Jackson de Figueiredo
Coincidindo com a ainda pouco esclarecida condenação da “Action Françalse”, tive notícia de que, numa revista desta Capital, o Sr. Marius André, um escritor estrangeiro, honrando-me com a sua atenção, aponta-me, no entanto, como representante, no Brasil, do movimento reacionário chefiado em França por Charles Maurras.
Dado que não é a primeira vez que se diz a mesma coisa a meu respeito, e, em meios católicos, sei que, sobre o caso, muito se boqueja e murmura, vejo-me forçado a dizer que não é verdadeira a asserção fundada unicamente em meras aparências.
Da obra do Sr. Marius André só conheço, infelizmente, o magistral prefácio à sua tradução do livro de Laureano Vallenilla Lanz, sobre o “Cesarismo Democrático na América”. Basta esse prefácio para convencer de que não é um ignorante do que se passa na América. Mas ele mesmo se evidencia que muito lhe falta ainda do conhecimento do que somos, e principalmente, do que somos, nós, brasileiros, no conjunto da atividade política do Continente. Acho, pois, perdoável, que o Sr. Marius André tenha da corrente de ideias que represento no Brasil, uma noção falseada pela distância e não menos pela sua evidente simpatia por tudo quanto possa servir ao seu senso positivista.
Também os que aqui mesmo, mais de uma vez, me têm designado como “discípulo de Maurras”, só o têm feito, a não ser nos raros casos de aliança de má fé com ignorância, por simples, quase total desconhecimento do que é a “Action Française”.
Seja como for, porém, o que julgo necessário é uma clara e precisa afirmação que, como católico, devo aos católicos em geral, e, em particular, à gente moça que me tem denodadamente ajudado na obra de expansão do espírito contrarrevolucionário, a que, de fato, tenho dado todas as energias do meu coração e da minha consciência.
Esta afirmação é a seguinte: não existe nenhum laço moral ou intelectual que diretamente me ligue à “Action Française”, nem há filiação do meu pensamento ao de Charles Maurras, como doutrinário da Contrarrevolução.
Devo a Tristão de Athayde as relações que mantenho com um dos fundadores da “Action Française”, o Sr. Louis Dimier, mas estas relações só se travaram quando o autor de “Les Maitres de la Contre-Revolution” já se desligara completamente do grupo chefiado por Maurras, e se desligara justamente por não concordar, como católico, com certas atitudes morais dos doutrinários mais em destaque do referido grupo.
Quanto à definição histórica do meu pensamento, e dos seus pontos de contato com a doutrinação de Maurras, é também fácil esclarecer de modo cabal aos homens de boa fé.
Politicamente, ainda mais me aproximo dos chamados integralistas portugueses do que da “Action Française” e, no entanto, a nenhuma das duas correntes devo ponto algum de doutrina, pois só nos ligam as ideias gerais antirrevolucionárias, isto é, a reação contra a democracia, o liberalismo, o “primarismo”, enfim, para falar como Maurras, e que se pode resumir dizendo: a feição cristã, católica, da luta contra o individualismo, em geral, que é também combatido por muitas outras correntes modernas alheias, ou que como tal se apresentam ao pensamento da Igreja.
“Um dos traços mais característicos do nosso tempo – diz Georges Gay-Grand, no seu “La Philosophie Nationaliste” – é, certamente, para o historiador das ideias, o ataque dirigido da direita e da esquerda, com argumentos divergentes na sua origem, mas convergentes nos seus efeitos, por adversários igualmente resolutos, contra a democracia”.
Eis, pois, o que constitui uma aparência de identidade entre o pensamento de Maurras e o meu: o nacionalismo como resultante da reação contra os dogmas liberais, essencialmente corrosivos e desmoralizantes do espírito patriótico, isto é, da unidade nacional.
Mas, neste ponto, não é a Maurras ou à “Action” que tanto eu como os integralistas portugueses, por exemplo, devemos o que se pode chamar a nossa filosofia política. Bebemo-la, todos, e não somente nós, mas também Maurras, e até mesmo o seu mestre Augusto Comte, na corrente filosófica que, com caráter eminentemente católico, se formou logo em princípio do século XIX, tendo como guias e mestres a Joseph de Maistre e de Bonald, e mais a ajuda de vultos como os de Chateubriand, Lamenais, Bautain e tantos outros.
Não é, pois Maurras o inspirador, mas, como eu, o inspirado pelo pensamento maistreano, bonaldista, etc., e, a esta altura, a diferença que há entre ele e eu é somente a que há entre o homem de gênio europeu e um simples escritor e jornalista brasileiro.
Também a ele, positivista e agnóstico, no domínio da filosofia geral, e a mim, católico, apostólico, romano, em todos os domínios em que se mova o meu pensamento, a ambos digo, cabe a mais completa liberdade quanto a formas de governo e ideias propriamente políticas. “Nesta ordem de ideias – disse Leão XIII, em documento pontifício – os católicos, como todos os cidadãos, têm plena liberdade de preferir uma forma de governo a outra, precisamente porque nenhuma destas formas se opõe, em si, aos preceitos da sã razão ou às máximas da doutrina cristã.”
Com simplicidade pode-se dizer, resumindo toda a complexíssima questão, que Maurras e os dirigentes da “Action Française” têm arvorado mais de uma vez a máxima caracterizante do maquiavelismo de que os “fins justificam os meios”.
É claro, é evidente, não admite vacilações a oposição que daí resulta entre maurristas e todos os que, verdadeiramente conscientes das suas responsabilidades, se apresentam como filhos obedientes da Igreja.
O fato de um católico adotar as ideias monárquicas, as ideias antidemocráticas “adotadas” também pelos principais chefes da “Action Française”, não quer dizer que ele aceite integralmente a doutrina, fundamentalmente cética, deste grande pensador político do século.
Se, no Brasil, tenho muitíssimas vezes jogado com o nome do grande animador do movimento antidemocrático francês – eis o que é ponto principalíssimo a ter sempre em vista – é porque, dada a influência do positivismo na fundação desta triste República – círculo vicioso de revoluções e motins repulsivos – nenhuma autoridade maior que a de Maurras para escarmento da degeneração comtista, que aqui se tem feito notar pelo seu amor a todos os arbítrios da massa semi-incosciente e do militarismo anárquico e anarquizante.
Quanto ao mais, fica-me o direito de fazer o seguinte desafio, principalmente aos católicos que se julguem mais autorizados a repelir as ideias, ou melhor, a doutrina que politicamente tenho defendido como católico e parcela consciente da cidadania brasileira: indiquem o ponto de doutrina, o conselho meu, a ideia por mim expendida, que possa merecer a condenação da Autoridade Eclesiástica.
Nada de combatezinhos à surdina. É proceder catolicamente, às claras, provocando, deste modo, o próprio pronunciamento de quem de direito.
Gazeta de Notícias, 8 de dezembro de 1926