“Dans son vieux style encore a des graces nouvelles”…
Aos olhos da gente do Norte, dessa mesma gente a que o digníssimo e até dignérrimo sr. João Lage, panfletário político luso-brasileiro, vem de negar caráter e todo mérito, que não seja tocar violão, vai o sr. Nilo Peçanha reivindicando os seus títulos de pensador e mesmo de escritor.
É a sua sociologia um pouco diferente da do sr. João Lage. Ela é toda louvores aos homens que têm habitado aquelas regiões, desde o tempo de Salomão. Só numa coisa se harmonizam os dois sociólogos: o sr. Nilo, como o sr. Lage, tem em horror o nacionalismo brasileiro. É o que nos dizem os telegramas do Pará.
Não é que o sr. Nilo analise os dados do nacionalismo, no que tem de doutrinário. Não. S. ex. limita-se a dizer que se trata de uma “nevrose”, igual à que, em toda a parte, foi consequência da guerra, “nevrose” que “nos quer isolar nos nossos próprios desertos”, etc., etc.
Mas, s. ex. está positiva e duplamente enganado.
Não há mais desertos neste país. Os que havia, já resolvidos pela “grande figura de Rondon” (reparem os católicos), estão hoje povoados, todos povoados pelos melhores e mais notáveis positivistas do mundo, aqueles que, de um salto, passaram do estado fetichico ao formulado como ideal pelo saudosismo de A. Comte.
Também a pior “nevrose” de que vamos sofrendo não é a do nacionalismo.
Uma notável beleza literária de um dos discursos de s. ex. é aquele “delírio verde da Amazônia”, frase esta que o sr. Mendes Fradique certamente não esquecerá no 2º volume da sua grande “História do Brasil, pelo método confuso”.
Pois bem: nesta questão de delírios, nós, de Norte a Sul, estamos a parecer um arco-íris… Quem sabe o que pensará o sr. Nilo do “delírio amarelo”, que a sua atitude política vai provocando?
Há uma coisa que honra positivamente s. ex. Dizem que s. ex. recusou qualquer negociação com o “chantagista”, fabricante das supostas cartas do sr. Arthur Bernardes.
Mas recusará s. ex. o seu apoio à imprensa que lança mão de métodos dessa ordem, que apadrinha infâmias dessa natureza?
Esta é que é a delicada questão do momento.
O sr. Nilo que, de dentro das hostes maçônicas, aconselha a todos os católicos que não perturbem com as suas convições o impudente concubinato, em que vivemos, de credos os mais opostos; o sr. Nilo que faz o elogio de Pombal e da “alma brasileira do nosso clero”, de querer ainda casar a repulsa ao infame negocista com o louvor à imprensa, que a esse mesmo negocista acolheu.
Porque s. ex. não será capaz de dizer a tais jornais esta dura verdade: vocês baixaram muito. Não dirá. E se disser, mas isto expressa e publicamente, merecerá os mais francos aplausos do Brasil inteiro, exceto, já se vê, dos que agora lhe servem de braço forte, após lhe terem feito as mais repugnantes ameaças.
Esperemos.
O sr. Nilo deve saber que, candidato à mais alta magistratura da República, sobre s. ex. recaem as maiores responsabilidades da campanha presidencial, no momento em que s. ex. mesmo só vê com otimismo a nossa Magna Carta, mas está como que tomado de medo, pânico ante a geral desmoralização dos nossos costumes políticos.
Ora, o delírio amarelo da imprensa não pode, em boa lógica, ter o apoio de um homem que, não tendo o apoio da maioria dos políticos militantes, só através da imprensa poderá dar proveitosos exemplos do que será a sua ação regeneradora, no ambiente político nacional.
Porque s. ex., que tem prometido tanta coisa, ainda não prometeu todo o seu esforço, para que venha a ser lei o que todo o bom senso da nação já pede, em relação aos nossos desmandos jornalísticos?
Compreende perfeitamente o sr. Nilo que, no mundo moderno, mesmo neste Brasil, que s. ex. viu cheio de desertos, é da imprensa o papel preponderante no campo da doutrinação e das práticas políticas.
A rapidez com que o conselho do jornal vai diretamente à consciência da massa semi-inculta e incapaz de análise, à difusão da opinião de uns tantos indivíduos por milhares e milhares de homens, facilmente sugestionáveis, correspondem, naturalmente, os movimentos populares, em qualquer domínio da vida política. Esta é a força da imprensa. Mas não vê o sr. Nilo que o abuso desta força vai reduzindo o país a não ter, propriamente, imprensa, o que equivale a dizer: a não ter opinião popular, a não ter o que s. ex. chamaria vida democrática?
Realmente, o que se vê é uma descrença geral, um nojo profundo por tudo quanto se escreve agora, no Brasil, sobre questões políticas.
Basta seguir, pelo resumo que faz O JORNAL, o que vai sendo a atual campanha presidencial.
Os elogios são tão exagerados quanto as descomposturas em ambos os candidatos. E o povo, afinal, compreenderá que é pura mistificação o que se está fazendo, pois é quase evidente, ao homem mais estúpido, a grosseiria desses métodos, o rude cinismo, que é a alma desses processos.
Mas o sr. Nilo há de concordar que, pelo menos, não cabe à chamada imprensa bernardista o primeiro lugar, na farandula agitada pelo delírio amarelo do despudor, da falta de respeito, da insinceridade, mesmo da mais crua imoralidade.
Deve meditar o sr. Nilo sobre tudo isto. S. ex., mesmo tendo ao seu lado o sr. Edmundo Bittencourt, certo se tem como a primeira figura do nosso nihilismo… Que faz então em face de tantos desmandos? Porque não aconselha, não prega moderação aos seus doze pares?
Deixe-nos, a nós, católicos, que nos guiemos pelos conselhos da Igreja.
Deixe-nos, a nós, nacionalistas, no gozo dos nossos ideais. Eles ainda não mataram ninguém.
Que nação já pediu indenização ao Brasil?
Entretanto, bem vê o sr. Nilo que das duas uma: ou a imprensa, a que s. ex. está chefindo, acabará por aniquilar totalmente a opinião pública em nosso país ou forjará a Revolução, levará a nação às mais negras desgraças.
E será a Revolução o que quer s. ex.? Grande, grande, grande alma de patriota!
Jackson de Figueiredo.
O JORNAL, 16 de outubro de 1921.