Miguel Ayuso*
Revista Verbo, núm. 559-560 (2017), pp. 869-909.
Preâmbulo do tradutor
Iniciando uma nova série de artigos em nosso site sobre a tradição política católica, trazemos um extenso estudo do jurista espanhol Miguel Ayuso sobre a ação política dos leigos nos séculos XIX e XX, especialmente sobre as debilidades dos movimentos católicos que pouco a pouco aderiram ao liberalismo até a capitulação da democracia cristã, para então elogiar a Cidade Católica, uma nova via para o catolicismo antiliberal criada pelo francês Jean Ousset após a Segunda Guerra Mundial, cujo eixo central era a defesa da doutrina tradicional da Realeza de Cristo a partir de uma ação capilar de variados grupos de leigos.
Evocar a história dos movimentos políticos católicos é uma forma de nos conectarmos à tradição contrarrevolucionária, a christianitas minima, para usar uma expressão do próprio Miguel Ayuso, ao menos para contemplar e aprender com seus acertos e erros. Assim como não pode haver recristianização de uma pátria desprezando suas tradições católicas e sua vocação particular, dificilmente se sustentará um apostolado pela Realeza de Cristo que ignore as diferentes experiências do passado, especialmente em países com histórico de movimentos tradicionais mais organizados e perseverantes, como a Espanha, que nos é cara também por ter formado com Portugal, da Reconquista à cristianização da América, a Cristandade ibérica.
Com esse intuito, publicamos este artigo, que ademais é rico em apontamentos e indicações do Magistério antiliberal da Igreja e de obras de tradicionalistas renomados, constituindo assim um ótimo roteiro de estudos mais aprofundados sobre a doutrina política da Igreja, os erros que a contrariam e como eles triunfaram no mundo moderno e em grandes setores da própria Igreja.
[*] Miguel Ayuso Torres é um jurista e filósofo do direito espanhol, catedrático da Universidade Pontifícia Comillas, presidente do Conselho de Estudos Hispânicos Felipe II, diretor das revistas Verbo e Anais da Fundação Elías de Tejadas e autor de mais de vinte livros e cerca de quatrocentos ensaios.
- Incipit
- O “movimento católico” ante o Estado liberal
- O “partido católico”
- A política do ralliement e seu fracasso
- Da Ação Católica à democracia cristã
- A democracia cristã na Espanha
- O desejável fracasso da democracia cristã na Espanha
- A Cidade Católica e sua novidade
- A Cidade Católica na Espanha
1. Incipit
Liberdade religiosa ou liberdade política. Essa disjunção, apresentada de maneira tão mordaz quanto provocativa por don Álvaro d’Ors, esconde a encruzilhada política dos católicos (1). Antes da revolução liberal, com todas as debilidades resultantes do pecado original, a res publica christiana assegurava a encarnação social do Evangelho, deixando amplo espaço para a liberdade política (2). A revolução liberal, por outro lado, no caminho da revolução religiosa que foi a pseudo-reforma da qual se passaram quinhentos anos (3), com a secularização de ideias e, consequentemente, das instituições, produzida a partir da afirmação da liberdade de consciência e religião (4), obrigava de alguma forma os católicos a perder a liberdade política se quisessem conservar o peso de sua ação temporal.
É curioso que nos encontremos novamente na presença dos dois termômetros donosianos. Embora desde outra perspectiva e com outro conteúdo. Pois o que no pensador dos oitocentos era uma visão desde dentro, na tensão íntima entre a voz da consciência e a constrição do poder como fatores de repressão das paixões desordenadas (5), na dos novecentos é uma visão externa da situação dos católicos à margem do regime de Cristandade.
Já foi dito –é o chamado teorema de Böckenförde, evocado por Ratzinger em seu debate com Habermas (6)– que o Estado liberal se assenta em bases que não está em condições de garantir. E é verdade. Mas também é –e por sua vez não se insiste nesta segunda parte– que o Estado liberal se aplicou com denodo a destruir essas bases. Daí que ao decorrer do tempo, tendo ido minando o solo em que se assentava, que não era outro senão o que restava da civilização cristã, tem provocado apenas um vácuo crescente. Renan vislumbrara: vivemos cada vez mais da sombra de uma sombra (7).
Sobre todas essas coisas voltaremos nas páginas a seguir.
2. O “movimento católico” ante o Estado liberal
O liberalismo perseguidor da Igreja teve que ser confrontado por vários meios. Às vezes belicamente, reação espontânea dos povos católicos; outras com meios políticos, geralmente após a derrota bélica, às vezes repetida. As experiências históricas de diferentes países foram em ocasiões sensivelmente diferentes. Embora também se deram elementos que as unem. Um deles foi o surgimento do liberalismo católico, que não é senão o resultado do intento de (pretender) reconciliar a Igreja com o liberalismo (8). Aquela, que não deixou de condenar a este nos termos mais claros e severos, fez o mesmo com o liberalismo católico (9). Mas o desígnio “acordista” não deixou de alentar e até de se infiltrar no seio das forças antiliberais por outras vias, protegidas das censuras romanas e episcopais. É o que se vê na história dos “movimentos católicos” e dos “partidos católicos”.
Não é fácil descrever como esse fenômeno ocorreu. Está claro, por um lado, que o desaparecimento ou ao menos o enfraquecimento da união entre Igreja e Estado, apta em si mesma para produzir (como geralmente ocorria) uma atmosfera de espírito cristão em torno da vida (10), deixou vagante um regime de separação mais ou menos completo, em si mesmo expressão de um “pernicioso princípio” conducente (como de fato conduziu) ao ateísmo da sociedade (11). Mas, por outro lado, o advento da nova situação parecia oferecer à Igreja novas possibilidades de vida e expansão, seja –como foi escrito– emancipando a consciência católica das garras da tirania opressiva dos Estados protestantes, seja libertando sua hierarquia nos próprios países católicos do peso de arraigadas tradições, também “laicizantes”, do regalismo e do cesarismo galicano e josefinista (12).
Foi precisamente o desejo de tirar proveito dessas circunstâncias, além de repelir os riscos da nova situação e empreender, em todo caso, “a tarefa delicada, mas necessária e urgente, de manter a fé católica presente e vigente em um mundo que empreendia um caminho de descristianização da vida social, de servir-se também para isso dos meios de ação e de luta que o novo regime oferecia” (13), o que deu origem aos “movimentos católicos”.
