Jackson de Figueiredo
Alguns jornais têm disfarçado os seus dissabores, ante as últimas atitudes do sr. General Barbedo, com elogios ao caráter e ao passado desse ilustre militar, cujo espírito de disciplina tem sido, ao que dizem, exemplo sempre edificante, desde aquela última rubescência do nosso militarismo, em que ganhou juízo o sr. Lauro Sodré.
Deus os proteja e os conserve na rede de ouro dessa convicção. De mim, não vejo perdão para o soldado que, mais ousada ou menos ousadamente, se faça campeão de revolta e indisciplina. Desliga-se completamente do que é essencial à vida militar, e só merecerá, a par do castigo da autoridade, a lástima dos seus concidadãos.
Mas essa questão da respeitabilidade da gente que combate o candidato da Convenção Nacional, pode ser posta em termos mais sérios. Realmente, do lado da dissidência há gente, cujas opiniões merecem acatamento, porque, a uma posição reconhecidamente política, na vida social do país, alia qualidades de caráter também reconhecidamente honesto.
É este o caso do sr. Borges de Medeiros, por exemplo, a quem, com seriedade, suponho que ninguém negará prestígio político e honradez pessoal.
Parece mesmo que o ridículo desta campanha, só alcança o sr. Borges de Medeiros, por isto que é em verdade, espetáculo absolutamente inesperado, a quem tem dois dedos de conhecimento das coisas nacionais, ver o sombrio mas eminente chefe gaúcho “bras dessus, bras dessous” com o sr. Nilo Peçanha, a cujo irritante pernosticismo só mesmo a democracia de avenida e o tenentismo “revenant” podem corresponder de modo essencial e duradouro.
Mas o sr. Borges de Medeiros, ou melhor, a sua atitude, neste momento, é a explicação mesma de todo esse movimento da chamada Reação Republicana.
De fato, todos os erros, sejam quais forem, têm sempre uma feição comum: o horror da ordem. O erro, como dizia o grande inspirador do próprio A. Comte, é cisma do ser, e este só dentro da ordem pode ter o seu desenvolvimento normal.
O sr. Borges de Medeiros é, há muitos anos, o representante da desordem organizada, no seio da Federação.
A ordem, ou melhor, a paz que há no Rio Grande não é a que é garantida pela República, mas uma outra, e há de passar, e vai custando àquele nobre povo do sul o jugo de um governo injustificável diante da magna lei que rege o Brasil.
O sr. Borges de Medeiros sabe perfeitamente que a população riograndense não é o seu corpo de eleitores nem a sua brigada policial. É preciso, por isso, manter, custe o que custar, o prestígio da sua temibilidade ante as forças que governam este mesmo Brasil, e não dói ao amante das “pequenas pátrias” que a grande pátria governem ou desgovernem cabideiros do mais chilro democratismo, contanto que por lá não respire o federalismo, nem lhe escape, a ele, Borges, o bastão domador daquela bravia gente.
Eis aí está este pasticho comtista do velho Francia, de dentro da sua casa muito bem ordenadinha, a prestigiar a capoeiragem e a impudicícia política dos que querem fazer do resto do Brasil cenário de tropelias e escritório de falsificações e desrespeitos ao pudor da nossa sociedade.
Muito pode neste mundo o amor do mando, mesmo no coração de um homem honesto!
Enganou-se, porém, desta vez, o ilustre avô dos nossos tiranetes.
Nem à Dissidência caberá vitória, no terreno da lei, em luta eleitoral, séria e serena, como desejamos, nem pela força de uma revolução, como só lhe resta desejar.
Verá o sr. Borges de Medeiros que, no seu desenvolvimento, esta tragédia se transformará em comédia, de insultos aos nossos costumes, mas afinal comedia. O próprio sr. Barbedo já recebeu a sua severa repreensão, e deve estar, a esta hora, a gozar das delícias do generalato, numa terra em que, por mais provocado, ainda se implantou o bolchevismo.
A revolução branca, esta, sim, aí está no seu auge, para gaudio de inquietos e esperanças da desonestidade. Mas tudo leva a crer que branca será até o fim. A “procissão na rua”, já não é mais possível neste país, neste país em que, graças ao próprio progresso material, andam mais ocupados os homens de bem, e já se deslocou a força, realmente senhora dos nossos destinos, das mãos de meia dúzia de exaltados para as da enorme massa de criaturas moderadas, a quem devemos todas as conquistas pacíficas da nossa civilização.
Àquela República, que cheirava a quartel e a positivismo, era lógico que, para sobreviver, a substituísse a nação pela República de hoje, com defeitos, não resta dúvida, mas, dentro mesmo das leis forjadas sob a pressão do militarismo sectário, interpretadas agora com calma e espírito mais largo, capaz de contentar ao país e resistir às novas investidas dos “ratés” sobreviventes do nosso, aliás sempre frágil, caudilhismo de dragonas.
Olhe e meça quem quiser a estrutura mental dos figurões que o sr. Edmundo vai empurrando para a cena iluminada pela estrela Oldemar.
É tudo gente peca, fantasmática e ridícula, a falar uma linguagem que quase mais ninguém, do nosso escol social, compreende ou repete.
Vem essa gente daqueles ominosos tempos em que no Exército e na Marinha não seria possível a “Benção das Escadas”.
Ela, essa pobre gente, nem vê que em derredor já é outro o espírito público e o da própria classe a que pertenceu ou, por vagar do tempo, ainda pertence.
E lá vem a infeliz Clotilde de Vaux, e ainda mais infeliz Augusto Comte a escudar-lhe as bobagens de todos os tamanhos. Não é que saiba mesmo, a sério, coisa alguma dessa tão maltratada quão nefasta doutrinação positivista Os quatro ou cinco positivistas de verdade que aainda existirão no Brasil, serão gente mais odienta, mais violenta, de fato ― apesar de todas as suas fraternidades ― mas, ao menos, desde que falam, logo se lhes reconhecem ódios mais fundos, maior gravidade de linguagem e força de reflexão.
Esses que aí vão buscando reavivar o tenentismo de antanho ― coitados! ― não há muito que deles temer a nação. Não passarão da revolução branca e dos sonhos ministeriais ― ou, quando de pior espécie, tudo farão para que Oldemar venha a ter uma página na história desta República, a que já não compreendem, porque ela evolveu e eles ficaram sendo o que sempre foram: mentalidades de gato, mais instintos que propriamente mentalidade, facilmente eletrizáveis, anti-sociais, no fundo, felizes quando podem arranhar. Só fazem pena.
Não compreenderão nunca estas palavras do sr. Assis Brasil, mais republicano histórico, ele só, do que todos eles juntos:
“A primeira e essencial virtude de um povo democrático está em acatar, sofrer, se quiserem, o império da lei, por mais que esta desagrade, e só modificá-la pelos meios que a lei mesma indicar”. Jamais as compreenderão. Dirão mesmo, talvez, que o sr. Assis Brasil já estava vendido ao sr. Artur Bernardes quando, em 1896, as escreveu.
Depois que se vos escuta ou lê, só uma frase nos lembra, que bem define as suas relações de inteligência com o que quer dizer Estado, Governo, República, ordem, lei, progresso social.
Aquela mesma que ouviu um dia de certa veneziana o desditoso Jean Jacques:
Zanetto, lascia, le donne e studia la matematica…
O Jornal, 19 de fevereiro de 1922.