Jackson de Figueiredo
Nunca me aproximei do velho almirante Alexandrino de Alencar, e é um fato que há em mim prevenção quase invencível em relação aos fundadores desta triste República de conservadores covardes, que o são logo após terem falido como revolucionários carnavalescos.
Mas, ante o velho almirante, confesso que nunca pude manter, com firmeza, esta atitude de reserva.
Em primeiro lugar, se já houve uma revolução, no Brasil, com visos de seriedade e defesa de princípios, foi, realmente, aquela em que ele se empenhara e, com ele, a flor do nosso mal-aventurado idealismo democrático. Devemos, todos nós, brasileiros, dar graças a Deus pela vitória de Floriano, o péssimo, o rui soldado, vesgo sempre e incertíssimo em todas as suas relações políticas, mas a quem coube a glória de salvar o princípio da autoridade que, naquele, como em outro qualquer momento, era o que havia de mais alto a defender e zelar, mais que a outro qualquer princípio, pois de nenhum depende tanto a íntima segurança da unidade nacional.
Mas isso não nos impede de ver claro a fisionomia moral dos homens que então combateram o Marechal de Ferro. Eles representavam um mal orientado surto de cavalheirismo, como nunca mais ressaltou de toda a atividade revolucionária em nosso país. E tanto foi assim que Alexandrino de Alencar, personificação da bravura durante a luta, veio a personificar a inteligência desde que a sorte das armas foi adversa àquele movimento, o mais bem organizado que já partiu dos nossos constitucionalistas de armas na mão.
Desde então, pôde-se dizer que aquele homem encarnou, do modo mais brilhante, todas as nobres aspirações das nossas classes armadas, organização e eficiência, disciplina e vontade firme ante às irrupções de rebeldia.
Tendo no seu passado aquele erro de entusiasmo, era fatal que ao seu nome se fossem ligando as sinistras lendas da permanente ebulição revolucionária em que vive este país, republicanizado como poucos.
A tudo, porém, à calúnia como às próprias tentações da indignação e da bravura, resistiu o admirável marinheiro, que deveria, quase ao fim da vida, demonstrar, ainda mais que outro qualquer soldado do Brasil contemporâneo, que, neste ainda há inúmeras reservas de saúde moral, de espírito de sacrifício e amor da causa pública.
Mas falemos franco: o que mais prendia a Alexandrino de Alencar era a sua mesma figura física, que se impunha, de modo verdadeiramente impressionante, como representação de uma eterna mocidade de alma, que só os privilegiados do caráter, só os verdadeiros soldados, de Deus ou da Pátria, têm e conservam. Mocidade de alma que não diminui nenhuma das virtudes majestáticas da velhice. Mocidade de alma que dá direito aos velhos de não só entusiasmarem os moços, como a fundirem-se no entusiasmo deles. Ele, para os que, como eu, o conheciam de longe, sempre a sorrir valentemente para a vida, direito e marcialmente esbelto como um mastro de navio, atravessando todos os nevoeiros e tempestades, por onde se tem desviado o espírito da nacionalidade, veio a ser, por fim, uma como parte integrante do próprio Brasil organizado, deste Brasil que cada um de nós teme ver sucumbir aos golpes do infortúnio ou do desvairo de seus filhos.
Li uma das últimas frases que escreveu aquele homem límpido e nobre: “Faz o que o Senhor exigir de ti — faze-o com justiça e amor e caminha firmemente para o bem. ”
Quem não se comoverá lendo isso, maximé se sabe que foi um velho de oitenta anos quem o escreveu, e ao fim de uma carreira pública tão afanosa e arriscada?
A mocidade do Brasil deve guardar esta frase no coração. Ela, tão simples, tão ingênua, tão longe de qualquer artificialidade literária, fala, revela o coração moço, o coração valente, que a ditou.
É desses homens, que não perdem a fé, que nós precisamos imitar o exemplo.
É a eles que devemos levantar estátuas de gratidão, não só com o bronze ou o mármore, mas com a ação imitativa, com os gestos de coragem e os silêncios da abnegação e do sacrifício.
Gazeta de Notícias, 21 de abril de 1926