A análise do professor Francisco Canals é de grande profundidade e agudeza. Ele observa que, se esses propósitos servem para definir a atitude daqueles que se lançaram na nova sociedade “ao combate pela causa de Deus e da Igreja”, explicam também em certo sentido o “caráter” geral dos desvios que ocorreram ao longo de uma história complexa: «Às vezes o entusiasmo pelas possibilidades oferecidas pelo novo regime serviu para nos fazer esquecer que se tratava, sim, de trabalhar no mundo moderno, mas, diríamos agora, “para um mundo melhor”. Antes, e também desgraçadamente depois, de que a palavra pontifícia apontasse o caminho e a meta, foi esquecido às vezes praticamente o propósito de “instaurar tudo em Cristo”, de dar à sociedade “a paz de Cristo no Reino de Cristo”, conforme ordena a divisa proclamada insistentemente pelo “Papa da Ação Católica” ao apontar sua finalidade e objetivo. O esquecimento desse imperativo cristão facilitou atitudes de conformismo com os princípios errôneos que inspiram a vida das sociedades modernas. Outras vezes, a uma inconformidade implacável às condições atuais da sociedade, foi unida uma confiança utópica em transformações sociais mais violentas, confundindo o avanço em direção à ordem cristã com radicais ações revolucionárias profundamente anticristãs. Exemplos abundantes de ambos os tipos de desvio foram dados. Se quisermos, de uma maneira um tanto esquemática, mas não inexata, especificá-los historicamente, poderíamos ver aquela primeira atitude “conciliatória” –frequente em setores “conservadores” e direitistas– no catolicismo liberal que na época de Pio IX constituía a “oposição” à atitude da Santa Sé, de luta enérgica contra os erros do liberalismo; o radical progressismo social, cujos erros Pio X teve de condenar no Le Sillon e que tão abundante descendência tem tido, por sua vez, nos oferece um exemplo típico de uma posição “intransigente” revolucionária e esquerdista» (14).
Esse parágrafo contém um número não pequeno de referências que se estendem por mais de um século, entre meados do XIX e do XX, e que convém ir detalhando.
A primeira é a do “ultramontanismo liberal”. Parece um oxímoro. Como foi estudado amplamente o desígnio do diário L’Avenir e seu inspirador Lamennais, clérigo francês que, de posições contrarrevolucionárias na superfície (embora tocadas pelo romantismo e cheias de erros doutrinais de fundo), passou a defensor da liberdade moderna e a converter-se, finalmente, incluso formalmente, em heresiarca (15), condenado com particular severidade pelo papa Gregório XVI, bastará para resumir: a separação da Igreja e do Estado é posta por obra das doutrinas romanas. A Igreja devia, portanto, renunciar a todo reconhecimento público de sua autoridade exclusiva, abandonando o regime de união e a situação legal estabelecida pela concordata napoleônica. A ideia, apesar de absurda, não deixa de ser compreensível. Que é absurda não é juízo próprio, pois é dado encontrá-lo algum tempo depois em Leão XIII, e nada menos que na encíclica em que recomendava aos católicos franceses o acatamento à República: “Não nos deteremos em demonstrar quão absurda é a teoria da separação […]. Porque, de fato, querer que o Estado se separe da Igreja seria, por consequência lógica, querer que a Igreja se veja reduzida à liberdade de viver de acordo com o direito comum de todos os cidadãos” (16). Os fatores que influenciaram essa posição foram variados. Por um lado, a situação –vista com entusiasmo– da Igreja nos Estados Unidos (17), o sucesso da emancipação dos católicos irlandeses, a Constituição belga produto da aliança entre liberais e católicos liberais. Por outro, as concessões da Monarquia legítima restaurada à Revolução, a ponto de extremar o juízo até condenar como galicanos todos aqueles que se opunham ao regime de separação. Nesta situação –continua nosso autor– Lamennais foi evoluindo em direção a uma linha de conduta que na verdade diferia diametralmente da seguida pela Santa Sé: “Esta temia o transbordamento do sectarismo liberal pelo triunfo da revolução, e não podia colaborar com sua ação para enfraquecer a monarquia; em vista disso, manteve uma atitude de certa transigência em relação ao galicanismo do clero “legitimista”. Lamennais, intransigente anti-galicano, acreditou que combater o galicanismo era a tarefa mais urgente; partindo dessa posição na qual o inflamou a violência da polêmica, abandonou a causa legitimista [1] e passou a considerar necessário não apenas que a Igreja retirasse qualquer compromisso com a monarquia, mas também buscasse uma aliança com o liberalismo revolucionário” (18).
A segunda, que deveria abrir-se após a condenação da anterior, é a das atividades que se fizeram necessárias à medida que a separação política entre Igreja e Estado penetrava na vida civil, aproveitando frequentemente o reconhecimento legal das “liberdades” de culto, de expressão ou de ensino, e que tomaram o nome de “católicas” por dirigir-se expressamente a manter vigente uma presença da fé católica na vida social (19).
3. O “partido católico”
O professor Francisco Canals, novamente, resumiu-o com linhas decididas: “Na Bélgica, após sua independência pela revolução liberal de 1830; na França, durante a monarquia orleanista, buscando os católicos defender sobretudo a liberdade de ensino naquela situação constitucional, prescindindo para isso do atavismo “legitimista”. Surgiu ali a fórmula da independência da causa católica frente às causas políticas; mas a contaminação liberal deu ocasião a que, sob esse pretexto, a causa católica tendesse a se identificar com o serviço ao liberalismo, em ruptura com as tradições da sociedade católica pré-revolucionária. Alguns líderes notaram que, sob o pretexto de tornar a Igreja independente da política tradicional, ela se colocava a serviço das revoluções” (20).
Vale a pena ilustrar mais amiúde o aqui afirmado. De fato, a partir do partido dos catholiques avant tout, vai avançando o liberalismo católico que, com o tempo, desembocou na democracia cristã. Não é surpreendente, pois primeiro se põe entre parênteses (para fazer passar –se diz– o que une acima do que divide) a opção política (mais ou menos) legitimista, oposta claramente, embora nem sempre eficazmente, ao “novo regime”, para tornar-se uma defesa “pura” da Igreja, ou seja, separada das condições que surgem das demandas da convivência humana e condenada, portanto, ao fracasso, uma vez que o dinamismo da ordem natural não é substituído por fideísmos ou escatologismos. Ao substituir a defesa política da Igreja por uma limitada campanha a favor da liberdade de ensino daquela, certamente impossível sem apoio institucional, esse partido católico já é, portanto, democrata-cristão ante litteram, pois ao não combater e questionar o tecido da revolução liberal se faz objetivamente responsável por sua instauração e (enquanto não seja uma contradictio in terminis) consolidação.
Na França, que efetivamente foi a adiantada na história dos “movimentos católicos” e em suma seu modelo, o parti catholique, evoluirá logo em direção a esse rumo, embora alguns –ao perceberem a apostasia iminente– se estabeleçam em uma espécie de ultramontanismo antiliberal em seus princípios, mas súcubo do liberalismo e por fim infértil em sua ação, reduzindo-se a um mero grupo de pressão no seio das instituições republicanas (isto é, democráticas), ou outros voltaram finalmente à ação política legitimista (21). Haverá quem ainda passará sucessivamente por ambas posições. Poderia ser apresentada aqui a evolução de Louis Veuillot, primeiro após a revolução de 1848, depois após o fiasco do Segundo Império, bem como as influências recíprocas com o espanhol Donoso Cortés (22).
