Santo Agostinho
1. Em mais um ano brilhou para nós — e havemos de celebrá-lo hoje — o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, graças ao qual a Verdade brotou da terra [1] e o Dia do Dia veio ao nosso dia. Alegremo-nos e regozijemo-nos nele [2]. A fé cristã atesoura o quão nos tem contribuído a humildade de pessoa tão excelsa, coisa da qual está vazio o coração dos incrédulos, dado que Deus escondeu estas coisas dos sábios e inteligentes e as revelou aos pequeninos [3]. Possuam, portanto, os humildes a humildade de Deus para chegar, com tão grande ajuda, qual montaria para sua debilidade, à excelência de Deus. Por outro lado, aqueles sábios e prudentes que buscam a sublimidade de Deus sem crer em sua humildade, ao prescindir desta, tampouco alcançam aquela; por sua vacuidade e leveza, seu inchaço e altivez, ficaram como suspensos entre o céu e a terra, no espaço intermédio próprio do vento. São sábios e inteligentes, porém segundo este mundo, não segundo o criador do mundo. Pois se morasse neles a verdadeira Sabedoria, a que é de Deus e ela mesma é Deus, compreenderiam que Deus pôde tomar a carne sem que pudesse transformar-se em carne; compreenderiam que assumiu o que não era e permaneceu sendo o que era; que veio a nós em condição humana, porém sem se apartar do Pai; que continuou sendo o que é e a nós se nos manifestou no que somos; que o Poder se encerrou no corpo de um menino sem se subtrair à massa do mundo.
Aquele que fez o mundo inteiro quando permanecia junto ao Pai é o autor do parto de uma virgem quando veio a nós. Sua majestade no-la manifestou a Virgem mãe, tão virgem depois do parto como antes de concebê-lo. Seu esposo a encontrou grávida, não a deixou grávida ele; grávida de um homem, mas não por obra de homem; tanto mais feliz e digna de admiração quanto que, sem perder a integridade, obteve o dom de a fecundidade. Aqueles sábios e inteligentes preferem julgar como ficção, antes que realidade, tão grande milagre. Assim, com respeito a Cristo, homem e Deus, como não podem crer no humano, o desprezam, e como não podem desprezar o divino, nele não creem. Quanto mais abjeto é para eles, tanto mais grato seja para nós o corpo humano ao humilhar-se Deus, e quanto mais impossível eles o consideram, tanto mais divino seja para nós o parto de uma virgem ao dar à luz a um homem.
2. Portanto, celebremos o nascimento do Senhor com a assistência e ar de festa que merece. Exultem de gozo os homens, exultem as mulheres: Cristo nasceu homem, nasceu de mulher, ficando honrados ambos os sexos. Passe-se, pois, já ao segundo homem que havia sido condenado antes no primeiro. Uma mulher nos havia induzido à morte, uma mulher nos iluminou a vida. Nasceu à semelhança da carne de pecado com que se purificaria a carne de pecado [4]. Não se culpe, pois, a carne, mas, para que viva a natureza, morra a culpa, dado que nasceu sem culpa aquele em quem há de renascer os que se haviam encontrado na culpa.
Regozijai vós, santos servos de Deus, que elegestes seguir antes de tudo a Cristo; vós que não buscastes o matrimônio. Aquele a quem encontrastes merecedor de seguimento não chegou até vós mediante o matrimônio para conceder-lhes menosprezar a via pela qual viestes. Com efeito, vós viestes através do matrimônio carnal, sem o qual acedeu ele ao matrimônio espiritual. E outorgou-lhes menosprezar o matrimônio a vós, àqueles que, de modo especial, chamou às suas bodas [5]. Portanto, não buscastes o que está na origem de vosso nascimento, porque haveis amado mais que os demais a aquele que não nasceu dessa forma.
Saltai de gozo vós, virgens santas: a virgem nos iluminou com aquele com o qual podeis casar sem perder a virgindade; vós, que, ao não dar à luz nem conceber, não podeis perder isso que amais.
Exultai de gozo vós, os justos: nasceu aquele que os justifica. Exultai vós, os débeis e os enfermos: nasceu aquele que os cura. Exultai vós, os cativos: nasceu aquele que os redime. Exultem os servos: nasceu o Senhor. Exultem os homens livres: nasceu o que os liberta. Exultem todos os cristãos: nasceu Cristo.
3. Aquele que, nascido do Pai, criou todos os séculos, enalteceu este dia, ao nascer aqui de uma mãe. Nem aquele nascimento pôde ter mãe, nem este buscou pai humano. Em definitivo, Cristo nasceu de Pai e de mãe, e sem Pai e sem mãe. Enquanto Deus, nasceu de Pai; enquanto homem, de mãe; enquanto Deus, sem mãe, e enquanto homem, sem pai. Portanto, quem narrará seu nascimento? [6], seja aquele, sem tempo, seja este, sem sêmen; aquele, sem começo; este, sem outro igual; aquele, que existiu sempre; este, que não existiu nem antes nem depois; aquele, que não tem fim; este, que tem o começo, donde o fim.
Com razão, pois, os profetas anunciaram que havia de nascer, e os céus e os anjos, por outro lado, que havia nascido. Aquele que contém o mundo jazia num presépio; não falava ainda, e era a Palavra. Àquele que não contêm os céus, era levado ao seio de uma só mulher. Ela governava o nosso rei; ela levava aquele em quem existimos; ela amamentava o nosso pão. Ó debilidade manifesta e assombrosa humildade, na qual de tal modo se ocultou a divindade inteira! Governava com seu poder a mãe, aquela pela qual estava submetida sua infância, e alimentava com a verdade aquela de cujos seios mamava. Leve a termo em nós seus dons aquele que não desdenhou assumir também nosso começo, e faça-nos filhos de Deus aquele que por nós quis ser filho do homem.
[1] Salmos LXXXIV, 12.
[2] Salmos CXVII, 24.
[3] São Mateus XI, 25.
[4] Cf. Romanos VIII, 3.
[5] Cf. São Mateus XXII, 1-15; Apocalipse XIX, 7.
[6] Isaías LIII, 8.
Traduzido por Leonardo Brum a partir da versão espanhola de Pío de Luis, OSA, disponível em: [http://www.augustinus.it/spagnolo/discorsi/discorso_237_testo.htm].