Jackson de Figueiredo
Está o Correio da Manhã provocando os Niágaras da estultice e da vaidade humana, que não é mais do que isto o abrir as suas colunas a um debate sobre o divórcio. Não nego que, graças a Deus, até agora, pelo menos, muitas têm sido as vozes sensatas, as demonstrações de cultura séria e de amor à verdade. Mas, o certo é que nada disso equivalerá ao mal, positivamente feito à massa geral dos que leem, pelas insinuações da perversidade letrada e a pedanteria do nosso cientificismo de cordel.
Se a gente de imprensa, quando em função, lembrasse que também tem lar e é, como toda a gente, sujeita às mesmas tentações e misérias, a verdade é que a maior parte dos problemas debatidos nos jornais deles desapareceria, para ser objeto de análise e de estudo em ambientes mais fechados, mais restritos, e mais distantes, por conseguinte, da curiosidade propriamente popular.
Em geral, porém, o homem de imprensa se vê a si próprio como a uma abstração social, um ser à parte, que nada tem a ver com o homem comum, o cidadão, o chefe de família, que há também em cada jornalista.
É esta a razão porque nada os faz recuar, desde que os incite o interesse profissional. Ora, o interesse geral de um órgão de imprensa, muito diverso de mil outros interesses particulares que, todos, dependem daquele, é excitar a curiosidade do povo, é ser lido pelo maior número possível de homens que saibam ler ou que não saibam ler, pouco importa. O anúncio, como tudo o mais, depende dessa popularidade conquistada, às vezes, por tenebrosos processos de escândalo e de perversidade. E, não raro, o jornalista, um homem de bem, mas de vontade falha, como todos os ambiciosos, acaba escravo do seu próprio jornal.
Ei-lo, pois, contra a própria consciência de cidadão, de chefe de família, de bom irmão, de bom filho, expondo quando não sacrificando sobre ara da profissão, coisas que ele próprio julga sagradas, que ele próprio tem a certeza que não podem nem devem ser discutidas, e muito menos sujeitas a grosseiras análises por gente de toda espécie.
O debate sobre o divórcio é, nesse momento, um caso assim.
Mas, francamente, creio que no Brasil, a discussão, por parte dos homens de senso e de patriotismo, deve tomar outro rumo, abandonando, de uma vez por todas, o terreno da moral religiosa e filosófica.
No Brasil, não é preciso ultrapassar os limites da simples moral patriótica, jogar com outros dados que os do puro patriotismo.
A família brasileira, DO HOMEM BRASILEIRO, que fez o Brasil independente e respeitado, é a que ainda existe e, na qual, o próprio elemento civil respeitou sempre o dado natural e cristão da indissolubilidade do vínculo matrimonial.
De cinquenta anos para cá, transformações de ordem mundial, e necessidades nossas, fizeram do Brasil um país de imigração e, até hoje, não selecionada. É, pois, um país pacífica mas poderosamente influenciado por imperialismos diversos, não sendo menos poderoso o imperialismo da miséria e da decadência de raças e povos, até ontem, felizes e prósperos dentro das suas fronteiras. É a invasão pacífica de homens, para a maioria dos quais o lar perdeu o seu sentido religioso com o de ser componente de um lar mais amplo, e não menos sagrado. Nós somos, por conseguinte, vítimas de um lento, mas tenebroso veneno: a judaização da nossa mentalidade urbana. É a aviltante vitória do metequismo sobre a consciência propriamente nacional, o que se esboça sob o véu dessas agitações, aparentemente sem causa e sem sentido, e que, de momento a momento, transformam em “problemas” os dogmas, por assim dizer, da vida nacional, os fundamentos morais da sociedade brasileira.
Pois bem: a pouco que dizer sobre misérias como estas.
Nós, os católicos, que constituímos a grande, a absoluta maioria da Nação, da Nação que, ao que se diz, vive sob um regime democrático, isto é, sob um regime em que, ao que se diz também, é a lei a vontade das maiorias, nós, os católicos, não admitimos o divórcio, não o admitiremos, seja ele decretado por quem for, que não seja esta maioria positiva e real e que constitui realmente a sociedade brasileira.
Nós, católicos, sabemos que a Igreja condena as revoluções em geral. Sabemos que ela, teoricamente, restringe de tal modo o direito de revoltar-se que, na prática, é quase impossível considerar-se justa uma revolução.
Mas este dado, claro e positivo, fica diante dos nossos olhos: a sociedade deve defender-se, tem o direito de rebelar-se quando o poder POSITIVA E EVIDENTEMENTE a tiraniza, isto é, quando ele procede de modo a arruiná-la e destruí-la.
Dentro das condições exigidas pela Igreja, para uma tal resolução, e assim expostas pelos seu tratadistas:
- que essa ruína se objetivará, senão houver desde logo resistência organizada;
- que isto é evidente para uma grande maioria;
- que não há outro meio de resistir ao mal;
- que há esperança de sucesso, para que o remédio não venha a ser pior que o referido mal;
Dentro destas condições, facilmente verificáveis em nosso meio se um poder houver tão imoral, que tenta arruinar a família brasileira, todos os católicos devem se unir e resistir com as armas na mão.
Nós sabemos que, para o nosso meio propriamente político, não há nada mais comum do que um absoluto descaso pela opinião pública, pela vontade da absoluta maioria do povo brasileiro. Não será, pois, de estranhar que ele, por quaisquer circunstâncias, ouse atacar ainda mais gravemente a família nacional, como já a atacou com a escola leiga, com a educação amoral ou mesmo imoral.
Não se discute que o divórcio, apesar das propagandas de imprensa, e de tudo o mais que as condimenta, é repelido pela maioria absoluta do povo brasileiro.
Também sabemos que, no Brasil, as maiorias políticas só cedem ante a força, venha esta do povo ou de um homem de governo, senhor de direito ou, de fato, do poder.
E, por fim, sabemos de uma coisa que tem esquecido quase todos os políticos brasileiros e é a seguinte: que, se os católicos brasileiros, um dia, resolverem se opor, seja ao que for, no domínio da atividade política nacional, a vitória lhes caberá sem dúvida possível.
Toda a questão é que se unam de verdade e atuem com decisão. E não é possível que assim não procedam, se houver um poder bastante imoral para tentar derruir o mais santo asilo da brasilidade, o lar tradicional brasileiro, de onde ainda novas energias cristãs, novas forças espirituais, legitimamente nacionais, hão de influir, restringindo ação maléfica do insultante metequismo, que, a esta hora, parece duvidar de que existe uma pátria dentro das nossas fronteiras materiais.
Gazeta de Notícias, 20 de outubro de 1926