Se transladarmos a matriz para o mundo hispânico, com respeito aos antigos reinos ultramarinos convertidos em repúblicas independentes, apenas a primeira das opções será possível e a inanidade do catolicismo político virá precisamente de sua redução ao ultramontanismo (23). Na Espanha, ou o que restou dela, por outro lado, o peso do carlismo [2] será tal que boa parte das energias do catolicismo político se concentrarão nele, deixando fora apenas o catolicismo explicitamente liberal dos (liberais) “moderados”. De fato, os casos de personalidades isoladas, por relevantes que foram, como as de Donoso ou Balmes, não impedem o juízo anterior, uma vez que a genialidade do primeiro residiu –à margem de sua afiliação dinástica liberal (isabelina)– no antiliberalismo cerrado de seus últimos anos, enquanto o fracasso do segundo –deixando de lado as discussões sobre sua posição dinástica– foi devido à intransigência anticarlista dos liberais moderados. Nenhum dos dois, no entanto, trataram de criar um “partido católico” (24). Além disso, o diplomata da Estremadura [Donoso Cortés] teve um papel importante na evolução antiliberal do partido católico francês (25); enquanto o padre catalão [Jaime Balmes] –após torna-se impossível o casamento do filho de Dom Carlos com Isabel– encerrou seu jornal, apesar dos protestos em contrário do marquês de Viluma, sem levantar a bandeira de um partido indiferente ao problema dinástico (26).
Somente a facção dos “neocatólicos” poderia equiparar-se com algo semelhante a um “partido católico” não liberal, embora –nos termos geralmente vistos– funcional ao liberalismo. Contudo, já antes da revolução de 1868, e sem a menor dúvida depois, a maior et sanior pars de tal corrente acabará por reunir suas águas ao leito do carlismo (27). De maneira que a intentio, para voltar a emergir, terá de aguardar a derrota deste na terceira guerra [a Terceira Guerra Carlista (1872-1876)], novamente a serviço da impossível consolidação do regime liberal, desta vez graças ao trabalho de Cánovas. Para isso, o instrumento não será outro senão a Unión Católica de Pidal y Mon (28). Embora o próprio Partido Nacional Católico, conhecido como “integrista”, liderado desde 1888 por Ramón Nocedal, depois de se afastar do tronco do carlismo, não deixava de ter alguma responsabilidade. O que ocorre é que o claro traço antiliberal deste último, comparado à permanente mão estendida do primeiro, quase sempre em atitude pedinchona, em relação ao partido já convertido em “conservador”, marque uma clara diferença. A longo prazo, sabe-se, o integrismo voltará na hora da verdade, durante a Segunda República, à casa comum da tradição espanhola. Enquanto que o pidalismo contribuirá para apaziguar o catolicismo político e finalmente será causa de confusão intelectual, como indica o caso (não menor) do último Menéndez Pelayo (29). A fim de atrair, astuciosamente, as “honradas massas” (30) do carlismo, e colocá-las a serviço “do estabelecido”. Mais uma vez, pois, se volta a impor que a marca dos partidos que se apresentam como católicos e ao mesmo tempo se distanciam daqueles que representam politicamente a tradição política católica é o de colocar-se a serviço do Estado liberal, com os consabidos efeitos deletérios sobre os restos da Cristandade e da fé popular (31).
4. A política do ralliement e seu fracasso
Mas as últimas vicissitudes com as quais lidamos, embora possam ser apresentadas em continuidade com os problemas do surgimento dos “movimentos” e “partidos” católicos, se movem já em outro momento posterior, marcado pela política do que se chamou o ralliement (32). O termo francês, não facilmente traduzível, pode sê-lo aceitavelmente no contexto que nos ocupa como “adesão”, à República na França, à dinastia isabelina na Espanha, ao sistema liberal sempre (33).
É sabido, em primeiro lugar, que o termo que foi aplicado à política incentivada por Leão XIII na França, embora –como acabamos de apontar– não apenas nem em primeiro lugar, não seja do próprio papa, mas foi usado tanto por seus partidários como por seus detratores. A partir de 1890, de fato, Leão XIII promoveu uma nova política em relação à França. Em 12 de novembro, durante uma cerimônia em homenagem à Marinha francesa em Argel, o cardeal Lavigerie fez um brinde em que chama aos católicos a prestar sua “adesão sem segundas intenções” à República, à qual nem mesmo refere-se expressamente, senão alusivamente, através da locução “esta forma de governo”. Assim pois, para começar, nem ralliement nem sequer República. Alguns bispos, no entanto, o rejeitaram e outros duvidaram que expressasse o verdadeiro sentir e pensar da Santa Sé. De qualquer forma, embora as questões espinhosas não fossem poucas, se levantava em particular uma crucial para a organização política dos católicos: deveriam aceitar a República, abandonando toda esperança de restauração monárquica, ou poderiam conservar suas convicções pessoais e adotar somente uma adesão tática para destruir melhor a República? (34).
Não há dúvida de que Leão XIII não pediu aos católicos franceses que aderissem à República, isto é, se tornassem republicanos. Menos ainda que adotassem a ideologia republicana. Através de um importante corpus doutrinal, especificamente por meio de três encíclicas sucessivas Diuturnum (1881), Immortale Dei (1885) e Libertas (1888), Leão XIII recordou, e de que maneira, o ensinamento tradicional da Igreja sobre os fundamentos do poder político, das liberdades públicas e da natureza da liberdade humana. No que diz respeito à doutrina, portanto, ele se colocou em perfeita continuidade do ensinamento antirracionalista e antiliberal de seus predecessores e, em particular, do imediato, Pio IX (35).
Leão XIII não havia encarregado ao cardeal Lavigerie tal missão, mas havia simplesmente se limitado a dar sua permissão e mostrar seu apoio (36). Em sua encíclica Au milieu des sollicitudes, de fevereiro de 1892, como em sua Carta aos cardeais franceses, de maio seguinte, certamente garante que a posição da Santa Sé é a aceitação do regime republicano. No objetivo do ralliement não se encontravam razões de ordem doutrinal, mas prudencial: os católicos devem aceitar a República, que é o governo atual da França, pelas necessidades do bem social, sem que isso implique de modo algum que a República (ou a democracia) seja o melhor dos regimes; só que, por razões da forma de governo, não devem dividir-se os católicos, senão unir-se com o fim da conservação da religião. Tratava-se, portanto, de favorecer a organização política dos católicos, não de dissolvê-los nos partidos existentes; de inverter a tendência cada vez mais anticlerical, não de levá-los à aceitação das leis anticristãs.
Onde estava a novidade?
