Jackson de Figueiredo
Apesar dos fulgores do novo sol, que, para tanta gente, ou melhor, para quase toda a gente, é o que mais interessa, neste momento, fico entre os que ainda veem, com tristeza, o que enche o cenário da nossa vida social e política: ao fim de cinco anos de luta, o mesmo grosseiro empirismo, a mesma incapacidade de utilizar a cruel experiência revolucionária, a mesma descrença das ideias, a mesma fatuidade dos chavões sem sentido, o mesmo carnaval de baixos instintos, e, abafando o esforço isolado deste ou daquele homem de bem — por toda a por toda a parte — ou a vesga diplomacia dos grupilhos, garantindo a vitória de todas as mediocridades, ou a audácia espaventosa de alguns moleques e capadócios de fortuna, transformados em grandes homens, em representativos da sociedade brasileira!
Mas, em verdade, as tristezas mais tristes são as que fazem rir.
E até elas não nos faltam.
Aí está João Santos, por exemplo, — quem é João Santos? — João Santos, isto é, o republico anônimo, a mediocridade municipal, elevada. Deus sabe como, aos mais fecundos silêncios da Câmara Federal… — e, de repente, feito o homem de princípio, o homem de fé republicana, ateia e ateisante. Brasil de 89, a esmagar ainda na consciência do povo brasileiro, o respeito, a admiração, o amor, tudo quanto a esta hora merece do mundo inteiro, o pobrezinho de Assis!
Quando João Santos morrer – e que Deus o conserve por muito anos ainda – a Câmara há de suspender uma sessão, em homenagem à sua memória, e haverá um Conselho Municipal, neste país, que lhe renda homenagens ainda mais comovidas e sinceras. Se João Santos puder, do outro mundo, contemplar as tocantes cenas que daqui prevejo, juro que então compreenderá o que se quis fazer com relação a São Francisco de Assis, e até mesmo o porquê a ele, João Santos, o mundo inteiro não homenageou como o está fazendo ao Poverello…
São Francisco de Assis, amigo João Santos, rendeu homenagem aos animais mais desprezíveis, mais triste e enfezados, assim como aos mais ferozes. Chamava ao burro, Irmão Burro, e à própria lesma tratava como irmã. Pois nem isto, meu amigo, lhe mereceu consideração? Pois será possível que os princípios republicanos da nossa magna carta, ofereçam mais amplitude democrática, mais largo espírito de fraternidade que a doutrina do santo de Assis?
E Basílio, minha gente, que dizer dos últimos urros de Basílio?
Basílio é o cafuso mais elegante de Minas Gerais, o mulato mais desempenado destes brasis, o cabo-verde mais bonito que honra, neste momento, ao que parece, os salões nobres do Grande Oriente brasileiro. Tomou a si a tarefa de destruir a vida monástica, no Brasil, é o inimigo irreconciliável da Igreja Católica, que vive a tremer de medo do ante o vulto deste escuro herdeiro da Enciclopédia, deste novo ciclope de pé rachado…
Basílio não cansa, tem a neurose do bode preto, é o saci-pererê de um Brasil rabelaisiano, gorducho, urbanizado.
Desde que tomou são João d’El Rey de assalto e lá, impunemente, não direi, mas quase impunemente, tem podido insultar os católicos, e já fez descorar três pobres freiras e empalidecer dois ou três pobres franciscanos, Basílio está convencido que todo o Brasil o teme, que todo o Brasil admira a sua prosápia, e não distingue o fato da sua pacholice dos perfumes de que pôde usar, como representante do povo… Do povo de São João d’El Rey, isto é, do povo a que vive insultando, a todos os momentos.
Agora, Basílio, ao que se diz, quer ir representar o Brasil no México, junto ao ilustre Calles, o famoso Calles, o excelso transfigurador do vaqueirismo em bolchevismo americano.
Mas que faz o governo que não atende imediatamente aos desejos de Basílio? Porque não se move o Sr. Rubio, porque não dá, pelo menos, uma entrevista insinuando esta nomeação de arromba? Na China ou no México, esta é que é a verdade, Basílio representar-nos-ia com muito mais fidelidade do que aqui representa qualquer parcela do povo de Minas Gerais.
Perdido na turbamulta dos representantes que não representam interesse sério de qualquer espécie, – como há de ser sempre um representante do Brasil no México – Basílio seria, no México bolchevista dos nossos dias, um simples espectador, e não digo que não lucrasse a sua alma dessa forçada postura, tão hostil aos seus hábitos. O mestiço brasileiro, em que o sangue negro deixou traços indeléveis, é muito diferente do mestiço mexicano. Se, não raro, é tão corajoso, é sempre mais capaz de bondade. Eu imagino que Brasílio seria até capaz de renunciar ao maçonismo, de abrandar mesmo o seu pernosticismo anti-cristão, no dia em que assistisse a uma das muitas cenas de vandalismo com que os pretorianos de Calles abrilhantam atualmente a civilização americana. Garanto que Basílio voltaria para o Brasil compreendendo que é mais difícil e mais nobre civilizar a Amazônia à maneira dos padres de S. Bento, que regenerar, salvar, refazer o México, ou qualquer outro país do mundo, a coice de armas, a pata de cavalo, a golpes de baioneta e tiros de fuzil.
Faça-nos o governo, por favor, este ato de justiça. Mande Basílio para o México, livre São João d’El Rey e Minas Gerais deste constante insulto aos seus brios de povo católico.
Mandem-no, e mandem-no já, antes que ele, positivista à brasileira – com perdão do Sr. Teixeira Mendes – assim como outros se fizeram militaristas, se faça também corifeu do divórcio. Os batizados já lhe estão merecendo a conspícua atenção de estatista à outrance… O casamento não o fará arrepiar carreira.
Basílio, baseado no senso biológico de Miguel Couto e no direito positivo do grande Pontes, é capaz de derrubar tudo neste país, até mesmo o que o povo brasileiro deve defender com armas na mão.
Deixem João Santos onde está, pois São Francisco de Assis seguia à risca a palavra de Jesus Cristo, e não esqueceria nunca a do seu mais doloroso perdão, à hora da morte…
Mas Basílio deve ir para o México.
Enviam-no para lá, e quanto antes, para que ainda fique de pé alguma coisa desta pobre sociedade cristã, em que foi possível o seu florescer de chicha ou coco da Índia…
Gazeta de Notícias, 6 de Outubro de 1926