Há dias tive a ocasião de dizer, francamente, por estas mesmas colunas, que, dos dois candidatos à presidência da República, ouvidos pelo jornal “A União”, só o Sr. Bernardes poderia merecer a simpatia e o apoio dos católicos. Firmara a minha convicção neste sentido com a mesma que fizera das entrevistas concedidas pelos dois políticos rivais. Nelas, o Sr. Bernardes diz que é católico e demonstra que sabe bem o que é ser católico; o Sr. Nilo também diz que é, mas, de dubiedade em dubiedade, chega até ao cúmulo de confundir a religião da maioria dos seus patrícios com as diversas seitas que aqui, como em toda a parte, são elementos perturbadores da civilização cristã. Ora, o que poderia ser obra de pura ignorância, muito perdoável, da parte de um homem que teve, e talvez tenha ainda, papel muito importante numa das mais ativas seitas, que combatem a Igreja, sob todos os disfarces, poderá ser também, obra de pura perfídia, digna de cautela.
O que não posso negar é que, tendo dito, com tanta franqueza, o que pensava em relação à coisa de tanta gravidade como esta da escolha de um chefe da nação, fui de encontro aos hábitos mentais de grande parte dos que estão comigo em comunhão de fé. Tive respostas pouco edificantes, como a daqueles que temem que por qualquer motivo se provoque uma questão religiosa no Brasil. São estes mais prudentes que o sábio, o que quer dizer que são ridiculamente prudentes e até cegos pelo temor. Não é possível provocar uma questão religiosa onde ela já de fato existe para todo homem coerente, não só com os princípios católicos, mas até com os princípios de uma verdadeira democracia. É evidente que tais princípios só teriam sido respeitados, entre nós, se no caso do ensino, por exemplo, não tivesse o governo nenhuma ingerência e desse ampla liberdade, ou se atendesse às convicções religiosas da maioria absoluta dos seus governados. A chamada neutralidade só seria neutralidade real se não dirigisse escolas em que domina o indiferentismo religioso, mais repugnante ao espírito do verdadeiro crente que o ensino religioso de doutrina que se lhe opõe. “A questão é sempre saber – como diz Veuillot – se o home deve nascer, viver, unir-se e morrer, deve transmitir e deixar a vida como criatura de Deus, a Deus destinada, ou como larva aperfeiçoada, unicamente originária das fermentações terrestres”.
Assim, está mesmo em nossa magna carta a questão religiosa por excelência, e só a covardia fará com que nós católicos, maioria absoluta da nação, temamos pugnar pela reforma da nossa constituição, quando não seja para que estatua a nosso favor este ou aquele privilégio, pelo menos, para que não sejamos os mais combatidos pelo seu indiferentismo religioso.
Mas – escreve-me alguém, a quem devo toda consideração – “se quer como católico, tomar atitude na política nacional, a primeira obrigação será bater-se pela criação de um partido católico; só assim teremos orientação segura, saberemos quem merece o nosso apoio”.
Em tese, não estou longe de pensar como meu distinto amigo; dou, porém, ao meu pensamento um complemento de autoridade, que parece faltar ao seu. O católico se distingue no mundo, justamente porque, do ponto de vista religioso, reconhece autoridades, no sentido mais rigoroso da palavra. Os chefes da Igreja são os seus bispos, e não nós pensadores, escritores, jornalistas, políticos, por mais autoridade que nos dê a firmeza da nossa crença ou a ilustração da nossa fé.
Ora, o episcopado brasileiro, pelo menos, a sua maioria absoluta, jamais achou necessário, dentro do período republicano, a criação de um partido católico, nem mesmo deixou ver que teria o seu apoio um movimento neste sentido.
E serão argumentos sem valor mesmo de um ponto de vista puramente humano aqueles com que contraria as aspirações de um ou outro dos mais exaltados, entre nós? Vejamos.
Dizem os nossos bispos que o criador de um partido católico, num país em que não existe partido anti-católico, seria “ipso facto” o criador deste também.
Que responder a um argumento assim tão claro e agudo, que quase que se nos impõe com força de evidência?
Dizem eles que, ao católico, o só rigoroso cumprimento dos seus deveres de estado, bastaria para que, no Brasil, tornasse impossível qualquer política de perseguição às suas crenças.
De fato, a nós católicos, se pode dizer o mesmo que se deve dizer ao Exército Nacional: não é preciso que se constitua um partido e use mesmo das armas que lhe foram confiadas, para que exerça papel importante na vida política do país.
Se cada oficial cumprir rigorosamente o seu dever de soldado-cidadão, só apoiando os que julguem mais dignos de confiança é lógico que o Exército se fará fator importante na seleção dos que nos venham a governar.
Dir-se-á, porém, que o indivíduo entregue, nestes domínios, exclusivamente à sua própria consciência individual, será como uma negação do católico, daquele que em qualquer terreno, que se ofereça à sua atividade, deve apresentar-se sempre como um homem que reconhece os benefícios da autoridade, do seu legítimo conselho, da sua mais segura orientação.
Mas que nos ensina o Catecismo, que ouvimos todos os dias dos nossos pastores? Que amemos Deus acima de todas as coisas. Basta um tal mandamento para que saibamos que só nos merece confiança aquele que é francamente amigo de Deus e da sua religião.
Todo o nosso código de moral política está aí resumido.
Só uma objeção ousaria contrapor, em teoria, a opinião geral dos nossos bispos. Não haverá, de fato, organizado, no Brasil, o pior dos partidos contra a religião, o partido do indiferentismo religioso, que é como que o laço de união de todos os grupinhos que corveja sobre a nossa pátria? A um tal ceticismo, não seria obra digna de católicos opor forças organizadas pela fé?
Eis o que deixo ficar sem resposta. Responda o meu distinto amigo como quiser. Lembre-se, entretanto, que o católico é como disse, o crente para quem a autoridade religiosa não é um vão fantasma, e que os bispos, a que estamos confiados, devem conhecer melhor do que nós as necessidades da Igreja, não só pelas suas luzes naturais, em relação mais direta com essas mesmas necessidades, como também pelas graças especiais do seu estado de condutores de povos, confirmados na fé apostólica.
Jackson de Figueiredo, 4 de agosto de 1921.