Já observamos alguns precedentes, que poderiam estender-se. Por exemplo, o caso anterior dos Reinos espanhóis de Ultramar. Após Etsi longissimo (1816), de Pio VII, que rechaça a secessão ultramarina, e Etsi iam diu (1824), de Leão XII, virá Sollicitudo ecclesiarum (1831), de Gregório XVI, e com ela o reconhecimento da independência das novas repúblicas. Claro que, nesse caso, se deva a uma circunstância adicional, relativa à renovação das sedes episcopais (37). O próprio Pio IX, mais tarde, para dar um exemplo também espanhol, não só assinara a Concordata de 1851 com a monarquia liberal, sem que houvesse transcorrido tanto tempo desde as matanças de frades de 1834 ou do “imenso assalto” –nas palavras de Menéndez Pelayo (38)– do confisco do ano seguinte, que poderia ser entendido pela lei suprema da salus animarum, senão que havia seguido uma política de proximidade com a corte de Madri, que enfraquecia significativamente as expectativas de uma restauração da política católica que –mesmo após a derrota de 1840– residia no carlismo.
São as “contradições da Igreja do Syllabus” (39). A política de Leão XIII (da Secretaria de Estado, ou seja, de Rampolla) seguiu os mesmos rumos e, em relação à Espanha, veio a resultar de algum modo precursora do mais tarde chamado ralliement com a encíclica Cum multa (1882), da qual já nos referimos. E não mudou com Pio X, apesar de sofrer as consequências. Além disso, como a situação dos tradicionalistas continuou a piorar durante seu pontificado, decidiram acorrer a Roma. Apesar da ingenuidade demonstrada por sua atitude, obtiveram um certo sucesso em seu intento e, como resultado, o cardeal espanhol Merry del Val, Secretário de Estado de São Pio X, apesar de sua tendência dinástica liberal, enviou ao arcebispo de Toledo, cardeal Aguirre, umas “Normas para os católicos espanhóis”, que este publicou em 3 de maio de 1911 e que, em primeiro lugar, afirmavam que “deve ser mantido como princípio certo que sempre se pode sustentar, como de fato muitos sustentam nobilissimamente, a tese católica e com ela o restabelecimento da unidade religiosa”, assim como que “o dever, ademais, de todo católico combater todos os erros condenados pela Santa Sé, especialmente os incluídos no Syllabus, e as liberdades de perdição, proclamadas pelo chamado direito novo ou liberalismo, cuja aplicação ao governo da Espanha é ocasião de tantos males” (40). A continuação, é certo, justapõe um confuso complexo de afirmações que enturvavam tão clara proclamação inicial. Mas, como foi escrito, era um respiro (41).
5. Da Ação Católica à democracia cristã
A política do ralliement ia naturalmente, embora apenas tática ou estrategicamente, a dissociar a Igreja dos movimentos políticos tradicionalistas, que na Europa ainda eram em sua maior parte legitimistas, ao contrário do que aconteceu em outros lugares, onde no máximo podiam aspirar a permanecer ultramontanos. São Pio X, ciente do fracasso de seu predecessor, tratou de promover uma ação católica antiliberal no interior das sendas dos regimes estabelecidos (42). Algo como combater o liberalismo com a democracia (43): se as sociedades eram ainda cristãs, e apenas os sistemas políticos e as elites dominantes fossem anticristãs, uma ação eficaz dos católicos sob a liderança da hierarquia poderia levar à vitória. Perpetuando, como resultado, embora talvez por meios não exatamente idênticos, o erro de Leão XIII. Mas quem vai desenvolver a linha de ação, em um contexto já diverso, será Pio XI. No âmago de um abundante magistério sobre o tema, o documento mais completo talvez seja a carta Quae nobis, ao arcebispo de Breslau, cardeal Bertram, em 1928. Consta de duas partes, nas quais vai desenvolvendo a doutrina sobre a natureza e os fins da Ação Católica e suas relações com a sociedade civil.
Começa destacando a necessidade do Apostolado secular e o cuidado que o Papa dedicou ao definir a natureza da Ação Católica. A Ação Católica constitui um corpo orgânico, sob a direção da Hierarquia, que desenvolve uma atividade de ordem religioso-social: «É ação universal de todos os católicos “sem exceção de idade, sexo, condição social, cultura, tendências nacionais ou políticas”, coordenar todas as atividades dos católicos, “valorizando e direcionando ao apostolado social todo tipo de obras e associações, sobretudo as religiosas”». Na segunda parte, declara que essa obra se encontra fora e acima de todos os partidos políticos, embora não exclua a participação individual na vida pública. De modo que “proporciona à sociedade os melhores cidadãos, promove a prosperidade pública, contribui para a tranquilidade e segurança da sociedade humana, e é tão fecunda, que merece o apoio dos chefes e magistrados dos Estados” (44).
Sim. Pio XI é o papa da Ação Católica. Mas de muito mais (45). Porque, por um lado, é também o da Quas primas (1925) [sobre a Realeza de Cristo], Quadragesimo anno [sobre a restauração da ordem social] e Non abbiamo bisogno [contra o fascismo] (ambas de 1931) ou Mit brennender Sorge [contra o nazismo] e Divini redemptoris [contra o comunismo] (ambas de 1937). E, por outro lado, o dos acordos de 1929 que puseram fim à Cristiada (46). E o da condenação da Ação Francesa (1926), levantada por Pio XII em 1939 (47)… Também o que denuncia a perseguição religiosa na Espanha em Dilectissima nobis (1933) enquanto contribui para afirmar a Segunda República (48) (com o núncio Tedeschini, El Debate de Herrera Oria, contra El Siglo Futuro e Acción Española). Mas é a Ação Católica que agora centraliza nosso interesse. E a Ação Católica, consequência lógica do ralliement, é a concreção perversa de não haver entendido a lei orsiana com a qual abrimos essas páginas. Em sua origem era o triunfo do catolicismo (potencialmente ou em ato) liberal sobre o social. Era já, consciente ou inconscientemente, democrata-cristã.
Mas temos que olhar para trás.
Porque o que chamamos de democracia cristã, para começar, é o resultado da convergência, a finais do século XIX, ou incluso mais propriamente no início do XX, de duas correntes operantes pelo menos desde meio século antes (49). Trata-se, por um lado, do liberalismo católico (chamado também às vezes catolicismo liberal) e, por outro, do catolicismo social. Quanto ao primeiro, encontramos suas origens, num primeiro momento, nas tentativas de conciliar o Iluminismo com o catolicismo, prolongados logo pelo liberalismo chamado doutrinário, isto é, a escola dos “moderados”, os liberais moderados, naturalmente.
