Jackson de Figueiredo
Da excursão que fiz a Mato Grosso, ao lado de Afonso Pena Júnior, trago dois grandes proveitos, isto é, trago duas grandes impressões morais consoladoras, mais fundas e nítidas que as de pura estesia ante à majestade da paisagem.
A primeira delas é a seguinte:
Mato Grosso não é mais, absolutamente, a terra de ninguém, ou o pasto de estrangeiros desgovernados, espécie de imensa região de fronteira em que a lei era a do mais forte. Pelo contrário. Não me refiro só aos seus velhos núcleos de população, de história política tão viva e tão séria como talvez não a conhecessem muitos outros no Brasil. Refiro-me, sobretudo, àquele enorme trecho de terra dominado pela Noroeste, do qual, ainda os mais bem informados fazem uma ideia muito vaga e indefinida. Pois é nele que, ao observador imparcial, o que logo impressiona é a fisionomia de intensa brasilidade, de sã e nobre brasilidade. O mineiro e o paulista já lá estão dominando, pelo número, os elementos irrequietos que as revoluções do sul ilharam ali primeiramente. E o resultado é que as qualidades essenciais do caráter das gentes do bloco central brasileiro vão ali firmando também o seu império de ordem e patriotismo que, nas novas gerações, nas gerações já filhas da terra enobrecida pelo trabalho, se externa numa feição mais acentuada de independência, de sadio autonomismo, de civismo empreendedor e destemeroso. É o que imediatamente revela um simples contato com a gente moça, com aquela gente que, não faz muito tempo, ali defendeu a unidade brasileira e, ainda agora, passada a luta, é com orgulho que se refere ao movimento de repulsa com que expulsou de suas fronteiras os que tentavam dividir o país. Ora, este fato fala bem alto do que poderia ser o Brasil, guiado por homens sérios e de mentalidade perfeitamente harmonizada com o nosso meio: estaria assegurada a nossa unidade que, de todos os bens a zelar, deve ser o primeiro.
As ilusões de um constitucionalismo de letra de forma, nada valem a um povo que precisa fortalecer esta unidade essencial, e é isto que o Brasil precisa fortalecer. Mato Grosso dá, pois, a impressão de que tem sido governado pela honestidade e pelo bom senso, e justo no momento em que só forças como estas poderiam valer-lhe contra as perturbações inevitáveis da sua invasão pelas primeiras correntes imigratórias.
É lítico, portanto, esperar alguma coisa de bom do Brasil. Tudo depende de um movimento de bom senso, e de uma aplicação honesta das vantagens que a autoridade conquistar com esse movimento.
A outra impressão, ou melhor, o outro proveito que me ficou desta viagem, é como que uma consequência da primeira. Afonso Pena Júnior ir ali apreciar a obra patriótica a que seu pai dera algumas das melhores energias do coração e da consciência. Pois bem: viu mais que os benefícios materiais que aquela obra espalhou. A Noroeste é, de fato, neste momento, só por si, como que uma afirmação da continuidade nacional, traço único, mas potente, do que somos, levado até os limites do nosso ser. Esse traço alcança o próprio mundo moral. Em toda a extensão da grande via férrea, Afonso Pena pôde, duplamente comovido, como filho, mas também como homem de governo, ver que em parte alguma fora esquecido o nome do homem de governo que soube fazer o bem, que soube amar e beneficiar. Não há também neste fato uma razão a mais de esperança?
Não se pode esperar ainda alguma coisa deste pobre país?
O povo aí está, bom e ordeiro. Ama quem lhe faz o bem, venera a memória dos seus bem feitores. Em toda a parte, nunca o povo se elevou mais que a estas manifestações de memória afetiva.
Nada mais há, pois, a fazer que livrar este povo, o nosso povo, das garras do metequismo revolucionário, dos liberalismos e encomenda, dos banditismos do dinheiro.
O mais já está feito ou tudo se contém nas sementes da mesma fé, da mesma espiritualidade, que a Igreja tem espalhado por toda a terra brasileira. E é o que também se pode ver naquelas regiões tão afastadas destas, onde a Igreja luta, corpo a corpo, por assim dizer, com todos os demonismos da plutocracia antinacional. A Cruz de Jesus Cristo domina todos os pousos do homem. Não há vila, não há aldeia, não há cidade em que se não divise esse sinal da nossa unidade espiritual.
E não foram poucas as vezes que o luminoso espírito de Afonso Pena me fez atentar naqueles testemunhos da nossa vitalidade.
O amigo querido, não ma atestava menos, com a sua própria alma de homem de ação, de pensador e de artista, ali transfigurada no entusiasmo do seu patriotismo.
E esse luminoso espírito sabe, como ninguém, transfundi-lo aos que o ouvem, ou uni-los a todos estes, no mesmo círculo de luz, em que se move.
É por isso que de Afonso Pena Júnior há que dizer-se sempre “espírito” e não só “inteligência”, pois nele a fusão desta com o coração faz com que seja a sua cultura uma como configuração do caráter, isto é, uma apreensão do mundo externo pelas suas energias morais.
Ele é um dos poucos homens bons a quem tenho amado neste país e assim o digo porque raro tenho — já não digo amado — mas suportado mesmo os demais, que por aí me apontam, a boiar neste caldo podre de judaísmo, de metequismo, de falsa cultura… A bondade entre nós quase nunca é outra coisa senão a parvoíce dos parvos ou a ruindade covarde dos mais ruins, que são justamente os covardes. Afonso Pena é dos raros homens de bem a quem a política não roubou o direito de apontar aos pessimistas, como eu, alguns motivos de esperança.
Gazeta de Notícias, 10 de março de 1926