Jackson de Figueiredo
Só ontem pude somar à minha triste experiência deste momento da vida brasileira, o pasmo, a admiração que há de provocar em qualquer homem de bem a maneira como o Juiz Olímpio de Sá e Albuquerque, ante o recurso do Procurador Criminal da República, sustentou o seu despacho de impronúncia dos denunciados da conspiração Protógenes…
Não é que valha a pena discutir os fundamentos dessa impronúncia. O Juiz Olímpio de Sá e Albuquerque teve a coragem, perfeitamente nacional, de considerar inocentes de toda a culpa os cidadãos que queriam salvar o país, após uma salva de 21 tiros do “S. Paulo” e o apagamento das luzes desta formosa capital… Mil revoltosos espalhados por todos os cantos da cidade, de armas na mão, o escândalo público da “hora marcada”, nada disto podia ter valor ante o sensato e corajoso apego à letra, a que se entregou o juiz que devia interpretar a lei, como juiz e não como um cidadão preocupado com a sombra de Fouquier-Tinville…
Pois foi com Fouquier-Tinville, note-se bem, que esta alma angelicamente acaciana se julgou em luta aberta, desde que leu as razões do recurso do jovem Procurador Criminal… Parece incrível! E era, de fato, o que faltava a essa República maravilhosa… o ridículo desta comparação de panfletário mambembe, pingada da pena de um magistrado…
Mas, nem mesmo o macabro deste ridículo esconde a dolorosa verdade: para o Juiz Olímpio a reunião da rua Acre só teve por fim a adoração da República, praticada o mais estoicamente possível, em casa vazia, de cócoras, com certeza, porque não havia cadeiras… Assim notou Eça, que alguns indígenas adoravam Portugal em certa ilha perdida no Oceano Índico, e ao Juiz Olímpio, como se vê, não esqueceu a observação do romancista.
Mas, francamente, o que admira, o que causa pasmo e assombro, não é, como já disse, a grossura dos vidros usados pelo digno juiz diante de qualquer fato que possa ter significação revolucionária e inspirar ganas aos fantasmáticos Fouquier-Tinvilles, que perturbam a sua justiceira digestão. O que provoca espanto é, pelo contrário, a sua acuidade, o seu senso de penetração em matéria de interesses pessoais, por parte de magistrados que ousem ser um bocadinho menos cegos em relação a conspiradores e conspiratas…
Se, por exemplo, um tal magistrado visitar o Sr. Presidente da República, pouco antes de exercer esta ou aquela ação repressora, é quase certo que para o juiz pronunciante o seu colega foi ali tratar de aumento de vencimentos ou coisa que o valha… Se, por acaso, exerci, interinamente, uma função quem, em seu exercício, se mostra zeloso e entusiasta, não há a menor dúvida que esse funcionário busca somente a efetividade, e, justo, é isso o que acaba de insinuar relativamente ao jovem Procurador Criminal interino…
Ora, a objetivação de semelhante capacidade crítica, em autos judiciais, é coisa que realmente edifica ou escandaliza, conforme o ponto de vista em que se coloquem simples espectadores como eu. Edificante, se no Juiz Olímpio, como artistas, nada mais procuramos que a confirmação da tese de Mejia… Escandalizante, se o que queríamos ouvir era a palavra de um juiz, de um juiz a quem foi dado julgar de um dos muitos crimes que singularizam esta fase da nossa história, de um juiz, enfim, que devia saber respeitar na pessoa do colega, que defende os interesses da sociedade brasileira, uma mocidade que já soube se impor pelo caráter, pela inteligência, como um dos mestres da reação antirrevolucionária em nosso país.
O Juiz Olímpio preferiu, a razões de ordem jurídica e moral, em favor dos seus caros impronunciados, acusar o Procurador interino de ambicionar a efetividade e de, no ardor desta ambição, juntar as mais cruéis injustiças para com os angélicos supostos conspiradores, os mais baixos processos de adulação aos poderosos.
Insinuar um tal juízo em autos de um processo, em que estava em jogo a sua habilidade profissional, é, a meu ver, ter mais coragem que a que lhe fora preciso para a pronúncia dos conspiradores.
O “CORREIO DA MANHÔ já lhe deu os parabéns e aqui estou nas águas do corsário… Não quero que lhe falte o meu aplauso, o meu incitamento a mais nobres atestados da sua nítida compreensão da justiça. Não tenho, aliás, a menor dúvida de que há de ir ainda muito longe e chegar a muito alto. A República Brasileira lhe abre os braços, entre carinhosa e pudica, como a filho que lhe sabe sentir o feminino coração e a alma poética…
E depois do caso da Revista, só mesmo um louco pode duvidar que é dos nossos tribunais que sairá o Messias, o Salvador da nacionalidade.
O caso Protógenes foi, talvez, a prova suprema de que as forças armadas faliram neste sentido.
Há de ser dos tribunais, há de ser de um homem como o Juiz Olímpio, de uma criatura assim, incapaz de interesses, inimiga da popularidade, inimiga de Fouquier-Tinville, inimiga dos poderosos, amiga decidida da verdade: há de ser de uma criatura assim, como o Juiz Olímpio, que a salvação surgirá e sem precisar anunciar-se com salvas de 21 tiros e trevas, se assim se pode dizer, artificiais…
Gazeta de Notícias, 7 de abril de 1926