Jackson de Figueiredo
É um católico quem fala mas confessa: apesar do seu positivismo e dos seus erros de ontem, o Sr. Borges de Medeiros é um dos poucos homens públicos, no Brasil, que, por ter o que se chama senso de autoridade merecem respeito e admiração de quem olhe a política por um prisma doutrinário.
Um anarquista mesmo, se for sincero, render-lhe-á a homenagem de o reconhecer inimigo digno e capaz, porque o que mais envergonha neste país, e está criando a convicção de que somos um povo sem caráter e sem dignidade, é que a maioria absoluta dos nossos políticos, sejam os da legalidade, sejam os da revolução, essa absoluta maioria não sabe absolutamente o que quer.
Dizer que todos esses políticos são uns canalhas é função da imprensa que vive da grossa tiragem de injúria e, evidentemente, uma calúnia.
A verdade é que esses homens não podem fazer nenhum bem, nem ter mesmo atitudes desassombradas, porque não se sentem presos a nenhum compromisso doutrinário, e nada sabem do mundo de ideias que, no entanto, os vai arrastando para o abismo e, assim, só podem ver e sentir o que lhes é mais próximo, isto é, o pequeno interesse pessoal.
O senhor Borges de Medeiros, não; este sabe o que quer, e o sabe, não como teórico do positivismo, mas como homem de ação, como verdadeiro político, que sabe levar a teoria às adaptações da prática, guardando sempre intacta, porém, o que lhe é essencial: a sua visão verdadeiramente hierárquica da sociedade, deste modo respeitada, pelo menos, em relação ao direito natural.
Ora, parece estar na lógica das coisas que surgisse a combater este homem, um outro de quem também se pode dizer que está entre os nossos raros revolucionários, por essência da própria natureza: o Sr. Assis Brasil, a perfeita encarnação da presunção e da revolta, e em cuja acidentada história se revelam todas as características do falso espírito a serviço das mais falsas ideologias.
Só o Sr. Borges de Medeiros tem sabido ver justo, com frieza no olhar, esse esplendor artificial: trá-lo afastado de si, e não discute com ele. Se é força dar alguma coisa a essa raiva patrioteira, dá-lha-á, como parece que fez dessa vez, para gáudio dos patrioteiros do Rio.
Discutir, porém, levar a sério o ilustre revolucionário, como representante de doutrina e de ideias, isto, ele não faz. Sorri ironicamente e deixa o homenzinho pagar aos seus eleitores do modo como acaba de pagar no seu elogio ao eleitorado de Irineu…
Mas haverá neste mundo quem seja capaz de dizer o que quer o Sr. Assis Brasil, mesmo após ter se dado ao triste trabalho de ler uma das suas últimas infindáveis parlengas?
Creio que não. Perece, à primeira vista, que o Chefe Civil da Revolução pede a anistia para aqueles que, de armas na mão, tentaram subverter a ordem legal… Parece… Mas atentemos nas entrelinhas, nas reticências ameaçadoras desse Messias das suas próprias estâncias, e logo ressaltarão as incongruências de quem não sabe o que quer e não se sente seguro da própria situação em que se acha, incapaz, como é, de analisar serenamente os fatos de ordem geral, que dizem das agonias do coração brasileiro, nestes últimos anos.
Assim, o Sr. Assis Brasil joga eternamente com os baratos subentendidos das pitonisas mais céticas, trepado eternamente na sua tripeça de revolucionário bem nutrido, eternamente apto a fazer das palavras, que disse ontem, para provar que trazia bandeira branca, um novo “imbróglio” em que parece afirmar que traz bandeira vermelha, e está disposto a todas as lutas, ou vice-versa…
Este, sim, é o eterno Assis Brasil, assis, assaz Brasil deste momento (perdoem-me o pastiche futurista), todo incoerência, incerteza, insinceridade, pruridos apostólicos e, quando muito, capacidade de farsista, de embromador, nem por isto menos perigoso, porque não há animal mais maligno do que o que ataca com manha.
Este foi o homem que, como pseudo doutrinário do regímen, no único livro seu que ainda se pode ler, teve sempre palavras as mais rigorosas para quem não compreendesse que a República só se consolidaria na medida em que não tentassem resolver suas dificuldades pelos processos revolucionários.
Notemos como ele falava antigamente:
Há ocasiões em que os acontecimentos se refletem na razão popular, invertidos, como as imagens da câmara escura.
É de ordinário nas épocas de superaquecimento da opinião que isso se dá. No julgamento dos fatos, aparecem como atos inspirados no amor à liberdade exatamente os maiores arrojos de tirania, e daí vem a implantação do despotismo pessoal. que a história aponta insistentemente sucedendo a todos os casos de demagogia.
E acrescentava:
No julgamento dos indivíduos não é menos evidente a inversão sofrida pelo juízo popular. Ao homem de princípios, ao que resiste à pressão do grande número, ao que despreza as seduções da popularidade, ou do predomínio, quer dizer — ao verdadeiramente enérgico, chama-se frouxo; ao que nenhum caso faz de compromissos de honra, ao que não tem forças para manter-se nos seus princípios, ao que se presta a ser instrumento das paixões do maior número, ao que se apoia sistematicamente na força material estranha, sem se importar com que ela esteja hoje do lado oposto ao que estava ontem, ao que, enfim, revela em tudo que não tem personalidade, nem, por conseguinte, energia alguma — a esse chama-se forte e enérgico.
Ora, nós estamos, evidentemente, num momento como este descrito e tão bem pressentido pelo Sr. Assis Brasil.
E que faz o ilustre político e teorista da nossa democracia?
Deixa batizar-se Chefe Civil da Revolução e, para remédio aos males da atormentada República, ele só encontra a anistia, não a anistia da clemência, note-se bem, mas a anistia ainda como ato revolucionário, a anistia como resultado da agitação que ele, Assis Brasil, vai mantendo em derredor de um juízo popular em hora de superaquecimento…
Este é o homem que, se ameaça, o mais que consegue é focalizar o vulto irônico, mas perfeitamente tranquilo, do Sr. Borges de Medeiros, e, se, implora clemência, não há bom conhecedor que não se tema de ter em frente a figura sempre temível do falso mendigo.
Não há homem público que não conte muitos erros na sua atuação, máxime num país em que as instituições não dão base, por assim dizer, a espíritos verdadeiramente doutrinários.
O Sr. Borges de Medeiros mesmo, já teve que confessar mais de um erro, e não pequeno, desde o início da agitação em que nos debatemos. Mas, o clássico Homais virá em sua ajuda, como em ajuda de qualquer outro mortal: é dos homens errar.
Coisa diferente, porém, é a vida de um falso espírito, de um demagogo, como o Sr. Assis Brasil com “tremolos” de teorista na garganta… Nela há de tudo, mesmo a verdade, contanto que o ar de espetaculosidade, de fictício entusiasmo, já lhe tenha transformado a essência em veneno, tornando-a coisa puramente pessoal, nota egolátrica e estéril.
Basta uma criatura desta espécie estar ao lado de uma dada causa para se poder afirmar que, se não está para abandoná-la com armas e bagagens, é porque essa causa não é a do bem público, e nada tem haver com a ordem e a paz social…
É justamente o que penso, o que ainda penso sobre a anistia e creio que jamais deixarei de pensar.
Gazeta de Notícias, 08 de junho de 1927