Jackson de Figueiredo
Não é de hoje que tenho a convicção de que a imprensa católica, do Brasil contemporâneo, não precisa criar modelos para a grande imprensa diária, que os católicos tem a fazer neste país, sob pena de serem, amanhã, vítimas, quase ridículas, do primeiro surto sectário, que tiver a ajuda-lo a força do Estado, de si mesma paganizante.
Nós já temos o modelo do grande jornal doutrinário no pequenino diário, “O Nordeste”, que faz, de cinco anos a esta parte, na capital do Ceará, o papel de um verdadeiro esclarecedor da opinião pública.
Aquele, sim, eu compreendo: é o jornal católico tal como o Brasil precisa conhecer, mas atuando não em uma pequena cidade do norte, mas onde o nosso mal urbano se tornou mais ameaçador e doloroso.
“O Nordeste” não se comprometeu a publicar uma vida de santo por dia, nem a fazer, do ponto de vista devocional, concorrência ao âmbito carinhoso dos santuários.
Não. Não há domínio da vida religiosa – que constitui quase a totalidade do que há de útil e honesto na vida social brasileira – não há domínio da vida religiosa que não seja devidamente honrado e valorizado nas colunas do valente diário nordestino.
O que, porém, constitui a sua função, ou, melhor, a sua razão de ser, não é, de modo algum, nem a meiguice da prece nem mesmo a pura apologia da Igreja divina, feita de um ponto de vista puramente filosófico, com relação à vida em geral. O diário cearense sabe, em primeiro lugar, a doutrina que represente, mas o que mais o preocupa é a atuação atual, presente, relativa a cada fato da vida cotidiana, no meio em que surgiu. Não é falando sempre em nome da autoridade eclesiástica nem como em função da vida devocional, mas sim como voz da consciência brasileira, esta, sim, que não se compreende legítima e perfeita sem o lastro da fé católica, a interioridade cristã, o espírito da Igreja.
É isto o que faz temível e respeitável aos olhos do teosofismo social, que nos quebranta e envilece, vaga mistura de tudo, de bem e de mal, legalizados, por assim dizer, aos olhos do Estado, e consentido, esta é que é a verdade, pela única força moral organizada que possuímos, consentido porque não se pode dar outro nome a maneira de proceder da maioria absoluta das campanhas de insídia e deslealdade, que são as campanhas mais em uso, no Brasil, contra a Igreja, que fez desta terra, terra de gente, terra civilizada.
É claro que, contrapondo-se à ação do nobre paladino católico, hão de os inimigos da Igreja servir-se de todas as armas e, principalmente, dos movimentos envolventes, em que tudo se faz para demonstrar que é a própria fé o que periga no seu gesto de ardor e de coragem.
A essa espécie de inimigos tenho respondido muitas vezes, mas não posso calar o aplauso ante a última resposta que lhes deu o “Nordeste”, em página que se pode considerar memorável na história contemporânea das lutas católicas nacionais:
“Uma das coisas com que mais implica a “tolerância” da imprensa bolchevista – disse-lhes o “Nordeste” – é o que ela chama agressividade dos defensores da Igreja, nas controvérsias.
Desejariam os arautos do livre pensamento ferir as crenças alheias, vilipendiar os sentimentos mais caros e delicados dos católicos, a salvo de qualquer represália.
Jesus, que foi a mansidão e a humildade, teve palavras candentes contra os fariseus do seu tempo, apostrofando-os de “hipócritas, sepulcros branqueados, geração má e adúltera”.
Da nossa parte, sempre que se fizer preciso, haveremos de nos opor, com a desassombrada energia tradicional da Igreja, às agressões e aleives dos inimigos da boa causa.
Não temos escrúpulo de consciência em profligar os embustes dos pregoeiros profissionais da desordem moral do mundo.
Não é de nosso feitio moral a tolerância com o erro e nem nos prestamos ― para não suscetibilizar as vestes do ateísmo, cujos processos desmoralizados são bem conhecidos ― a fazer “imprensa emoliente”, transigindo com o dever imperioso de contundir a audácia dos inimigos da religião.
Para que a nossa atitude altiva e destemida não vá “escandalizar” alguns semicatólicos do nosso meio, a cuja triste transigência em matéria de fé se deve a existência da imprensa ímpia em nossa terra, vamos provar que, em todos os tempos, os combatentes da Igreja não usam de contemplação com os arautos da incredulidade.
Queremos, realmente, ser a “flecha escolhida”, de que nos fala Isaías, para repelir as irreverências, insolências e impiedades da imprensa dissolvente.”
Quisera poder transcrever totalmente esta severa página doutrinária, capaz de esquentar o sangue mais gelado de certos negociadores de transações vergonhosas entre a verdade e o erro. Contento-me, porém, de deixar aqui, para os lutadores do norte, o meu testemunho de pública solidariedade quanto à defesa que fazem dos seus processos de luta, afirmando alto e bom som que eles são os mesmos da Igreja Católica nos seus dois mil anos de vida.
O resumo que fazem da obra de Sardá y Salvini demonstra que falam perfeitamente aparelhados por uma documentação acima de toda e qualquer dúvida.
Não creio que haja, aliás, um católico de brio que não subscreva este trecho da fulminante resposta aos apologistas da transigência, trecho que não resisto, afinal, a tentação de ainda transcrever.
Refere-se o “Nordeste” à atividade de São Francisco de Sales e o “achado” é mesmo para deixar completamente tontos todos os Franciscos de Sales mirins, que por aí abundam, e se gabam de ter a mesma ternura de alma do grande santo, antes de terem dado provas da mesma santidade:
“Num de seus belos escritos, diz o venerando santo, paradigma perfeito de combatente para o jornalista católico: “Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser vituperados o mais que se possa. A caridade obriga a todos a gritar “o lobo!” quando esse se introduz no rebanho e até em qualquer lugar em que se encontre!”
E o comentário do “Nordeste”:
“Não pode haver, de fato, mais verdadeira caridade! É por ela que se preservam as consciências da contaminação do mal.
A igreja nunca deixou de exercê-la. Combatamos os erros sem odiarmos os adversários, como o fez São Francisco de Sales, mas confundindo-os e apontando-os à cristandade na sua feição típica de autênticos malfeitores sociais. Foi essa, em todos os tempos, a doutrina inalterável da Igreja.
Desde o profeta Ezequiel até os nossos dias, não houve modificação nesse método de profligar os inimigos da verdade.
Aquele vidente das letras sagradas, para condenar a iniquidade dos que se opõem à casa santa de Deus, manda-os comer pão imundo, numa das suas inspiradas revelações.
Vejam, pois, os católicos que não amam de verdade a doutrina de Jesus Cristo, católicos semipagãos, a responsabilidade que assumem perante Deus, contemporizando com a imprensa ímpia, sistemática na sua campanha de injúrias e calúnias contra a Igreja e o clero.
Não queiram, por sua vez, atrair para si as tão duras palavras do profeta, escritas para humilhação dos que se degradam na rebeldia contra a fé.
Deixem para os maus o monopólio exclusivo do pão asqueroso de que falam as Escrituras!”
Uma coisa eu desejava: era ler as respostas que mereceu este artigo da parte daqueles a quem ele feriu diretamente…
Gazeta de Notícias, 27 de outubro de 1926