Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Trechos de um panfleto contra os católicos de França

Jackson de Figueiredo

Não haverá obra que iguale talvez o “Pamphlet contre les Catholiques de France” de Julien Green, como expressão mística da modernidade. Daí — quem sabe? — a aparente rudeza, a crueldade da sua linguagem. 

Dir-se-ia que a verdade nua e crua tem, de si mesma, algo de fulminante, de apavorante, de aterrorizador. Será sempre como uma “figura” do Juízo Final. Aliás, Veuillot costumava lembrar — e sabia bem porque — que há também anjos executores, vingadores, exterminadores. Não é preciso, pois, lembrar o fim. Basta olhar para o passado, e recordar o que ficou às portas do perdido Paraíso. 

E assim, seja qual for o nosso primeiro sentimento, não devemos temer a verdade. Ela não fará mal. 

Mais ainda a refletir: Julien Green, um católico, dirigindo-se a católicos, não terá dito verdades que interessem à França unicamente. Uma verdade de católico para católicos não pode deixar de ter alguma coisa de universal, mesmo quando, à primeira vista, não o pareça. 

Demos, pois, a conhecer algumas destas verdades aos católicos do Brasil. Além disto, não só a católicos elas interessarão? 

***

“Os católicos deste país caíram a tal ponto no hábito de sua religião, que não lhes importa mais saber se ela é verdadeira ou falsa, se nela creem ou não. E essa espécie de fé maquinal os acompanha até a morte. Ninguém crê sem luta, e eles não lutam mais consigo mesmos. Aceitam o catolicismo como alguma coisa de simples e natural. Acabariam por matá-lo se isto fosse possível. 

São católicos, no entanto, pois receberam a marca da Igreja, e o são para sempre, pois o que a Igreja faz é eterno. Mas esses filhos submissos carregam os gérmens de uma poderosa corrupção. Não busqueis além os verdadeiros inimigos da Igreja cristã, de que eles se supõem defensores. 

Foram educados no catolicismo; nele vivem e morrem. Mas não compreendem nem o que representam, nem o que se passa em derredor deles, e nada pressentem do mistério que os envolve e os separa do mundo.” 

Se a verdade católica tivesse um ar estranho, não faltariam zeladores que se fizessem degolar por ela. Mas de tal forma habituaram-se à sua fisionomia que ninguém atenta nela, e procuram-se coisas mais novas e mais curiosas. E, no entanto, ela é bem mais estranha e bem mais espantosa que todos os erros de que se alimentam os filósofos. 

Se no mundo houvesse mil católicos de menos, será que o catolicismo não existiria mais? Se houvesse cem mil de menos, ainda ele existiria. Isto não pode ser resolvido com cifras. Mas se o catolicismo ficasse reduzido a um membro, e este fosses tu, ele ainda existiria em ti e por tua causa. 

O Messias não morre pelo número, mas pela enormidade da falta, e esta pode ser cometida por um só ou por cem mil. 

A ofensa existe feita por um só ou por cem mil. 

De todas as forças do mundo, a indiferença é a mais temível. 

O céu nada pode contra ela, que destrói as mais poderosas tramas do amor. Ela é a única heresia que triunfa. 

Pessoas que saem da missa falam e riem. Creem que nada viram de extraordinário. De nada duvidam porque não se deram nem ao trabalho de ver. Dir-se-ia que acabam de assistir a alguma coisa simples e natural, e, esta coisa, no entanto, se só uma vez se produzisse, bastaria para mergulhar em êxtase um mundo apaixonado. 

Se essas pessoas se pudessem espantar, se salvariam. Mas fazem da religião um dos seus hábitos, isto é, algo de vil e natural. É o hábito que dana o mundo. 

Amo bem mais a atitude dos incrédulos que julgam absurdo o catolicismo do que a dos católicos que o julgam natural. Ao menos na blasfêmia há paixão. 

É horrível ouvir falar friamente das coisas do céu, porque elas são todas calor e veemência. O clero fala mal porque rebaixa tudo ao nível da inteligência humana: fala naturalmente de coisas sobrenaturais; terrestremente de coisas divinas, e acaba-se por não saber mais do que ele quer falar. É espantoso que a verdade tenha sido assim confiada a gente que não a sabe anunciar. Isto deve ter sido feito expressamente. Do mesmo modo Moisés foi encarregado de falar com Faraó, e, como ele próprio diz, não é eloquente e com dificuldade diz o que quer. É um “incircunciso da boca”. Não sei se esta incircuncisão não é uma figura. A insuficiência do clero tem qualquer coisa de sobrenatural. 

Seus gestos não variam, seus surtos de eloquência são sempre os mesmos. Desde as primeiras palavras advinha-se qual será a última frase dos seus sermões, como se sabe que “amém” é a última palavra de uma prece. 

Isto é talvez nocivo, talvez útil neste sentido de que a fé é experimentada. 

A verdadeira ignomínia é a estupidez, porque é a ignomínia do espírito. A ignomínia da carne não é tão perigosa. Um clero incontinente pode anunciar a verdade com força e com grandeza. Um clero estúpido bate-se com a verdade que o possui e a revela confusamente. 

É como se um secreto poder lhe tivesse sido conferido para torná-la insípida. 

Em nossos dias a Igreja enfrenta um perigo bem mais terrível que as heresias de outrora: a tolerância dos infiéis e o morno assentimento dos católicos. 

A razão pode condenar o catolicismo, se quer condená-lo, mas o pensamento o justifica, porque o pensamento é de essência divina. 

***

Nada mais fiz que traduzir. E não tive coragem de reeditar o que contém o panfleto das relações diretas entre a “nossa atualidade” e a eternidade do inferno. 

Note-se: até hoje não foi condenado pela Igreja da França o panfleto de Julien Green.

Gazeta de Notícias, 25 de janeiro de 1928