa data, diz o Sr. Laet que compreende a situação aborrecida em que se acham alguns confrades, “obrigados agora a defender de graça o que há pouco faziam de outro modo”.
Como mudam os tempos!
Anos atrás, tendo-lhe feito o Sr. Britto Alves, acusação semelhante à que hoje faz aos defensores do Sr. Bernardes, não tardou o velho mestre em dar-lhe esta substanciosa lição:
“Compreendo a dificuldade desse moço em acreditar numa defesa desinteressada e apenas movida por princípios. Agora não se usa disso: mas antigamente era comum, e eu, Mathusalem, estou de muitos anos atrasado em relação aos Calinos e Aretinos da última moda.”
O que é triste é que o Sr. Laet não se mantivesse firme no propósito desse atraso, e que o Sr. Britto Alves viesse a ter, por fim, uma tão completa confirmação da legitimidade dos seus processos jornalísticos.
Mas vejamos o que me diz respeito.
Que quer insinuar o Sr. Laet? Porque não tem coragem de dizer claramente o que lhe ditam o ódio e o despeito?
Quer acaso o velho conde sugerir a hipótese de que, durante o governo Bernardes, ganhei qualquer espécie de dinheiro, menos licitamente?
Aqui fica a pergunta que pede resposta clara e positiva. Porque claro e positivo falarei sempre a respeito do meu gratuito injuriador.
Quer, por exemplo, o Sr. Conde, saber o que julgo de seu papel, ultimamente, na imprensa brasileira?
Pois aqui está: julgo-o tristíssimo, originado de tristíssima questão de interesse pessoal.
O Sr. Laet, que diz compreender a aborrecida situação de quem em a defender de graça o que defendia de outro modo, parece não procurou elementos para essa compreensão senão na sua própria psicologia. Do Sr. Laet, sim, é que se pode dizer, sem medo de errar, é que se pode dizer, documentadamente, que só passou a ver no Sr. Arthur Bernardes um monstro horripilante, após ter perdido (não quero afirmar que justamente) o seu belo emprego do Pedro II.
Foi ou não, meu ilustre Mestre?
Lembre-se o Mestre do seguinte:
Já o Sr. Arthur Bernardes tinha feito as intervenções no Estado do Rio e na Bahia; já o Sr. Barbosa Lima tinha sido, a muque bernardesco, eleito senador; já o seu simpático Sr. Irineu Machado se vira “despojado do seu direito pelo capricho ditatorial”; já as prisões regurgitavam; já para Clevelândia se apresentavam os navios fantasmas; já o “Correio da Manhã” estava fechado, e o atual acusador do Sr. Arthur Bernardes, o nobre Conde de Laet, Diretor do Pedro II, muito bem com a sua consciência e com todo o mundo, exceto com os revolucionários, não só fazia discurso no Círculo Católico em favor do governo, como dava à “Novíssima”, excelente revista de então, a entrevista que, logo após, isto é, a 30 de setembro de 1924, era transcrita pela “A Notícia” desta Capital, de onde copio este trechozinho bastante significativo:
Pergunta-lhe o repórter:
“Acha, então, que devemos ser legalistas?
E eis a palavra florida do amável remanescente do Império, como lhe chama “A Notícia”: “Tal qual. O respeito à ordem constituída não é somente um dever cívico. É uma garantia da nossa comodidade. Demais, eu que não morro de amores pela República, acho que o governo que aí está é um governo ajuizado. Vai conduzindo os negócios públicos com as cautelas que o momento exige. Tem demonstrado bons intuitos e vai fazendo o que pode para a reconstrução econômica do país e para o consequente saneamento do crédito nacional”.
Não concede o Mestre que diante de fatos desta ordem, quase que se é forçado a relembrar os argumentos do inditoso Britto Alves?
Porque ressaltam as coincidências impressionantes: Defendia então o Sr. Conde o governo que dera ou restituíra uma cadeira no Pedro II, e hoje ataca, e do modo mais impiedoso, o governo que ousou desmontá-lo da diretoria do mesmo Pedro II, governo que, até esse ato perfeitamente impolítico e mesmo um tanto injusto, penso eu, merecera sempre o seu aplauso e a sua solidariedade.
Fraquezas humanas, meu ilustre Mestre, mas que não dão direito de sair, quem as tem, a insinuar contra o desinteresse a honestidade de quantos não lhe mereçam simpatia.