Ainda sem teorização alguma é possível encontrá-la nos momentos aurorais do logo derrotado constitucionalismo gaditano [referente à Constituição de Cádis, de 1812], embora o contingente majoritário do liberalismo seja resolutamente contrário à Igreja. Também, sob outra roupagem, se encontra nos homens da “década ominosa” [última fase do reinado de Fernando VII (1823-1833)], que prepararam o triunfo da revolução liberal através –entre outras coisas– da sucessão feminina ao rei Fernando (50). Mas é principalmente na “década moderada” primeiro, e depois no partido conservador da restauração canovista, no qual terá assento, mas não consolidação (51). Suas raízes doutrinais costumam situar-se em Felicité de Lamennais, ao qual já nos referimos anteriormente. Quanto ao segundo, sua progênie costumar ser colocada no magistério –chamado com frequência ele mesmo “social”– iniciado por Leão XIII em 1891 com sua encíclica Rerum novarum, embora mais propriamente haveria que situá-lo no movimento que conduziu a tal pronunciamento do pontificado e que como é natural lhes é anterior, concretamente em várias décadas. Segue-se mesmo do primeiro parágrafo do mencionado documento fundacional da “doutrina social da igreja”, que apresenta uma equação segundo a qual o erro religioso do Protesto luterano produziu a revolução política do liberalismo, que –por sua vez– determinou a “questão social” (52). Se é assim, parece razoável entender que o combate social fora antes político e religioso. E que os homens que se empenharam em melhorar a situação dos desfavorecidos combateram ao mesmo tempo (e mesmo antes) o regime que os lançou à mesma. Nesse sentido, os “católicos sociais” emergirão em boa parte do legitimismo na França e do carlismo na Espanha (53). Por mais que o verdadeiro catolicismo social siga desenvolvendo-se à margem do regime liberal, com o decorrer do século XIX e mais ainda no XX o elemento “liberal” foi se sobrepondo ao “social”: eis aí a chave para o surgimento da democracia cristã tal como a conhecemos hoje. Que fundou seu predomínio em um silogismo que, depois de afirmar que a religião não se confunde com a política, porque está acima dela –com a finalidade expressa de desassociar a Igreja dos restos do regime de Cristandade–, conclui que os cristãos de hoje têm a obrigação de pertencer politicamente à democracia cristã (54). A doutrina tradicional, no entanto, sempre teve como primeiro cuidado a manutenção dos direitos da Igreja na sociedade cristã (55), livrando a seus homens das aporias que resultam do catolicismo liberal: o encarnacionismo extremo e humanístico que tende a conceber como algo divino e evangélico as atuações políticas de traço revolucionário, e o escatologismo utilizado para desviar a atenção da vigência ou restauração prática e concreta da ordem natural e cristã (56). O limes, uma vez mais, radica na teologia política católica expressada na realeza social de Jesus Cristo (57). Mas sobre isso havemos de voltar mais adiante.
A democracia cristã stricto sensu, em puridade, não faz senão prolongar a experiência dos partidos católicos, que sumariamente acabamos de caracterizar de modo que talvez para alguns possa parecer excessivamente severo. Não o é, desde já, no caso espanhol, nem no francês, enquanto que no hispano-americano ou no italiano as distintas circunstâncias –a começar pela inexistência das forças políticas “tradicionalistas” após a secessão ou, respectivamente, a unificação– obrigar a uma modulação do juízo. Por outro lado, não alcança o mesmo àqueles como o Império Alemão que, sobre a base de um “pluralismo” religioso, com predominância do protestantismo, formaram sua unidade política com intenção anticatólica: lembre-se que o Centro Católico –foi escrito lucidamente– se chamou assim porque tinha à sua “direita” o prussianismo aristocrático e militarista fervorosamente protestante e antirromano, enquanto à sua esquerda se encontravam o radicalismo e o socialismo de inspiração secularizante e maçônica (58).
Assim, a tática do ralliement, imediatamente convertida em estratégia, ajuntará o complexo de forças liberais, sociais e católicas que se entrelaçam em sua operatividade durante os dois últimos terços do século XIX. A nascente democracia cristã encontrará aí precisamente o terreno adubado. Leão XIII, ciente das misturas, e de seus perigos, alertou no início do século seguinte em Graves de communi (1901) que, além de sua acepção como ação benéfica em favor do povo, era ilícito seu uso político. Precisamente quando este era o que estava abrindo passagem, em grande parte propiciado não por sua doutrina, mas por sua “política”, assim como seria pela de seus sucessores (59). Daí o comentário, não por malvado menos acertado: “Il a avalé le nom, il avalera l’idée” (60). De fato, engolido o nome, a ideia abriria caminho à força. E de pouco serviriam os protestos, preventivos, contra a consideração de que não há outro regime conforme o cristianismo exceto a democracia. Pio X, quase uma década depois, teve que lembrá-lo com particular contundência em sua antes citada Notre charge apostolique: “Não precisamos demonstrar que o advento da democracia universal não significa nada para a ação da Igreja no mundo; já lembramos que a Igreja sempre deixou às nações a preocupação de dar-se o governo que julguem mais vantajoso para seus interesses. O que queremos afirmar mais uma vez, seguindo nosso predecessor, é que há um erro e um perigo de enfeudar, por princípio, o catolicismo a uma forma de governo; erro e perigo que são tanto maiores quando se identifica a religião com um gênero de democracia cujas doutrinas são errôneas” (nº 31). As admoestações pontifícias não surtiram maior efeito. Não poderiam fazê-lo. Por sua fragilidade tática ou estratégica, precisamente o terreno em que se acreditava ilusoriamente que era sua maior força. E mesmo porque outras ações romanas as contradiziam discretamente, quando não abertamente. A nascente democracia cristã não desejava limitar-se à demofilia e queria ocupar um espaço político. Espaço que o carlismo, é verdade que enfraquecido pelas derrotas e divisões, seguia porém ocupando, sem ter sucumbido aos cantos de sereia de Pidal e os distintos mestiços [católicos liberais].
6. A democracia cristã na Espanha
Era necessário outro aríete que ao mesmo tempo se constituísse em espinha dorsal das diversas tendências que convergiriam em uma democracia cristã formaliter loquendo (61). Eis aí a Associação Católica Nacional de Propagandistas (daqui em diante, em algumas ocasiões, ACdP, uma vez que aliviaram o qualificativo de nacional ao longo de sua história), fundada pelo Padre Ángel Ayala, da Companhia de Jesus, e marcada pela personalidade do advogado do Estado e mais tarde sacerdote, bispo e cardeal Ángel Herrera Oria (62). Estamos em 1909. A Companhia de Jesus começou a distanciar-se das posturas íntegras, sob o pretexto –uma vez mais– de superar as divisões políticas dos católicos, em cumprimento do encargo feito por Leão XIII ao superior geral, padre Luis Martín, falecido em 1906 (63). Pio X, ademais, em sua firme oposição ao Estado moderno, pretendia usar –já o dissemos– os instrumentos da democracia para se opor ao liberalismo: nasceria a Ação Católica, obra sobretudo de Pio XI (64). O padre Ángel Ayala reúne (uma vez mais!) alguns notáveis tradicionalistas que logo deixam de sê-lo. Se alguns voltaram ao carlismo mais tarde, não será por causa da dinâmica impressa pela associação, senão bem mais a seu pesar, porque o fracasso desta em forjar uma democracia cristã, primeiro, e em consolidar a Segunda República, mais adiante, os fará tornar à casa abandonada em conjuntura guerreira que despertou o gene adormecido. Curiosa sina a do “propagandismo católico”. Brota de um solo que foi o do tradicionalismo, mas desvitalizado pela deriva integrista, que o leva ao conformismo de conciliar-se com o regime liberal, logo republicano (e da República que conhecemos), onde naturalmente (e paradoxalmente) colide com o integrismo mais coerente e se empenha na consolidação de um regime impossível (para os católicos) devido à adesão obrigatória aos poderes constituídos (65). O que leva Herrera a se opor ao levante de 18 de julho de 1936 (66), certo que com pouco seguimento entre suas tropas e, isso sim, idêntico entusiasmo ao que foi esbanjado após a vitória do regime do general Franco (67). Com o declínio deste, projetaram no futuro o dever de acatamento do poder e, entre os construtores do atual Estado constitucional (baseado no laicismo e lógico introdutor da legislação que ao desconhecer Deus logo destruiu o homem), se encontra um notável número de filhos espirituais de quem não chegou a vê-lo, pois havia falecido alguns anos antes, revestido da sagrada púrpura que ganhou no caminho (68). Com o que –é forçoso reconhecê-lo– alcança um notável refinamento da práxis fundacional, que de centrada no presente passa a voltar-se para o futuro: já não é sequer aceitar o existente senão adivinhar o que está por vir para abraçá-lo. Não é pouca coisa a labilidade de doutrina e práxis (e ainda poiesis) da Associação Católica de Propagandistas. Quando interessa destacar as conexões com a tradição política espanhola, isso é feito sem corar. Como desenvoltamente se destaca quando é necessário sua condição de avançada de liberalismo e europeísmo.
