“Baseai-se sempre em alguma equivocação, e por isso é efêmero, o pacto político do exército com partidos extremos e elementos revolucionários”
– Joaquim Nabuco.
Estas palavras de quem foi um dos nossos grandes escritores políticos, da linhagem de que só nos resta a formidável desilusão do sr. Rui Barbosa, devem ser meditadas, muito meditadas mesmo por aqueles dos nossos militares que, atualmente, esquecendo a alta missão moralizadora, disciplinar, que cabe ao Exército, no seio das sociedades que o têm organizado, se fizeram campeões da desordem, da desorganização, do suicídio nacional, pois outra coisa não será, em tal momento, o desrespeito ostensivo da lei que nos rege, máxime se esse desrespeito se faz em nome dos interesses daquela classe a que estava entregue, justamente, a própria guarda da lei, a garantia da sua execução.
Nesta agourenta hora, sobre tão precária base de princípios morais, agita-se toda a sociedade ocidental que não há confiar da fortaleza política de povo algum, se se aventuram as suas classes mais responsáveis, dentro, no domínio dos debates a mão armada.
E não há invocar os resultados da revolução republicana, já lá se vão trinta e dois anos… Primeiramente, não há muito que louvar em tais resultados, e não se pode comparar a inquietação social, que a grande guerra nos legou, com a que já se fazia sentir nos dias em que o Brasil ainda não tinha, aliás, inaugurado essa tão larga política emigratória, capaz de levar às mais baixas camadas da nossa sociedade as perigosas ilusões, as sombrias apóstrofes do drama europeu.
E não esquecer: mesmo quem dedique muito pouca simpatia à memória daqueles ridículos positivoides e daqueles não menos ridículos declamadores que derrubaram, no Brasil, a Monarquia, e, com ela, o que havia de mais generoso, de mais nobre, da nossa cultura política, tem que reconhecer que eles tiveram razão ou, pelo menos, não fizeram, de modo algum, uma revolução e, sim, levaram à prática uma teoria, que tinha por si, há muito tempo, aquele em que se encerrava a suprema autoridade do sistema monárquico. É da essência de toda a ideia a tendência a transformar-se em ação, e do Marco Aurélio mirim, que se apresentava a tremer na casa de Hugo e vivia a imaginar comendas para o adorável Renan, sendo chefe de um Estado em que a religião católica era oficial, bem se pode dizer que foi um doutrinado na revolução, que foi um revolucionário contra o trono em que assentava, o único que realmente o foi naquela pantomima dos últimos anos do Império e de que resultou a República.
Não foi ele próprio quem consentiu, senão aplaudiu, que se levasse ao seio do próprio Exército o veneno de uma doutrinação de todo oposta aos interesses da Monarquia? Não foi ele quem viu impassivamente desenvolver-se a infernal pedagogia criadora do soldado sem Deus, inimigo da Cruz, inimigo, portanto, das mais sagradas tradições da sua pátria?
Ora, que merecia um tal rei, que merecia esse trono de onde fingia de sábio? O que lhes coube, já se vê, aquela quase cômica ordem de despejo, da parte de uns poucos que também fingiram de nação…
Quem quiser ponha de lado o sentimentalismo, e juro que pensará como eu.
Mas outra já é, felizmente, a situação do Brasil, e outra há de ser a atitude do Exército, se a sua missão entre nós é alguma coisa mais nobilitante que a de simples propulsor de baixa instintividade, que a de simples destruidor, a prazo curto, do tênue aranhol da nossa sensibilidade conservadora.
Porque “verdade verdadeiramente verdadeira”, como diria o autor da “Peregrinação”, é que, se não há muito que louvar na República, pelo menos, não se lhe pode negar que, passada a febre jacobina, irreligiosa, dos seus primeiros dias, veio adaptando-se às nossas necessidades, e corrigindo, pela própria moderação do seu espírito prático, o que, nas suas leis, há de hostil à consciência nacional, encaminhando-se, sem maior pressa nem maior desassossego, para um estado de coisas de que resultará a revisão constitucional como pura cópia do que o costume sabiamente já opôs à lei escrita.
