Jackson de Figueiredo
O título deste artigo é o título do último livro de Henri Massis, já conhecido de muita gente aqui mesmo no Brasil, mas que, em todo o caso, deverá ser conhecido de maior número ainda.
É claro que a minha preocupação é muito outra que a de apreciar literariamente esta parte da obra do autor dos Jugements, aliás, literariamente, menos feliz neste livro. Creio que é a primeira vez que se atira a assunto de tanta complexidade e tocando, tão de perto, às vezes, aspectos terra a terra, se assim se pode dizer, da anarquia cultural, em que vai caindo o Ocidente. E por isto a sua capacidade de exposição mais de uma vez se mostra aquém dos graves problemas que tenta esclarecer.
Mas, de quem tem se interessado tanto quanto eu pela história, pela cultura dos povos orientais – e deste ponto de vista tenho eito quanto permite o uso somente de poucas línguas vivas da Europa – creio que o testemunho em favor da sua tese não será, de todo, desvalioso.
Realmente, a minha opinião é simplesmente esta: todos, todos, absolutamente todos os moços que, no Brasil, ainda estão à altura de amar a tradição cultural brasileira, tradição absolutamente cristã, ocidental, europeia (pois só o temperamento nacional é produto do meio em que esta tradição se desenvolve), devem ler e meditar a obra de Massis.
Ela é um grito de alarma que, vindo do meio, por circunstâncias ao alcance de todos, melhor defendido do que o nosso, mais dolorosamente repercute na consciência de quem vê o Brasil invadido pelas mesmas larvas de dissolução e de morte. Porque só mesmo a absoluta falta de sinceridade ou a absoluta falta de bom senso não concordará com esta verdade de ordem histórica: não há Brasil para aquém ou para além da tradição católica, não há tradição brasileira, nacional, unitiva, de que o espírito não seja o espírito da Igreja. que, desde a Independência, através do liberalismo maçônico, tem querido sobrepor-se a esse espírito, é uma verdadeira invasão estrangeira, a mais perigosa, que um povo pode sofrer, e foi sempre aqui, o que foi sempre na Europa: “a peste mongólica”, o sopro desagregador da Ásia putrefata, mas odienta, a guerra invisível e cautelosa, tendo por arauto toda a má fé do judeu, esse venenoso micróbio do cosmopolitismo, do metequismo universal.
Ora, o que Massis nos diz, resumindo nas trezentas páginas do seu livro um mundo de verificações de um a outro extremo da angustiosa crise ocidental – o que ele nos diz já é o bastante para que ninguém mais se deixe adormir ao canto das pérfidas ou ridículas sereias de um humanitarismo que não tem outra finalidade, senão confusão de tudo e, portanto, a morte das verdades sociais e políticas, conquistadas pelo Ocidente, pois é lei da vida moral que onde a verdade se deixa penetrar do erro, é ela, única, a perder o seu caráter, a sua integridade, o erro vivendo da própria negação da verdade, não tendo vida própria, sendo como é o “cisma do ser”, na incisiva expressão de Joseph de Maistre.
Aí estão espiritismos de todos os calibres; teosofismos de todos os ridículos, aí estão, também, em plano superior, de Hegel, de Schopenhauer a Speugler, a Keyserling, todos os panteísmos, todos os gnosticismos, todas as negações, enfim, do Cristianismo, todas as revoltas contra o espírito de construção e de ordem da filosofia clássica ou tradicional, alma e vida dos povos cristãos. O Bolchevismo já aí está também, batendo às portas, que se haviam aberto com tanta facilidade, às forças maléficas do asiatismo intelectual e sentimental. Ele nada mais é que a primeira objetivação da “revanche”, instintivamente procurada, há séculos, por povos degradados, com uma única sombra de unidade moral no ódio ao homem branco, conquistador, e, sobretudo, civilizador, e não pode haver maior peso que o da civilização, para os que não têm força para amá-la.
É a hora, pois, de velar mais ativamente pelo que somos, pelo que somos nós, todos aqueles a quem o Cristianismo, a quem a Igreja Católica para sempre diferenciou da informe decomposição do Homem Antigo.
“Personalidade, unidade, estabilidade, autoridade, continuidade, eis as ideias mestras do Ocidente”.
O asiatismo vem até nós, procurando desassociar tudo isto, em proveito de “um ascetismo equívoco”, que é o que está no bojo de todos os teosofismos contemporâneos e se resolve me fanatismo materialista, mecânico, terrível pela extensão mesma do seu humanitarismo geométrico, num plano meramente utilitário, em toda a parte onde recua, neste momento, a luz da cultura ocidental.
