Ernesto Zyronsky descreve a paisagem interior de Sully Prud’homme, a que, à luz crepuscular ora empresta à tristeza as cores da esperança, ora veste a esperança das sombras do desespero. No céu, quatro estrelas tremeluzem, irradiam, estremecem, ardem sombriamente: Lucrecio, Marco Aurélio, Pascal e Alfredo Vigny.
Sully Prud homme traduz bem a inquietação de todos esses gênios, em face da desgraça e do dever.
Na escala da dor Lucrécio é a nota mais baixa, mais terrível, mais desmoralizadora. Sua poesia foi a expressão mais vigorosa “deste abaixamento das almas, erguido em sistema, tanto mais perigoso quanto a rudeza mesmo da forma lhe empresta mais energia e cor, e que a frieza do materialismo epicurista se rejuvenesce e se acalora aos raios de um verdadeiro gênio”.
Nela se revolve a angústia mais deprimente e tem razão Eugênio Talbot quando diz que ela merece a reprimenda de Plutarcho ao próprio Epicuro: “A natureza humana é degradada, desde que escapar ao mal é o soberano bem”.
Sully Prud’ homme conheceu assim a tentação hedonística, a pior das misérias, a que nos fala da felicidade e só da felicidade.
“Em que trevas, em que perigos só passam os curtos momentos da vida!”
Marco Aurélio vem depois. É o dever que se revela a si mesmo, mas atônito, indeciso ante as leis que o regem. Vale-se, porém, de todo o orgulho de que é capaz a natureza humana. O homem, deste modo, caminha firme mas desconhece aonde o leva a estrada da vida. Pascal pode dizer que Epicteto, mestre de Marco Aurélio, foi o filósofo pagão que melhor conheceu a natureza dos nossos deveres, mas desconhecendo a fraqueza da nossa natureza. Marco Aurélio foi, de fato, um exemplo vitorioso deste orgulho, e o que Sully Prud’homme deve ter sofrido de arrastar consigo o mesmo indomável orgulho! Ele sabia que Marco Aurélio não parece sorrir na sua melancolia, se foi somente melancolia aquela tensão de espírito, sentindo-se rodeado de abismos , e alimentando-se tão só das suas forças, sem compreender o porquê do sofrimento, sofrendo sempre, sem mais esperanças do que a de cair de vez, se soltar um gemido.
“Quanto a mim, falta-me a luz”, foram as últimas palavras daquele em que morreu a última nobreza do mundo pagão. Sully Prud’homme amava a beleza: não podia deixar de amá-la no trágico daquela soberana atitude de desgraçado.
Alfredo Vigny foi o seu Pascal das horas mais sombrias. A influência do Pascal no Vigny fora tão profunda quanto desoladora. Vigny não avistou nunca as lágrimas de Jesus nos olhos de Pascal. Só pode ler naqueles grandes olhos assombrados a visão de Moisés, insultado, ditando as leis de Deus ao homem decaído… Não via mesmo esse Deus que assim protegia o homem. Via o esforço da inteligência e, em derredor, o sombrio “sabbat” das ambições mais infames, dos vícios mais degradantes, a estupidez e a cegueira dos homens.
Como expressão que fora do mais alto descontentamento, o que subentende uma infinita nostalgia da Perfeição, como expressão aristocrática do sofrimento, a poesia de Vigny não podia deixar de influir no espírito de Sully Prud’homme. Este, foi, porém, mais humano e, compreende-se que o fosse, quando se sabe que Pascal foi o maior patrono do seu tormento, o companheiro da sua longa e sistemática vigília. Consciente da miséria do gênero humano, certo do grande mal que expiamos. Pascal não matava de todo a esperança; e, ao nobre esforço do homem, se bem que o reduzisse também a uma nobre miséria, não respondia fechando as portas da vida. Cria em Deus, cria no infinito amor de Jesus Cristo, cria na força indomável da graça e confiava que a nossa infinita miséria acudiria sempre aquele poder de santificação que resplandecera no Calvário, do alto da Cruz, infinitamente mais infinito em força de amor, do que a nossa miséria em si mesma.
Crer nisto, segurar-se a esta coluna, evitar o naufrágio sobre este retalho da velha nau, foi sente-se desde as “Stances et Poemes”, com esforço constante de Sully Prud’homme.
Ernesto Zyronsky melhor do que eu poderá falar aqui do que foi essa terrível intimidade entre os dois gênios franceses que mais longe levaram o espírito da dúvida, não da dúvida leviana, eminentemente imoral, mas o da grande dúvida, a dúvida criadora, aquela que é, na realidade, como que a verdadeira fé crucificada naquela “aridez” de que fazem os místicos a maior prova a que Deus submete os seus eleitos.
Pascal e Sully Prud’homme vão, no decurso da vida deste último como “dois companheiros que se consultam sobre os altos problemas da vida”.
Assim, dis Ernesto Zyronsky que só pode dizer que o poeta das “E”preuves “a véeu ló front penehe sur 1° exemplaire de Pascal”.
“Este livro negro cortado de relâmpagos há, a uma vez, espantado e acalmado a sua alma ansiosa. Ele sentiu a profundez do ceticismo de Pascal que derruba os apoios da razão, armas da incredulidade, e apenas respeita as intuições do coração que são as luzes da fé. Sentiu a esperança do pessimismo de pascal que achincalha a moral humana, a justiça humana, todas as instituições sociais. Ouviu o ruído de tempestade e de queda que são daquele livro espantoso que não deixa de pé senão o edifício da fé, de sorte que se a fé nos falta, nada ais vemos em derredor além das ruínas acumuladas pelo desdém desse gênio, o mais sombrio que já existiu. Ele sentiu enfim a alma de Pascal, o poder desta alma na sua ânsia de unidade e de absoluto, a angústia desta alma que vê em todas as formas da vida, oposições formidáveis. Compreendeu que Pascal não encontra a paz senão nos momentos em que vê Deus, porque a embriaguez mística é o único apaziguamento ao seu espanto diante de tantos contrastes na natureza e na alma dos homens”.
Jackson de Figueiredo, 1920.