D. Crisóstomo d’Aguiar
Foi S. Gregório Magno que instituiu ou ao menos deu forma definitiva a este ciclo de três semanas (Septuagésima, Sexagésima e Quinquagésima), que preparam as almas dos fiéis para as santas observâncias da Quaresma. É verosímil que as missas dos três Domingos datam do período de S. Gregório, visto que refletem perfeitamente o terror e a tristeza que tinham invadido os ânimos dos romanos, naqueles tempos em que parecia que a peste, a fome, a guerra e os terremotos, queriam arrasar a antiga rainha do mundo. A Igreja põe-nos diante dos olhos, em rápidos quadros, o primeiro despertar da Criação, a destruição do plano divino pelo pecado, a promessa da Redenção; e, sob o império desses pensamentos, deporá com amargura as misérias humanas. Sem receio de os encarar de frente, põe-nos bem a claro os aspectos mais repelentes da nossa decadência e abjeção depois do pecado. Na consideração do que somos à face da fé, quando consideramos tão austeras verdades, dizemos, no nosso abatimento: “De todos os lados me cercaram os gemidos da morte, e me sitiaram amargas dores (Introito), mas suplicamos, cheios de confiança, a Deus “nos liberte, para glória do seu nome” (Oração), e nos dê força nos combates a travar contra os germens do mal que em nós compara a vida cristã aos ginastas do estádio, os quais só mereciam a coroa quando, mercê da agilidade dos seus movimentos, atingiam a meta. O fato de pertencer a Cristo ou a Moisés, recomenda o Apóstolo, não é o que salva. Todos esses dons maravilhosos, maná do deserto, passagem através do Mar Vermelho, incólumes, conseguiram-nos todos os israelitas, e contudo só dois entraram na terra prometida. Não é a casta a que se pertence que assegura um posto privilegiado diante de Deus, mas as boas obras, a luta necessária para nelas viver, a firmeza e a constância no bem. O cristão, com o auxílio de Cristo Salvador, conquanto reconheça a sua absoluta impotência na ordem sobrenatural, lança-se na arena, com o fito de alcançar a meta, e, se porfia, há de atingir, porque isso lhe vem do Alto.
Num paralelo engenhoso, traça-nos a Igreja o programa de vida que devemos seguir na realização do nosso ideal, e duas imagens, de caráter eminentemente popular, e por conseguinte perfeitamente acessíveis à massa do povo cristão, indicam-nos a natureza dessa vida da graça na qual somos chamados a progredir até ao termo. Primeiro, na parábola do Senhor da vinha que chama operários a qualquer hora, em seguida na história do Semeador, cuja sementeira tem fortunas bem diversas, Jesus Cristo descobre-nos dois aspectos fundamentais da nossa vida sobrenatural, pois não só faz entrar cada alma no cumprimento de um plano geral, que vem a ser glorificação do Pai por seu Filho, como, na história do semeador, nos inculca que o crescimento interior das almas no campo espiritual depende das disposições de cada uma, do seu fervor ou da tibieza e indiferença com que procede.
Assim nos aparece a vida cristã grande e humilde ao mesmo tempo, mas sempre rude e difícil, segundo o ensino de S. Paulo (Epístola) e sobretudo conforme o exemplo que o grande Apóstolo nos deixou. Operámini! Esforçai-vos! Não basta sermos batizados; é mister seguir pelo caminho estreito, se se quer chegar à plenitude da vida cristã.
[Segue abaixo texto com o próprio da Missa do Domingo da Septuagésima]