Jackson de Figueiredo
Tido e havido por jacobino, de jacobino contra os portugueses, isto por obra e graça da ignorância de uns, mas também da má fé de alguns exploradores da colônia portuguesa do Rio de Janeiro, o fato é que, nem por isto, sou devedor de menor afeto a muitos dos mais representativos homens de letras de Portugal contemporâneo. É sabida a amizade fraternal que me ligava a António Sardinha, o maior dos seus modernos pensadores políticos, e ainda hoje posso gabar-me da estima e compreensão que demonstram, relativamente, ao meu esforço, todos os vultos do Integralismo lusitano.
Falo, por conseguinte, desapaixonadamente quando lastimo a incrível ignorância dos intelectuais portugueses ou, pelo menos, o incompreensível silêncio que mentêm em relação às nossas letras.
E o caso é o seguinte: a represália vai, quase que inconscientemente, se organizando. No Brasil (a fora a leitura desta ou daquela obra de fancaria de alguns caixeiros viajantes da imprensa luso-brasileira), quase que só se lê o que Portugal produzia há trinta, há cinquenta anos atrás. E esse estado de coisas é profundamente prejudicial aos dois povos que, queiram ou não queiram, e, já, a esta hora, seja qual for a diversidade dos seus destinos, têm muito que manter juntamente da tradição cristã que, na essência, os irmana.
É olhando as coisas deste ponto de vista, que me mereceu leitura séria o opúsculo de José Osório de Oliveira que tem o título deste artigo.
Este opúsculo traz uma carta-prefácio do Sr. Carlos Malheiro Dias, o mais sério, o mais inteligente e o mais culto dos que, com fins menos literários, souberam explorar, a certa hora, o prestígio do nome português no Rio de Janeiro.
O Sr. Malheiro Dias diz, aliás, o que acabo de dizer:
“Conhecer p Brasil, entender o Brasil, amar e respeitar o Brasil são necessidade, conveniência e dever de um povo sem outro parente na Europa, mais do que a Espanha, nossa irmã peninsular, nossa consorte na tarefa dos descobrimentos e conquistas — mas irmã colaça, falando outra língua, sentindo com outra alma; mas consorte rival, com sua numerosa prole extremada”.
E esta tese, o Sr. Malheiro Dias a desenvolve com aquela sua segurança e arte sutil de sempre, para, por fim, fazer este elogio do livrinho de José Osório de Oliveira, elogio que é grande porque, nele, se deixa ver claramente que a sua aparição ainda é o que de mais honesto se observa no sentido de suprir as deficiências a que já aludi:
“Enquanto um escritor prestigioso — diz o Sr. Malheiro Dias — não compuser para as escolas o livro similar à ‘Nossa terra e nossa gente’, de Afonso Peixoto, e não intercalarmos em nossos manuais de leitura trechos seletos da literatura brasileira, que dariam ao estudante a percepção objetiva do vasto domínio da influência cultural da língua pátria, falada por cerca de cinquenta milhões de criaturas humanas espalhadas pelos quatro continentes, e lhe infundiriam desde a adolescência o admirativo respeito pelas altas aptidões da inteligência brasileira — bem-vinda seja a sua entusiástica lição destinada a vulgarizar os nomes mais ilustres e as obras mais interpretativas do gênio literário de um grande povo que herdou e perpetuará a nossa comum vocação ancestral para o cultivo das letras”.
Outra, creio eu, não pode ser a sensata apreciação lusitana quanto ao esforço do Sr. Osório de Oliveira. É claro que, como todo estrangeiro que tem a vencer verdadeiros mundos de artificialismos e metequeismos militantes, o Sr. Osório de Oliveira ainda deixa muito a desejar, já não digo como crítico e historiador, mas como cronista desinteressado dos aspectos exteriores da nossa cultura.
Demais não é o conhecimento do que se passa no Rio e em São Paulo, o bastante para que se possa falar com segurança do Brasil intelectual. O Sr. Osório de Oliveira tinha que fatalmente cair em lastimáveis confusões de valores e nivelamentos verdadeiramente irritantes. Não vale a pena, porém, personalizar, para que não se diga que, numa página de louvor como esta que escrevo, ainda nela não tenho mão em mim que não descambe em polêmica.
Não. As letras brasileiras ficam devendo um bom serviço ao Sr. Osório de Oliveira. O padrão da cultura brasileira não será, positivamente, a obra de Elísio de Carvalho, nem deixará de ser aspiração do Brasil moderno a “descoelhonetisação” da sua literatura. Mas a voz agradável e sincera do moço português teve tonalidades realmente comovidas em relação a muitos valores reais da intelectualidade brasileira, que merecem, de fato, a atenção dos homens cultos de Portugal.
No seu opúsculo, a confusão está somente onde lhe era quase impossível evitá-la, dado o momento em que esteve entre nós.
Gazeta de Notícias 27 de abril de 1927