É certo que a formação de Herrera era tradicional e que seus homens, geralmente, não tinham outro signo. Mas não é menos que –como dissemos– seu clericalismo buscou um arranjo com a República. Como foi um agente de não pouca importância durante o regime de Franco. Eclético, num primeiro momento, a ponto de não ultrapassar certos limites na oposição à Falange (se houve até propagandistas falangistas!), quando o carlismo e até o primeiro Opus Dei estavam em disputa contra ela. Logo instrumento destacado do americanismo, prático antes que teórico, por várias razões e (em todo caso) convergente, talvez devido ao anticomunismo, provavelmente também por obediência a Roma (nesse sentido não se deve esquecer que o franquismo dos anos intermediários foi, sob forma ditatorial, uma democracia cristã pacelliana). E, finalmente, em sua decadência, aberto já a uma democracia cristã pós-conciliar, de matriz maritaniana, alijada de qualquer princípio e veículo do europeísmo como canal apresentável do americanismo (69).
Fica claro, pois, que o propagandismo supõe a continuidade, entre mutações e metamorfoses várias, da democracia cristã, sempre com peso cultural, através das faculdades e centros universitários e, em outros casos –embora nunca apenas– político, desde os meios de comunicação e o governo. Nesse ponto, o fracasso parcial deve ser registrado, se considerarmos a democracia cristã stricto sensu (70), juntamente com seu decidido sucesso, se se amplia o foco, uma vez que constituiu um dos elementos integradores e definidores da política da centro-direita, que alguns preferiram chamar de centrismo-reformista, a fim de diluir (se possível) sua impregnação na tradição política e cultural católica. O que, em vista dos resultados, confirmou os temores de Francisco Canals quando –mais como desiderato que como previsão– falou há trinta anos do “desejável fracasso da democracia cristã na Espanha” (71).
7. O desejável fracasso da democracia cristã na Espanha
De fato, convém fazer um balanço do que aconteceu entre nós, comparando-o com outros países vizinhos. Pois não se reproduziu a situação da Itália, Alemanha e, em menor grau, da França, com a queda dos fascismos. Nos dois primeiros países, como é sabido, os partidos denominados explicitamente democrata-cristãos foram os hegemônicos desde o fim da guerra mundial; no segundo com o contraponto do socialismo liberal, enquanto no primeiro com a sempre presente ameaça comunista, dentro do chamado consenso socialdemocrata (72). Deu-se assim a circunstância de que foram os partidos democrata-cristãos que produziram a secularização das sociedades desses países (73). Com exceção, talvez, do partido social-cristão bávaro, coligado à democracia cristã nacional, e que, para sobreviver às lutas do século passado, apontada anteriormente ao mencionar o caso do Zentrum, desempenhou até recentemente certo papel na defesa da sociedade cristã. Papel em todo caso minguante por sua dependência do partido democrata-cristão (74). O caso francês, por outro lado, de predominância social-comunista, e com a singularidade da presença “gaullista” no espaço da centro-direita, conduziu a democracia cristã a ocupar uma posição menor, coligada à anterior depois de ter sido em momentos anteriores próxima ao cristianismo de esquerda.
Na Espanha, a situação foi diferente. Não foi uma revolução que acabou com a ditadura de Franco, mas seus próprios homens, os chamados para sucedê-la, e que efetivamente a sucederam, através de um processo mendaz de revolução legal (75). As primeiras eleições foram desfavoráveis à democracia cristã anti-franquista, a encarnada por José María Gil-Robles –o líder histórico da segunda república– e por Joaquín Ruiz-Jiménez –o ministro franquista que passou à oposição–, de modo que estiveram ausentes das (pseudo) Cortes constituintes. No entanto, isso não significa que a democracia cristã carecia de presença no mapa político pós-Franco. E, assim, tanto na Alianza Popular (coalizão herdeira do franquismo mais consciente) quanto na Uníon de Centro Democrático (coalizão herdeira do franquismo sociológico), houve uma presença marcante de elementos democristãos (76). Cuja procedência, ademais, era geralmente a mesma, a Associação Católica de Propagandistas, a qual nem mesmo o derrotado Gil-Robles tampouco podia dizer-se alheio. Onipresença curiosa: Silva Muñoz de um lado, Alfonso Osorio do outro e Gil-Robles ao fundo. Mas, como sabemos, Silva e Gil-Robles mal tiveram vantagem (77). Quase tudo foi deixado para a UCD, estranha mistura de franquistas azuis e (semi) antifraquistas liberais e democristãos. Que foi a que, “consensuando” –como então foi cunhado– com socialistas, comunistas e nacionalistas (periféricos), deu origem à Constituição laicista de 1978. Aquela que, desenvolvendo-a desde o governo, pois em marcha, primeiro com Landelino Lavilla e depois com Íñigo Cavero –ambos membros da ACdP–, a lei do divórcio. Mas não era a democracia cristã que estava na base dos esmagadores triunfos eleitorais daqueles anos.
E quando se dissolveu a inconsistente coalizão, e depois de alguns fiascos, não pôde senão terminar integrando-se à velha Alianza Popular, que –profundamente desenvolvida– havia por outro lado conseguido sobreviver após uma difícil jornada pelo deserto. O curioso é que transferiu para o novo canal os mesmos elementos dissolventes que contribuiu para o anterior. Parece um destino fatal, ainda mais depois da influência poderosamente desorientadora de Maritain, o de seu empenho «para desintegrar a unidade sociológica da tradição católica, para impor o “pluralismo” em nome de uma pretensa inspiração cristã que, no fundo, praticamente se traduz em uma tarefa de “cristãos pela democracia”» (78).