De que modo assim se justificaria uma revolução que viesse perturbar esta ascendente normalização do regime republicano?
Pelo contrário: um único movimento fora justificável na vida política do país, neste momento, e seria aquele de repressão, de castigo ao que nos resta de professores de anarquia, aos turbulentos, fardados ou não, generais ou cabeleireiros, coronéis ou foliculários, grandes ou pequeninos.
Este é o ponto de vista de quem não confunde o carnaval da Avenida com a vida política da nacionalidade, ou as ambições do sr. Silvado, do sr. Barbedo ou de qualquer outro pretendente “raté” a pastas ministeriais, com a dignidade das classes armadas.
No longo, no estafante debate travado em derredor da ameça à ordem civil, se a serena coragem do sr. Epitácio fez diluir-se a audácia dos anarquistas, uma coisa também a estes se contrapôs, ainda mais louvável e que por si só é garantia de paz, e força com que se renove, no ânimo da nação, o orgulho do seu Exército, daqueles a quem confiou a guarda das suas fronteiras: a palavra de homens como o sr. general Tasso Fragoso, encarnação da honra e da cultura da sua classe.
E – eis o porquê do título do artigo – e ainda é maior a segurança da ordem civil, ainda maior a confiança, que nos deve merecer o Exército. A benção das espadas este ano, como nos anos anteriores, tem significação bem mais elevada do que podem apreender empresários de farsas patrióticas. Corresponde às nossas esperanças, assim como representa uma formidável barreira a tudo quanto queria fazer do Brasil cenário de ilegalidade e de desordens.
Um Exército, em que se vão renovando de modo tão intenso, o sentimento cristão, um Exército, em que se refaz a consciência católica, já não pode mais ser um bando de gente armada, sobressaltada, inquieta, facilmente exaltada ao primeiro grito de revolta.
O católico é, caracteristicamente, um antirrevolucionário, tem por dever indiscutível o respeito da autoridade constituída, revista-a seja quem for.
Só a mais crassa ignorância apontará a um católico, como caminho de salvação, o desrespeito da lei, e aquele que, ao empunharem uma espada, quiseram, primeiro, que a abençoasse um legítimo representante de Jesus Cristo, uma autoridade da Santa Igreja Católica, fonte de todo o progresso moral, “templo da definição dos deveres”, se o fizeram consciente do que faziam, jamais dela se servirão contra a lei ou contra àqueles a quem ela emprestou a sua majestade. E uma gente como essa é invencível garantia da ordem, pois, como dizia Veuillot, “a fé é mais forte que as armas, mais forte que o fato consumado, mais forte do que o tempo. Não há arma nem tempo que possa matar o que ressuscita”.
Fez-se pena ler as mesquinhas insinuações de um vespertino àqueles moços militares, que deram público e tão solene testemunho de sua fé católica. Pena, é claro, de quem as escreveu, mostrando assim desconhecer os princípios mesmos desta Igreja, a cuja sombra se constituiu a sociedade brasileira. Mas não há de ser o único digno de lástima. E esquecê-los será um consolo, mas ainda maior o de imaginar que aqueles moços militares são a fiel representação do Brasil, que positivamente se recristianiza, no escol dos seus filhos. Deus é por nós.
Para quem sabe o que é ser católico é mais que convicção, é certeza que aqueles jovens oficiais nem precisam ler as palavras de Joaquim Nabuco para terem em horror revoluções e revolucionários. Outras, vindas de mais alto, falando-lhes de mais altos interesses, já eles trazem gravadas no coração… As que citei do grande brasileiro, aí ficam como aviso somente à consciência daqueles, de outras gerações mais estragadas pelo veneno demagógico.
Jackson de Figueiredo,
22 de Janeiro de 1922.