Há poucos dias procurou-me uma das figuras mais representativas do velho idealismo republicano em nosso país, notável, das mais notáveis entre as dos seguidores das doutrinas de Augusto Comte.
Caráter dotado de indomável energia, foi sempre o que se pode chamar um extremado, e creio que ninguém mais do que esse homem acreditou na vitória das ideias comtistas. E é por isto que a nossa última conversação vale bem ficar assim registrada numa página de jornal, como exemplo, já não digo para carcomidos pelo ceticismo e a imoralidade, mas para as novas gerações, que aí estão prestes a dominar a nossa vida social e política.
Coração de fortíssima têmpera, esse meu amigo pode servir mesmo de exemplo aos nossos moços, maximé agora, que rejuvenesce ao contato de fé mais pura. Diante desta, as desilusões que teve nada são. “Le fini s’anéantit em présence de l’infini, et devient un pur néant”.
Mas porque falo assim? Vejamos: falou-me aquele amigo de seu novo estado de espírito. A fé católica parecia ter-se acendido em sua alma. Não sabia mesmo onde estava, mas bem sentia que estava próxima da Cruz, nos batentes seculares do grande Templo, a que Charles Maurras, também como ele alimentado pela doutrinação positivista, chamou de “Templo da definição dos deveres”, e toda a sua inteligência e todo o seu coração o levavam a curvar-se ante o vulto majestoso da Igreja Católica, Apostólica, Romana, Mãe da Civilização indestrutível e único amparo das consciências, último refúgio da dignidade do espírito sobre a terra.
Eu ouvia quase silencioso, tomado do mais profundo respeito por aquele soberbo lutador que confessava o seu amor da verdade, por assim dizer já conquistada, ao fim de quantas lutas, de quantas vaidades vencidas, de quantas íntimas amarguras, desilusões, derrotas, e vitórias que jamais o contentaram.
Foi com a viva eloquência com que sempre feriu os altos problemas da vida nacional, que me expôs o que é, a seu ver, a “nova prova” do caráter divino da Igreja Católica.
Que é que se vê no mundo, de um século a esta parte? A desordem em todos os domínios da vida política, a autoridade mantida somente pela ponta das baionetas e a voz das armas de fogo.
E quando a grande guerra explodiu, como uma cratera do inferno, aberta na terra, tudo enfim pareceu abalado até os fundamentos, e é certo que, na vida dos povos ocidentais, não há hoje sombra de autoridade que não esteja ameaçada de desaparecer, como se estivéssemos entrando um tremendo crepúsculo da civilização, e o sol das nossas mais gloriosas conquistas espirituais a afundar-se num mar de sangue, de ódios e incertezas.
Mas ― dizia ― não está de tudo perdida a humanidade, a civilização. A tudo tem resistido a Igreja Católica e ― vede ― em meio mesmo das trevas deste momento, ela esplende, ela parece ainda mais grandiosa, mais segura de si mesma, mais forte e mais bela ― como se o perigo, a tormenta, as ameaças lhe dessem nova vida, renovado ânimo, alento novo.
Sim: a Igreja Católica é o único refúgio da inteligência que ama a verdadeira luz e não as falsas luminárias, que nos iam arrastando a um insondável abismo. Ela salvará, mais uma vez, a civilização ameaçada pela imoralidade e a loucura orgulhosa do filosofismo individualista, paganizante, inimigo da Cruz, do Redentor. Ela há de vencer o orgulho dos novos bárbaros e o ceticismo dos novos decadentes do mundo ocidental.
Eis mais ou menos o que lhe ouvi, dito com mais eloquência e clareza. Quando me dará ele licença para citar-lhe o nome glorioso, fazendo assim que o seu exemplo mais vivamente resplandeça aos olhos das novas gerações?
E elas devem atentar bem no seguinte: se fosse único o caso desse homem não seria pouco impressionante nem débil a sua força demonstrativa de que a Igreja Católica é, de fato, a única esperança do homem de espírito nos dias amargos que vamos vivendo. A verdade é, porém, que esse homem nada mais é que uma unidade da imensa multidão, que a verdadeira fé vai reconquistando, ordenando, arrancando ao turbilhão dos povos ocidentais, envenenados, satanizados pela reforma protestante e a filosofia imoral dos enciclopedistas. Os números aí estão com a sua força, valendo bem mais que o ódio impotente dos que se lhe opõem ― a essa verdadeira fé, que nos herdou Jesus Cristo.
Eis aqui, segundo Stradelli, alguns dados sobre as vitórias da Igreja Católica no século passado, e eles dizem bem alto do mesquinho valor das seitas que a combatem todas as vezes que o Estado não toma a si protegê-las a ferro e fogo contra as falanges indomáveis de Pedro:
Inglaterra ― (sem contar a Irlanda) ― tinha, em 1800: 120.000 católicos; em 1900: 2.180.000.
Alemanha ― em 1800: 6 milhões; em 1900: 20.321.441.
Holanda ― 300.000; 1.822.000.
Estados Unidos ― 40.000; 22.587.079.
Canadá ― 160.000; 2.250.000.
Austrália ― 0; 1.600.000.
Que valem discussões diante de dados tais?
Dizia Alfred Roussel com muita razão que a Igreja Católica só tem a temer dos que não a conhecem. Ora, se os que cegamente a combatem têm hoje armas mais poderosas, estas estão também nas mãos dos católicos. E o livro e o jornal, que são estas armas, hão de trazer o mundo, no que ele ainda tem de inquieto, perdido, desgarrado, ao seio da Igreja, a regeneradora, por excelência, a redentora dos povos. É uma questão de tempo e a Igreja é eterna.
Jackson de Figueiredo
O Jornal, 27 de outubro de 1921.