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Comentário à Epístola: Colossenses III, 12-17

Santo Tomás de Aquino

Lição 3: Colossenses 3,12-17

Lança os Colossenses ao exercício das virtudes, em especial a mútua caridade.

12 Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade;

13 Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também.

14 E, sobretudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição.

15 E a paz de Deus, para a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos corações; e sede agradecidos.

16 A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda a sabedoria, ensinando-vos e admoestando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando ao Senhor com graça em vosso coração.

17 E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.

Nas duas lições anteriores, o apóstolo induziu os fiéis a evitar o mal. Aqui, os induz a praticar o bem, primeiro em obras de virtudes particulares, depois em obras de virtudes preponderantes e que levam as almas à perfeição; recorda-lhes sua condição e acrescenta um catálogo de virtudes. Disse, pois: se os haveis vestido do homem novo, deveis revestir suas partes, a saber, as virtudes. “Deixemos, pois, as obras das trevas e revistamo-nos das obras da luz”, que no-las vistamos efetivamente quando as aparências exteriores denotarem, em nós, tais virtudes. Mas, de quais virtudes? Porque de um modo se vestem os militares; de outro, os sacerdotes. Então, “como eleitos de Deus, santos e amados”, revesti-vos do que mais condiz com vossa condição. Cada palavra, aqui, tem sua tônica: “eleitos” indica a remoção do mal, enquanto “santos” aponta para o dom da graça. “Fostes lavados, fostes santificados”; “amados” concernem à preparação para a glória futura. “Amou-os até o fim” significa a vida eterna mesma, em sua essência. Descreve, ainda, tais vestes que nos protegem tanto em tempo de adversidade, quanto de prosperidade. Em tempos de prosperidade, temos como obrigação, sobretudo, a misericórdia com o próximo. Por isso, disse o apóstolo: “entranhas de misericórdia”, que emana do afeto. Por conseguinte, deve-se ter benignidade para com todos, que se assemelha a “boa ignidade”, advindo de ignição, de uma impetuosidade ardente, vivaz, estrênua. O fogo (ignis) derrete o que é gélido e o faz correr. Se tiveres esse bom fogo, o que em ti houver de empedernido derreterá e se dissolverá, fluirá; essa é, essencialmente, a obra do Espírito Santo. Deves, também, ser humilde de coração, e tanto mais à medida que já o seja; e por fora, deves guardar a modéstia, que cobre-se para não perder-se na prosperidade.

Na adversidade, por sua vez, deve-se valer de outra arma, a saber, a paciência, cujo papel é impedir que a alma se afaste do amor de Deus e do caminho reto da justiça. “Mediante vossa paciência salvareis vossas almas”. Mas ocasionalmente ocorre que alguns, embora possuindo-a e não se desviando do caminho da justiça, não podem suportar a má índole dos seus próximos. Por isso, disse o apóstolo: “Tolerando uns aos outros”, como Ló – que fugiu de Sodoma e Gomorra – “entre pessoas que, diariamente e sem cessar, atormentavam sua alma pura com obras deploráveis (II Pedro 2,8); “e assim, nós, como mais fortes na fé, devemos suportar as fraquezas dos menos firmes” (Romanos 15,1). Do mesmo modo, o perdão: “perdoamos mutuamente” (II Coríntios 2). Perdoa a ofensa o que não guarda rancor, nem busca o mal do próximo; mas se for necessário castigar, terá então de valer-se do flagelo. E explica a razão: “assim como o Senhor te perdoou”. “Um homem guarda rancor de outro homem e pede saúde a Deus?” (Eclesiástico 28,3 Mateus 18).

O apóstolo os induz, então, às virtudes preponderantes que dão unidade às demais, dizendo: “mas sobretudo”. A virtude que resplandece e reina sobre todas é a caridade; enquanto que, entre os dons, se sobressai a sabedoria. Esta dirige todas as demais virtudes, à medida que aquela as confere uma forma. Com isso, exorta-os a primeiro praticar a caridade e gozar de seus efeitos. Diz, pois: “sobretudo, revesti-vos de caridade; “sobretudo”, isto é, mais que tudo, uma vez que é o fim de todas as virtudes (I Timóteo 1), e sem ela, nenhuma possui valor, como a túnica sem costura. Complementa mostrando a razão para tê-la: porque “é como um elo”. De acordo com o Glossário, todas as virtudes dão ao homem a sua perfeição, mas a caridade as liga e as mantém no mesmo estado, e é por isso que é chamada de vínculo. Ainda, por sua natureza é um elo porque é amor, que une o amante ao amado (Oséias 11). E conclui “de perfeição”, pois algo unido a seu objetivo final, ou seja, a Deus, alcançou sua perfeição; e isto é feito pela caridade.