É que a evolução da democracia cristã, aproximando-se sempre mais de suas peçonhentas fontes doutrinais, e esquecendo as advertências dos pontífices de seus primeiros anos, não deixa de se aprofundar na rejeição de toda “confessionalidade” no político (e também no social), embora de maneira sofística –ao dizer-se de “inspiração cristã”– usem um rótulo confessional: «No fundo, parecem desejar uma sociedade não penetrada pela fé religiosa, na qual os “cristãos” se sentem chamados a proporcionar suas atitudes e tarefas “cristãs”, postas a serviço de uma causa concebida de fato como superior à fé cristã: a democracia em toda a Espanha, e o nacionalismo basco ou catalão nesses povos sujeitos a poderosas forças desintegradoras» (79). Daí o desejável fracasso da democracia cristã na Espanha e nos países hispânicos, que o autor que citamos ilustra assim: «Parece-me que a história da democracia cristã europeia e hispano-americana e de seus precedentes sociais e ideológicos nos levaria a reconhecer que sua presença é tanto menos necessária e tanto mais prejudicial quanto mais profunda tem sido ao longo dos séculos a presença pública e a influência social da fé católica em uma nação. Talvez na Itália, cuja unidade nacional se fez por impulso maçônico e em hostilidade ao Pontificado romano, teve ainda um papel, na situação “pós-fascista”, a democracia cristã. Lembremo-nos, no entanto, que depois de ter sido indiferente na escolha entre monarquia e república, e depois de ter sido “centrista” por alguns anos –deixando à direita a monarquia e o fascismo–, foi depois centro-esquerda, e aparece sempre tentada pelo “compromisso histórico”, que daria uma oportunidade “católica” ao eurocomunismo gramsciano. No Chile, fechou o caminho para os conservadores e, assim, abriu o “caminho chileno ao socialismo” de Salvador Allende. Parece que contribuiu para derrubá-lo, possibilitando a ditadura de Pinochet. Agora, empurra novamente em direção a um processo de transição do qual nada de bom deve ser esperado, a menos que se julgue a coisa com bom senso. Desde a sua origem histórica, ninguém jamais foi capaz de saber se os democratas-cristãos estão na direita, no centro, ou na esquerda. Alegar nesta uma suposta transcendência de sua inspiração é antes tomar o nome de Deus em vão» (80).
O acerto profundo dessas palavras se volta a acreditar com o ocorrido nos trinta anos que se passaram desde que foram escritas. Bastaria prolongar o juízo aos novos fatos. E infelizmente se encaixam.
8. A Cidade Católica e sua novidade
Jean Ousset (1914-1994) (81), que havia sido ungido por Charles Maurras como um de seus dois seguros sucessores (82), depois da Segunda Guerra Mundial intenta uma nova via para o catolicismo antiliberal. Seus dois eixos são Cristo Rei e ação capilar. Se o primeiro constitui o suporte doutrinal inegociável, no segundo reside a grande novidade metodológica. E, de fato, o título do livro que se usa como catecismo não é outro senão Pour qu’Il regne [Para que Ele reine], cuja quarta parte versa especificamente sobre a ação política e social dos católicos (83).
Na primeira ordem não cabe novidade alguma: trata-se de recuperar a solidez doutrinal do catolicismo político antiliberal, sem as debilidades (diferentes em cada caso) do partido católico ou do legitimismo, e com o aporte da herança maurrasiana, recebida em benefício de inventário. A amplitude das ilustrações históricas das distintas teses teóricas enriquece notavelmente o conjunto e converte o livro em um manual extraordinário.
Mas a segunda, parte da necessidade de uma reconquista social, de forma alguma concebida em termos democráticos, tanto explícitos ao estilo de Maritain (o “Estado laico cristão”) (84) como implícitos ao modo de Herrera Oria (“propagar e influir”) (85), mas à luz da doutrina da realeza de Cristo entendida como “não facultativa” (86). Trata-se, ademais, de uma ação formativa e educadora, auxiliar e pré-política, medicinal e não ortopédica. E cumpre uma função de articulação entre o apostolado católico e a ação política concreta.
Juan Vallet explicou-o de modo sintético: «Trata-se de uma ação capilar; diversificada e subdividida em múltiplas ações plurais, complementares, organizadas, no âmbito desses mediadores naturais da ação político-social, que são os grupos, as associações, os corpos intermediários, os jornais, as revistas… Deve ser uma ação educadora […]. Nossa obra é uma obra essencialmente de promoção; uma obra auxiliar, de assistência, de informação, de consulta, a serviço dos notáveis da vida social. Ação concertadora que, inclusive, deve elevar-se até alcançar âmbito nacional em encontros e entendimentos entre os notáveis mais qualificados para atuar no mais alto nível do destino da pátria. Porém, o primeiro, o mais urgente, o imediato é hoje voltar a restaurar no nível mais básico das coletividades locais, das liberdades e dos interesses profissionais, municipais, comarcais e regionais, “um poder com ampla independência, com força atrativa e reguladora ao mesmo tempo, capaz de proteger inseparavelmente, de esclarecer, de orientar as reservas populares de forças e de vida social” […]. Há que organizar redes de apoio, de proteção, de informação e de orientação para esses homens. Devemos colocá-los em contato e associá-los, ajudá-los a permanecer em seu posto, decididos a defender sua frente familiar, profissional ou cidadã […]. É isso que, precisamente, pretendemos fazer, o que estamos tentando e o que queremos conseguir» (87).
Tal ação, ademais, devia desenvolver-se à margem de qualquer enquadramento hierárquico. Nada de mandatos à maneira da Ação Católica. A doutrina da Igreja é vinculante, sim, mas não as orientações relativas à ação dos católicos no âmbito político-social. Na formulação de Ousset, “o são laicismo do laicato cristão” (88). Bem o resumiu Jean de Fabrègues, autor não suspeito de anticlericalismo: “Quando os clérigos pretendem dirigir como tais o mundo temporal, são muito capazes de sacrificar o mundo cristão às ambiguidades do poder clerical” (89).
Jean Madiran, por sua vez, explicou-o com seu estilo acerado e cortante: “Se os homens da Igreja, em benefício de uma pastoral mundial, consideram que devem negar seu apoio à defesa de certas pátrias carnais, não podem, de forma alguma, não podem sem abuso, não podem sem crime, desviar os cidadãos da defesa da modesta honra da propriedade privada ancestral, da liberdade da cidade, do interesse e ainda da vida da pátria […]. Ademais, as possibilidades de desaparecimento ou de sobrevivência das forças políticas, das classes sociais, dos povos e das civilizações são constantemente modificadas pela ação dos leigos. E é seu dever e sua vocação modificá-las sem crer-se aprisionados pelo prognóstico especulativo que poderia ser feito, mesmo com toda a precisão, em um dado momento […]. Por exemplo, pode-se, eventualmente, em certo momento, prever que o comunismo tem todas as probabilidades de vencer em um país ou em um grupo de países. Diante desse prognóstico, os homens da Igreja tomam as disposições ou precauções apostólicas que acreditam que devem tomar. Ficam a seu juízo e são responsáveis perante Deus […]. Mas se, em função desse prognóstico, os homens da Igreja se dedicam ademais a persuadir o conjunto dos católicos de que devem se dissociar de todo anticomunismo temporal, então esses homens da Igreja asseguram assim, positivamente, a vitória do comunismo, ao desmobilizar, dispersar ou paralisar a resistência. É precisamente quando o comunismo tem probabilidades objetivas de vencer em um país, quando se tem a máxima importância combater essas probabilidades, e derrubar esse prognóstico fundado especulativamente, e fazer história em vez de padecê-la” (90).
