Jackson de Figueiredo
São do voto do ministro Arthur Ribeiro no “habeas corpus” requerido para comemorar o 3º aniversário da morte de Lenine, considerado pelos pacientes “exemplo dos contemporâneos e à posteridade”, as seguintes palavras:
“Está em causa o direito de defesa social contra elementos francamente subversivos da ordem, e a polícia faltaria ao mais rudimentar dos seus deveres, se não ficasse atenta para acautelar e garantir eficientemente esse direito, intervindo oportunamente para impedir que aqueles elementos, abusando do regime livre dos nossos institutos políticos, se aproveitassem, com o fim de destruí-lo das liberdades que as nossas leis asseguram a todos, indistintamente.”
A essa situação suicida de indiferença ou até de respeito e de fornecimento de garantias em face da propaganda subversiva que os pacientes planejaram fazer em nosso país, nenhum regime se acomodaria, máxime o regime soviético, se vingasse, dada a concepção que tem dos princípios fundamentais da sociedade e principalmente do direito, que, segundo essa concepção, é apenas um instrumento de luta.
Nos princípios diretores do direito penal da R.S.F.S.R, de 123 de dezembro de 1919, encontra-se esse conceito, exposto sem rebuço.
Ali está escrito:
“O governo dos soviets, querendo instaurar o regime comunista na Rússia, recorreu, nesse intuito, à ditadura. Depois de ter quebrado definitivamente a resistência da burguesia e das classes médias e terminada as construção do edifício comunista, o proletariado destruirá o estado de violência organizado porá fim ao direito, como função do Estado.
Em esperando o direito, e em particular o direito penal, servirá de instrumento de luta.
O Estado burguês também possui leis de combate. Mas, elas visam fins particulares e constituem uma ínfima exceção. No Estado burguês, a luta entre particulares e as classes se desenvolve sob formas pacíficas, aos olhos de um governo, inspirado pelo princípio da igualdade dos direitos pertencentes às diversas categorias sociais. Ao contrário, o Estado soviético declara e organiza a guerra da classe dos trabalhadores contra os seus antigos opressores, os burgueses. Ele não reconhece a todos os cidadãos direitos iguais; favorece os proletários relativamente aos possuidores.”
Com essa concepção do direito, seria pueril supor-se que o regime soviético, triunfante, tolerasse uma reunião dos denominados burgueses para propugnar pelo restabelecimento do regime atual de garantia de todos os direitos e de proteção a todas as liberdades.”
Não esqueça a sociedade brasileira, se é que ainda existe, que este voto foi vencido…
Quem o leia, porém, com a consciência de ainda pertencer a esta sociedade, tal como se organizou por circunstâncias históricas, que não vem ao caso agora analisar, há de reconhecer que no juiz que assim se exprimiu, há de fato um defensor do verdadeiro Brasil, do Brasil que conquistou há um século o direito de ser Estado livre e digno do respeito de todo o mundo civilizado, isto é, do mundo cristão.
Não me cabe aqui dizer o que valem os votos vencedores nesse debate que, tendo passado quase despercebido, foi, no entanto, a meu ver, dos mais sérios que tem travado a consciência da ordem social brasileira com os princípios deleterios da anarquia, que tais alturas, como se vê, vai conquistando…
Creio que o que eles ficarão significando. Já está perfeitamente dito e perfeitamente desenhado, não só nas palavras, mas também nas graves sugestões facilmente apreensíveis nesse voto vencido, que vale, porém, como uma das mais belas vitórias da coerência, na vida de um homem que, há muito tempo, tem conseguido impor-se como expressão de caráter e força de resistência dos elementos constitutivos da nacionalidade.
O Sr. Arthur Ribeiro certamente não se terá surpreendido com mais esta vitória de Lenine em nossa terra… Esta trouxe o rótulo às claras… Pequena a diferença, pois.
Mas, no Brasil, de que foi banida a Monarquia ultra liberal, porque nós já estivéssemos adiante ou acima da Inglaterra, mas simplesmente porque a Monarquia não era… República, neste formoso Brasil destes últimos trinta anos, a palavra revolução é mais da palavra exercito (!), e são os jornais de burgueses – de burgueses podres de ricos – que fazem a propaganda mais eficiente de toda espécie de leninismo…
Que surpresa pode haver que os máximos intérpretes da Constituição – que garante tudo isto – contribuam também um pouco mais diretamente para a nossa perfeita leninisação?
Pode ao Sr. Arthur Ribeiro caber maior satisfação que as que lhe deu já a sua própria consciência, após o dever cumprido?
Creio que não. Não quis, porém, que lhe faltasse o aplauso de um humilde homem de bem, mas, que tem pelo menos, um ponto de contato com a sua admirável personalidade de combatente em prol do Brasil organizado: o de já ter sido, muitas e muitas vezes, voto vencido, em questões como estas…
Gazeta de notícias, 18 de maio de 1927