Em seguida, admoesta-os a praticar a caridade dizendo: “e a paz”; e introduzindo, entre as linhas, o terceiro ato, a alegria, explicita os outros dois, a paz e a gratidão. Ele diz: “e a paz de Cristo”. Da caridade, se origina imediatamente a paz, que é, segundo Santo Agostinho, a tranquilidade em ordem, estabelecida para si por Deus, e isso é feito pela caridade; quem quer que ame outrem, tem como ele a mesma vontade. “Gozam de muita paz os que amam tua lei, Senhor” (Salmo 118) – “Regozije-se”, pois a consequência da caridade é a alegria, que é seguida da paz. “Os que se ocupam da paz, se banharão em alegria” (Provérbios 12,20). Mas paz, aqui, não é a do mundo; esta, Deus não veio trazer. É, antes, a paz de Cristo, que Ele fez entre Deus e o homem (Marcos 9); a que se anunciou: “a paz seja convosco” (Lucas 24), que deveis ter porque “para isto Deus vos chamou”, para viver em paz. E acrescenta isto: “em um só corpo”, ou seja, para que formeis um só corpo. O outro desdobramento é que sejais agradecidos, por isso segue: “e sedes gratos”, “pois a esperança do ingrato, como a geada do inverno, derreterá e desaparecerá como água perdida” (Sabedoria 16,29).

Depois, dizendo: “a palavra de Cristo”, exorta-os a serem sábios e lhes ensina a origem e o uso da sabedoria, porque, para tê-la de fato, é necessário compreender sua origem. Por isso, diz: “a palavra de Cristo”; “o Verbo de Deus nas alturas é a fonte de toda sabedoria” (Eclesiástico 1,5). Então, em posse da palavra de Cristo, deveis levá-la adiante: “pois tal deve ser sua sabedoria e sanidade perante todos os povos” (Deuteronômio 4,6); “o qual foi constituído por Deus para nós através da sabedoria” (I Coríntios 1,30). Mas há quem não tenha a palavra e, por conseguinte, a sabedoria; por essa razão, diz o apóstolo: “tenha sua morada”. “Ponha como colar em tua garganta e estampe nas telas do teu coração” (Provérbios 3,3). Alguns se contentam com qualquer migalha da palavra de Cristo, mas o apóstolo quer que a tenhamos transbordando, o que o leva a dizer: “com abundância”. “Deus é capaz de preencher-vos de todo o bem, de sorte que que estejais sempre satisfeitos por ter o suficiente em todas as coisas e livres para praticar toda espécie de boas obras” (II Coríntios 9,8). E segue: “com toda sabedoria”, isto é, deveis estudar para aprender tudo o que diz respeito à sabedoria de Cristo. “Não vos omitais de anunciar e ensinar tudo que vos foi proveitoso” (Atos dos Apóstolos 20,20). Pelo contrário, “como um copo quebrado, assim é o coração do tolo; não pode reter uma única gota de sabedoria” (Eclesiástico 21,17).

A sabedoria é composta por uma tríade que deve estar coadunada para a reger, a saber, a instrução, a devoção e a direção. A instrução, por sua vez, possui dois objetos: ela deve conhecer o verdadeiro e o bom. Como disse ao primeiro: “ensinando-vos”, como se dissesse: tenha vossa morada com tal abundância em vós que, por essa palavra, estejais sempre no fim último de tudo; que “toda escritura inspirada por Deus é própria para ensinar, para convencer e corrigir” (II Timóteo 3,16). E ao segundo, o bom, diz: “e animando-vos uns aos outros”, o que quer dizer exortando-vos às boas obras (II Pedro 1). Quanto ao uso da devoção, diz: “com salmos, com hinos”. Os salmos são indício do bom ânimo, que exulta por suas obras obras. “Louvai o Senhor com vozes jubilosas” (Salmo 148). O hino é um louvor com cânticos – “e cânticos espirituais”, porque em tudo o que fazemos, devemos almejar os bens espirituais, as promessas eternas e a reverência a Deus. Por isso, diz: “nos corações”, e não somente nos lábios: “cantarei salmos com o espírito, mas também com a mente” (I Coríntios 14,15); “este povo me honra com seus lábios, mas seu coração está muito longe de Mim” (Isaías 29).

E acrescenta: “com graça”, a saber, reconhecendo a graça de Cristo e os benefícios de Deus. Os cânticos da Igreja são cantados principalmente com o coração, mas também com a boca, para despertar o coração e para os rudes e simples. Em terceiro lugar, põe o uso da direção, dizendo: “tudo quanto fazeis”, porque é também uma espécie de obra de pregação. Mas ao contrário, isto não é uma mandamento ou conselho; sendo mandamento, peca o que não o cumpre, porém venialmente quando não o cumpre; logo, quem quer que peque venialmente, peca mortalmente. Respondo: alguns dizem que isto é conselho, mas não é verdade. O que se deve dizer é que não é necessário que tudo há de referir-se a Deus atualmente, e sim habitualmente; porque aquele que opera contra a glória de Deus e seus mandamentos, opera contra este preceito; e pecando venialmente, não opera sem mais, simpliciter, contra este preceito, já que se não atualmente, habitualmente tudo se refere a Deus.


Traduzido por Gustavo Quaranta a partir da versão espanhola disponível em <http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/kyu.htm#a2>.

[Abaixo, tem-se o texto da Missa do II Domingo da Quaresma, na qual se lê a Epístola aqui comentada.]