Talvez seja só por isto que apareça também condenando agora, de modo tão categórico, o argumento “ad hominem”, um homem que passou a vida inteira a usar dele muito legitimamente, e com bastante ganho de causa…
Porque, se assim não fosse, que valor tinham, Sr. Conde, as suas campanhas contra Ruy Barbosa, Irineu Machado, Barbosa Lima, etc.?
E então, mestre ilustre, porque há tempos, tanto escarcéu com aquela descoberta dos artigos de Medeiros sobre Ruy?
Não, meu velho Mestre, eu prefiro continuar a ser discípulo do Laet da 1ª fase. E em política, máxime em um país como o nosso, sem partidos, sem programas, não pode existir argumento mais legítimo. O que vale são as personalidades, o que elas pensam, o que elas fazem.
Ademais, que lógica é a que agora emprega o ilustre Conde de Laet, contra o Sr. Arthur Bernardes?
Creio que bem mais manca e mais cega do que a minha, ao defendê-lo.
Senão, vejamos.
Em primeiro lugar, julga o Sr. Laet que não devo jogar com as suas opiniões passadas e presentes, e, sim, “inocentar o acusado”.
Pois o que há a responder é o que o Sr. Laet já respondeu num caso semelhante: Cabe ao acusador provar primeiro que está dizendo verdade.
De minha parte, tenho a alegar que ainda não vi provadas as acusações ao Sr. Bernardes e conheço defesas brilhantes de todos os seus atos.
Além disso, se um homem como o Sr. Conde de Laet é capaz de despeitos tão cruéis e, impulsionado por eles, chega a leviandades como as que ultimamente testemunho, porque irei eu fiar-me da imprensa amarela que o Sr. Laet já definiu com tanto rigor; porque darei ouvido às voes ultra odientas dos inimigos do Sr. Bernardes?
O Sr. Laet está a repetir palavra por palavra o que diz, de tempos para cá, a imprensa do Rio de Janeiro. Mas é curioso que quem já uma vez confessou que, dos elogios e descomposturas de tal imprensa à sua própria pessoa, tem o cuidado de tirar sempre uma espécie de média aritmética, não saiba agora usar do mesmo higiênico processo, em relação aos outros.
Aliás, sobre o que a imprensa pode fazer em casos como o que está em debate, e sobre o que se pode fazer contra ela, ainda são as lições do velho mestre as de que me sirvo.
Assim, dizia, anos atrás, o Sr. Laet:
“Uma das grandes singularidades dos tempos atuais é que os povos vivem a combater fantasmas de tiranias, e indiferentes às tiranias verdadeiras”.
Uma destas era, para ele, a imprensa. Ele diz mesmo:
“O povo ainda não compreendeu que uma das maiores tiranias que o conculcam é a da imprensa e, longe de compreendê-lo, antes a reputa uma salvaguarda dos seus interesses e a vindicatriz dos seus direitos. É contra este sofisma que me insurjo”.
E o Sr. Laet não se cansava de mostrar o que era esse poder tirânico, capaz de desonrar, capaz de armar o braço do assassino, e contra o qual quase nada, legalmente, pode fazer o homem público, máxime em nosso país.
“Com demasiada serenidade – notava ele – se fala das antigas usanças penais. O pelourinho, vós o sabeis, consistia numa coluna, erguida em sítio patente, e nela à irrisão pública eram expostos os criminosos. Quando se abate o último pelourinho, os povos bateram palmas; mas foi uma grande tolice, porque ao mesmo tempo se armava a imprensa. E a imprensa, tal como entre nós se entende, é pior do que o pelourinho antigo, porque neste só se expunham os réus legalmente condenados, e a impresna é o pelourinho sem sentença”.
Bela, admirável lição!
Mas o Sr. Laet ia além, e até parecia adivinhar o Sr. Bernardes…
“Se entre nós – dizia ele – um chefe de Estado, detraído e vilipendiado nas folhas, recorresse aos tribunais, que berreiro logo se levantava entre os gansos da politicagem! E como seriam conspurcados os juízes que ousassem fazer justiça. E acrescentava:
“Eu vos conjuro, senhores, nunca chameis à responsabilidade quem vos injuria. É tempo, é paciência, é dinheiro perdido. Nossas leis são para os insultadores da imprensa o mesmo que uma teia de aranha para apanhar grandes aves de rapina…” A calúnia caracterizada, ainda poderá resistir um pouco mais ao embate. Mas vá um homem processar de uma vez cem caluniadores…
Seria não só inútil como ridículo.
O Sr. Laet já escreveu mesmo o elogio de certas tiranias, “gloriosas e compreensíveis”, a de uma Napoleão (fértil em matéria de censura), a de Pedro I da Rússia, a de Luiz XIV. “Mas, o que eu não compreendo – dizia – é a tirania da incompetência, e a tirania da imprensa é a tirania dos incompetentes”.
