Jackson de Figueiredo
Mais uma vez tem assumido caráter de grave violência a campanha de difamação da imprensa revolucionária desta Capital, contra o Sr. Artur Bernardes, e não se pode negar que esta campanha se vai radicando no ânimo da massa popular, da inquieta massa popular que, em todas as grandes cidades do mundo, está sempre sob a influência dos mais perniciosos exploradores da chamada opinião pública.
E aí está uma das belezas da democracia agravada, em nosso caso, pela incrível falta de coerência que caracteriza, desde os fins da Monarquia, cada um dos nossos homens públicos, em particular.
Uma verdade única, porém, é possível verificar, delimitar-se, definir-se, em toda a extensão do nosso plano político: que ninguém sabe o que quer e todos vivem dos ódios ou das paixões pessoais, de cada momento.
Daí o que se vê a esta hora: senador eleito por duzentos mil cidadãos do grande Estado de Minas Gerais, isto é, por duzentos mil cidadãos que lhe reconhecem a chefia política, o Sr. Artur Bernardes vê negado o seu direito ao acatamento e ao respeito por aqueles mesmos indivíduos que, de posse da imprensa política da Capital do país vivem a proclamar as formosuras do regime democrático e a insinuar até o assassinato dos que lhe contrariam esses pruridos liberais…
E os processos sempre os mesmos… Nada de coerência, de respeito ao bom senso, de vacilação sequer ante os mais graves atentados ao pudor e à dignidade do meio social, que dizem representar.
Não. É a paixão pessoal erigida em regra de conduta, é o ódio, é a calúnia, é a injúria e os mais infernais segredos da má fé que se apresentam, no cenário político, como defensores da sociedade, arautos do perdão, juízes, em última instância, da todas as atitudes e de todos os gestos… E o país, em compensação, descendo ao nível das republiquetas mais reles e mais anarquizadas, onde autoridade já é quase sinonímia de infâmia e de banditismo, e todos, todos, sem exceção, os que contra ela combatem, tidos e havidos por grandes homens, representativos do caráter e da honra, quando, às vezes na fé de ofício desses heróis é difícil encontrar fato mais em relevo que uma fuga precipitada ou uma injúria lançada aos ventos pelas colunas de um jornal.
É claro, pois, é evidente que se mantém plenamente revolucionária a situação do país, e que ela, dentro dos limites traçados à autoridade, pelo nosso direito público, não poderá mais manter-se por muito tempo, seja o que for o que tenha de vir, vitória completa da revolução ou integração na ordem, mas na ordem de verdade, e não só em proclamações oficiais.
O que se está vendo é o bolchevismo branco, o drama ainda com ares de comédia, a desordem na lama dos impropérios e das chalaças mais grosseiras. Mas se o Brasil não foge, por qualquer proteção especial do Altíssimo, às leis que regem as sociedades humanas, ninguém mais pode duvidar que se avermelharão, dentro em pouco, os pendões da revolta e da anarquia.
Ora, por mais que aprofunde o sentido de tudo quanto tenho visto desenrolar-se, entre vós, nestes últimos seis anos, e por mais que faça ressaltar, antes a minha consciência, erros e falhas do governo passado, o resultado é sempre o mesmo: a minha convicção, cada vez mais segura, de que a obra de reação do Sr. Artur Bernardes, com todos os seus tributos à fraqueza humana, ainda assim é a maior e a mais bela, a de finalidade mais generosa, que se têm empreendido em favor do Brasil, nestes últimos anos.
O que disse o Sr. W. Luís é a expressão mesma da íntima verdade que, ainda obscura, sob a aluvião de paixões e de crimes, unica preservar-nos da dissolução e da morte: se ainda existe Brasil é porque o Sr. Artur Bernardes não se temeu de arrostar tantos ódios mesquinhos e tantos entusiasmos desviados do seu leito natural e tornados forças de destruição sistemática.
Se ainda existe Brasil é porque o Sr. Artur Bernardes soube ser autoridade, por mais difícil que fosse sê-lo em tal momento, e por mais erros que, por conseguinte, fosse forçado a cometer, todos de caráter particular, e sem nenhuma decisiva influência contra o bem público.
Dizer isto, a tal hora, diga-o o Presidente da República, ou um simples homem de imprensa, como eu, é incorrer — bem o sei — no ódio dos perturbadores da ordem e supostos açambarcadores do caráter e da dignidade nacional.
Pouco importa.
Este é o testemunho sincero e desinteressado de quem não teme esses ódios e, evidentemente, tem mais fé no destino do Brasil do que todos os que têm recorrido à violência e à desordem para amparar juízes pessoalíssimos e desenfreadíssimas paixões.
Futuro não remoto — seja ele o da paz — que não poderá existir onde não tiver prestígio a autoridade — seja ele o da nossa completa leninização — conforme os votos recentes do Supremo Tribunal da República — o certo é que justiça se fará ainda em relação a esse esforço, a esse imenso sacrifício do Sr. Artur Bernardes, e aos poucos que, interessados ou não no que diz respeito às posições políticas — pouco importa também — souberam ou puderam apreender o sentido geral dos embates parciais mas constantes que parecem ameaçar a integridade nacional.
As arruaças, as ameaças, as injúrias, os doestos deste momento não têm outra significação senão a que está mesmo a entrar pelos olhos dos homens de bom senso, isto é, que o direito político, que o direito público brasileiro já não corresponde às nossas necessidades sociais.
Gazeta de Notícias, 25 de maio de 1927