“A oposição radical, essencial, entre o Oriente e o Ocidente, reside na ideia tão diferente que cada um faz do homem e das suas relações com o universo. AQUI o homem quis SER; não consentiu em perder-se nas coisas, em que a pessoa humana nada mais fosse que uma simples dependência da natureza, que, PARA O ASIÁTICO, se compraz da ilusão das formas vivas e confunda toda a vida em um imenso equívoco”.
Esta a questão principal, a ter sempre em vista, para que esta campanha não se confunda, como lembra Massis, “com os lugares comuns de uma ideologia política, sem severidade e sem vigor, cuja impotência para salvar o quer que seja, se acoberte destes amplos pretextos, afim de motivar seus embaraços e justificar sua inércia”.
Não. Fora inútil, a esta hora, senão mesmo prejudicial relatar fatos particulares ou fazer o simples balanço político dos novos nacionalismos orientais, que estão, de fato, sob a máscara de certos idealismos recentes, já com direito de cidade no mundo cristão. No fundo, ninguém mais está iludido. “À hora mesma em que os progressos da técnica se jactavam de realizar a unidade do gênero humano, é que se verifica a mais completa ruptura de equilíbrio jamais vista”. O Oriente está, a esta hora, quase tão bem armado quanto o Ocidente e tem por si o número. Pode-se mesmo dizer que a luta, nos seus aspectos mais dramáticos, principia por uma derrota não pequena no mundo ocidental: “Em lugar de dizer-se, como no tempo do Romanoff, a obra avançada da Europa na Ásia, a Rússia bolchevista volta a ser como no tempo dos grandes khans mongólicos e tártaros, a obra avançada da Ásia na Europa”.
Pode ser mais humilhante e mais cruel a verificação, tão fácil de fazer neste momento?
“Acostumamo-nos facilmente, diz Massis, a ver apenas no Bolchevismo uma teoria social e política.
E os empréstimos feitos por ele a certos sistemas europeus como o marxismo (Massis esquece a base judaica deste sistema) não pouco contribuíram para encobrir a sua verdadeira natureza. A realidade é bem mais grave. O Bolchevismo é um perigo, porque se baseia em um princípio antiocidental, anti-humano, que é o antagonista lógico e resoluto da grande tradição espiritual de que somos possuidores”.
Realizam-se, pois, as amargas profecias de Gobineau, e a Europa, que não é todo o Ocidente cultural, já sente calçar-lhe (?) o solo a pata daquele que é pior do que bárbaro, pois é assim o homem para quem foi indiferente o sacrifício do Calvário.
***
Massis reconhece, porém, o erro do homem europeu, que, ao tempo que se impunha pelas armas, dava em face mesmo dos povos conquistados, os testemunhos da maior descrença em relação aos fundamentos da cultura espiritual que o fizera o mais forte, o mais digno, o mais capaz de comandar e dirigir. E o resultado foi que as ideologias revolucionárias de uma Europa já envenenada pela hipocrisia judaica, puderam juntar-se facilmente os fogos-fátuos da putrescência cultural do Oriente, num “sincretismo monstruoso” …
“Aterroriza imaginar os efeitos da odiosa mistura de moralismo humanitário, de exasperação pseudomística, de falsa erudição histórica e falsa filosofia, enfim, o horrível confusionismo que tais doutrinas podem lançar numa razão já enfraquecida, desarmada por Kant e entregue a todas as audácias da vulgarização moderna.”
Trata-se, pois, antes do mais, de uma defesa do nosso patrimônio intelectual, garantia do nosso patrimônio moral. É isto, que acima de tudo, precisamos compreender.
Nós também, no Brasil, podemos atestar a invasão das nossas fronteiras espirituais por “essas estranhas contrafações do espírito, que, sob uma máscara oriental, ressurgem aqui e aqui acham a cumplicidade de todas as heresias congêneres, que corroeram o corpo ocidental, e estão na origem da grande subversão da cristandade e da ordem europeia.”
Porque não é vanglória, o proclamarmo-nos parte dela. “Por toda a parte onde – diz Paulo Valéry – os nomes de Moisés e de S. Paulo, de Trajano e de Virgílio, por toda a parte onde os nomes de Aristóteles, de Platão e de Euclides, tenham uma significação e uma autoridade, aí está a Europa.
Toda raça e toda terra que foi sucessivamente romanizada, cristianizada e submetida, quanto à inteligência, à disciplina dos Gregos, é absolutamente europeia.”
E é justamente porque fazemos parte desta ordem que se fundamenta em moral e em direito a nossa aspiração de autonomia particularista, no largo seio da cristandade.
E o que será digno de acurado exame é o problema que se segue a essas verificações: ao Brasil, já não será mais difícil que à Europa a defesa da tradição cristã, em relação a esses ridículos e pérfidos idealismos?
É o que brevemente procuraremos esclarecer.
Gazeta de notícias, 7 de setembro de 1927