Pode-se, pois, crer que, quem assim falava, esteja hoje, sinceramente, a ver na censura jornalística do governo passado, um ato de monstruosa prepotência, e para considerá-la ilegítima, chegue até a esquecer a constitucionalidade do estado de sítio?
O Sr. Conde sabe perfeitamente que a Igreja mesmo reprimiu abusos de pensamento com censuras bem mais rigorosas que as do governo Bernardes, e nunca ela exerceu direito mais santo e mais digno de ser imitado por quantos governos se julguem na defesa de uma causa legítima e respeitável.
Tudo o mais é, como disse o mesmíssimo Sr. Laet, “tudo o mais são pataratas”.
E vem o mestre ilustre a apontar o Sr. Epitácio Pessoa, como exemplo que deveria seguir o Sr. Bernardes!
Ora, muito bem.
Entre a admiração que tenho pelo Sr. Epitácio e a que tenho pelo Sr. Bernardes, a distância é de léguas. Ao Sr. Epitácio não só admiro, como amo e respeito. O Sr. Bernardes só me merece admiração como homem de Estado, que, com calma e serenidade, com espírito verdadeiramente objetivo, soube reprimir a desordem, quando a desordem já parecia irreprimível. Posso afirmar que, quando o Sr. Laet ainda lhe rendia outras homenagens, eu já dera provas ao Sr. Bernardes de não estar cego pelo dever cívico de sustentar a sua autoridade, a ponto de não ver as mesquinharias do homem e a sua quase impossibilidade de distinguir a lealdade sincera e o sincero patriotismo, na massa bruta das dedicações interessadas.
Mas isto nada tem que ver com o que nos interessa, neste momento.
O Sr. Conde cita o Sr. Epitácio…
Ora, o Sr. Epitácio é, justamente, o grande homem de bem a quem coube – com sofrimento de toda espécie – desiludir para sempre a todos quantos, entre nós, saibam observar, do suposto valor da argumentação e da análise em hora de agitação política e acesas as paixões revolucionárias.
E ainda assim é preciso lembrar que ele só dois anos após deixar o governo deu forma definitiva à sua defesa.
E, qual foi o resultado? Deixaram os infames e chamá-lo o “rei dos colares”? Deixaram os miseráveis de atribuir-lhe a autoria das maiores misérias?
O Sr. Conde de Laet sabe perfeitamente que está a explorar, contra o Sr. Bernardes, os ódios, as paixões desta funesta hora da nossa vida política.
Sabe perfeitissimamente que o Sr. Bernardes, se lhe fosse possível evidenciar toda a honestidade e pureza dos seus atos, continuaria a ter contra si a mesma multidão de rancores e despeitos.
Leibnitz sabia bem o que dizia quando lembrava que as próprias verdades matemáticas, se implicassem interesses morais, teriam opositores de toda espécie.
O Sr. Laet, esquecido do que escreveu naquela admirável página sobre Barrabás, tem a coragem de fazer carga sobre o Sr. Bernardes até por causa da sua impopularidade neste momento!
É ou não é, o cúmulo da insinceridade?
E então, entre Jesus e Barrabás, quem o Sr. Laet teria julgado, hoje, mais digno de popularidade? Tomaria o Sr. Laet o partido da multidão?
Enfim, é triste, é imensamente triste ver a obra do despeito, obscurecendo assim o senso moral de escolha do meu ilustre mestre.
A certa altura de seu último artigo, pouco antes de descobrir no meu uma “intriguinha provinciana”, que procuro urdir entre ele e os Srs. Barbosa Lima e Irineu Machado (!!… não, não faço, nem mesmo ao Sr. Laet desta hora, a injustiça de supô-lo capaz de medo destes dois conspícuos republicanos), chama-me, por assim dizer, a atacar o atual governo, que despreza os meios usados por Bernardes para manter a tranquilidade pública…
Mestre ilustre: não aceito o conselho, mas dou-lhe outro: não aconselhe aos seus mais ardentes leitores de agora a procederem com o Sr. Washington Luis como impenitentemente alguns deles procederam com o Sr. Bernardes. Creia que se viermos a ter de novo a brincadeira das bombas, os ataques a regimentos, os levantes de couraçados, talvez o Sr. W. Luis não despreze os meios que o simples bom senso aconselha, e o mais alto senso político e cristão, como o do velho mestre, às vezes encoraja e aplaude abertamente.
O velho mestre, não emprestou uma doce fisionomia de ato legítimo e sem importância aos fuzilamentos do “satélite”?
Que protesto fez o velho mestre quando o mesmo governo Hermes foi acusado de um extravagante uso de cal, lá para os lados da Ilha das Cobras?
Quer o velho mestre que eu relembre tudo isto, documentando todo esse seu ilustre passado de homem de bom senso, e largo conhecimento das paixões humanas?
E então para que ironias desta ordem: “O diuturno convívio entre censura e polícia acabou por bichar a lógica do súdito de Bernardes”?
Diga-me então uma coisa; com quem convivia o Sr. Conde ao tempo do governo Hermes? Enfileira-me o Sr. Conde entre os discípulos do marechal Fontoura… Alta patente! Mas, confesse: se o Sr, Conde não o foi do próprio marechal Hermes, teria sido discípulo do tenente Mello ou do tenente Pucherio? De qual dos três?
Que era, enfim, o que lhe bichava a lógica naquele trágico quatriênio?
Mestre ilustre:
Antes de despedir-me, desta vez, devo dizer-lhe que, dos sistemas que me aponta como próprios à defesa do Sr. Arthur Bernardes, conscientemente, como católico, aceito e sigo o terceiro, mas ao invés de exagerar sobre as terríveis necessidades, em que se viu o ex-presidente, de fantasiar em relação às duras consequências do cumprimento do seu dever, de acolher cegamente as imaginações odientas dos seus inimigos, eu, simplesmente, procuro ser justo.
A respeito, porém, dos mestres de imprensa que o Sr. Laet, pelo que vejo, agora acata, e do que eles estão a fornecer-lhe como armas contra o Sr. Bernardes, eu prefiro pensar como o nosso grande e bem Felício do Santos, que ainda no domingo último os escarmentou à vontade. Disse o Felício que é o caso de simplesmente pedir-se a tais jornalistas “menos imaginação…e mais decência”.
Não julgue, porém, o velho mestre, que estou a querer intrigá-lo com o Felício.
Não. Uso somente do argumento de autoridade, como bom católico que sabe o que ele vale em certas ocasiões, e em certos casos.
Eu nunca disse de todos os revoltosos que eram bandidos, assassinos e ladrões. Reconheço que há muito idealismo entre eles e até beleza moral na atitude alguns, dos mais intransigentes.
Sustentei, porém, e sustento, que eles erraram, e erraram gravemente, e o governo tinha a obrigação de reprimir esses erros. Ora, não é com plumas que se reprimem revoluções.
Só no livro de Cabanas “A coluna da Morte” li a confissão de cinco ou seis fuzilamentos mandados fazer pelo famoso cabo de guerra revolucionário, e é claro como o sol, que, numa luta em que os chefes de um partido ousam tanto, os chefes do outro têm que ser também pouco sentimentais, se não querem ser imediatamente vencidos.
Foi o velho mestre quem disse um dia: “Padecem de tiranice os destruidores de autoridade”.
Contra uma tal moléstia, o médico é forçado, quase sempre, a tratamentos menos suaves.
Não posso pois, mudar de opinião só porque o velho mestre assim fez. Sou uma vítima do seu passado, do seu antigo poder de lógica, e, “antes de tudo – para citá-lo ainda uma vez – pelo amor da verdade, que só tem uma cara e como em espelho formosa se reflete nos escritos do homem de bem”.
P. S.
Peço desculpa ao velho mestre pelo tamanho dos meus artigos. Como bom conhecedor, ele sabe que defesa é sempre mais difícil que acusação. O velho mestre há de conhecer, pelo menos como eu, através do Ruy, aquele trecho de D. Thomaz de Iriarte, do seu livro “Donde las dan las toman”, cujo título, como se vê, já é de si um aviso…: “Una impugnación de ocho páginas me ha obligado á escribir esta Apologia que ocupa um tomo; pero no lo extranará quien repare que es muy facil y mui breve llamar á alguno, por ejemplo, judio o morisco, y que no és tan facil ni tan breve probar el ofendido que és cristiano viejo. Aquilo no cuesa más que decirlo en dos palavras absolutas; y esto cuesta revolver papeles antiguos, hacer informationes, y escribir mucho para probar la verdad”.
Além disto, é o prazer de citar o velho mestre, o que assim me tem feito abusar um pouco destas colunas, mas não da paciência dos leitores, tenho certea, pois os trechos de antologia, que vou citando, são realmente uma delícia.
J. DE F.
Gazeta de Notícias, 2 de Fevereiro de 1927