São muitos os comentários que sugerem tão lúcidas palavras. E cujo seguimento sai do marco dessas páginas. Certamente, no passado, a Ostpolitik vaticana ou o pacto Roma-Moscou podem ter nos causado perplexidade ou dor. Como, é claro, no presente, as Conferências Episcopais enfeudadas no demo-liberalismo ou complacentes com o socialismo. Podem ser uma fonte inesgotável de desgostos, mas não enfraquecerão nossa firmeza. Nem nos afastarão da fé, levando-nos a um anticlericalismo de direita como o que se alimenta desde setores fora de foco. É possível que não possamos pedir à Igreja outra coisa. Mas é certo que não devemos nos contentar com isso. A frase de Madiran abre caminhos. E convida a viver toda a vida como cristão. A dar um juízo cristão sobre cada ideia, sobre cada ato, sobre cada acontecimento. Coisa que embora a Igreja universal manifestamente não faz –porque não pode fazê-lo–, nos convida a fazê-lo constantemente, mas isso sim, por nosso risco e ventura, enquanto muitos sistemas ideológicos à espreita querem persuadir-nos, pelo contrário, de que não o façamos, de que renunciemos a fazê-lo catolicamente (91).
9. A Cidade Católica na Espanha
Eugenio Vegas, sempre atento à eficácia apostólica na defesa da doutrina política católica, volta a encontrar na França, como trinta anos antes, uma fonte de inspiração, não tanto no que diz respeito à doutrina (pois sempre permaneceu fiel ao tradicionalismo, salvo nos aspectos dinásticos) como no que se refere ao método. Nos anos vinte foi a Ação Francesa que se transformou em Ação Espanhola. Nos cinquenta, será a Cidade Católica a que, embora mude na França, pois os nomes serão variados ao longo do tempo, permanecerá como tal na Espanha (92). Em 1956, conheceu a revista da Cité Catholique, que na época levava por nome Verbe, que anos depois passaria a Permanences, através do diplomata tradicionalista Alberto de Mestas. Juan Vallet conta: “À medida que lia esses exemplares [de Verbe], Eugenio foi se entusiasmando. Dizia-nos que explicavam o que ele sempre pensara; mas com uma clareza nunca tão francamente alcançada” (93). E decidiu transladar o trabalho para o nosso solo. Para o que contou com seus amigos, entre eles um recente, mas que no final resultaria o amigo da segunda parte de sua vida: o recém mencionado Juan Vallet de Goytisolo.
Foi Vallet quem, com sua personalidade vigorosa e sua imensa obra jurídica, daria logo cor própria à Cidade Católica. Mas de modo algum pode-se dizer que era uma obra exclusivamente própria, como tampouco o foi do mesmo Eugenio Vegas. Foi aquele, em várias ocasiões, e entre elas na ocasião de traçar a aparência deste, quem conseguiu discernir as distintas influências e correntes que convergiram no nascimento de Verbo e da Cidade Católica (94).
O primeiro fluxo, como é natural, e insubstituível, procede do próprio Eugenio Vegas, que –como acabamos de dizer– foi quem descobriu a matriz francesa, quem reuniu com o entusiasmo de sempre diversos grupos de seus amigos para acudir a ela e nutrir-se e quem, com generosidade de verdadeiro fundador, abriu o canal para que reunissem nele outras fontes. De seus velhos amigos de antes da guerra poucos se incorporaram, embora alguns não lhe negassem ajuda econômica. Mas, por outro lado, outros jovens discípulos, em particular Francisco José Fernández de la Cigoña e Estanislao Cantero, se foram somando. Em segundo lugar, veio o tradicionalismo político espanhol, particularmente legitimista, isto é, o carlismo, da mão de Alberto Ruiz de Galarreta e Rafael Gambra, aos que se somariam em breve Francisco Elías de Tejada e parte de sua escola, e mais tarde Álvaro d’Ors. Mas muito em breve começou igualmente o intercâmbio com a Schola Cordis Iesu barcelonesa, que o padre Ramón Orlandis, da Companhia de Jesus, animara com tanto entusiasmo e zelo apostólico, e que nos anos de que estamos falando começava a dirigir o também carlista Francisco Canals Vidal, catedrático de Metafísica, mas de saberes muito mais dilatados, da teologia da história à história política e à cultura catalã. A partir daí chegariam seus discípulos universitários, José María Petit e José María Alsina em uma primeira fornada, logo (embora em determinado momento decidira retirar-se) Eudaldo Forment e finalmente Javier Barraycoa. Em terceiro termo, e também natural, está o influxo francês da Cité Catholique. Jean Ousset, homem extraordinário, autodidata, enérgico, soube concitar muitas vontades a seu redor, até que a conjuntura política francesa, particularmente após a guerra da Argélia, e a peripécia pós-conciliar, que na França levou a uma resistência firmíssima na pessoa e na obra do arcebispo Marcel Lefebvre, forçou a implosão. Entre nós, embora não sem tensões, se evitou tal ruptura, mantendo-se a ação comum. Pois bem, aos três afluentes acima, devemos acrescentar a incumbência e a obra pessoal do próprio Vallet. Um dos maiores juristas do século, homem de cultura portentosa e publicista infatigável, sobre todas essas coisas permanece sua faceta de organizador, de compositor, de manager entusiasta e eficaz. É difícil pensar que a constelação de personalidades bem definidas como as que foram saindo nas linhas anteriores poderiam forjar uma equipe coerente sem alguém que realizasse o sacrifício de colocar seu tempo, seu dinheiro e sua energia a serviço dos demais, coordenando, organizando, convocando, realizando as tarefas menores da redação. Sim, Vallet tem sido Verbo e a Cidade Católica de maneira singular, pois produziu uma identificação de sua pessoa com a obra, colocando seu selo, pois não poderia ser de outra forma, mas um selo aberto e generoso (95).
Todo o dito mostra como a aventura do último terço da peripécia vital de Eugenio Vegas não consistiu em reproduzir exatamente a do primeiro. No entanto, Juan Vallet se viu obrigado a esclarecê-lo, e essas palavras refletem e resumem o espírito com o que enfrentou ele mesmo sua tarefa: «Na XV Reunião, na Residência San Cristóbal, em Majadahonda, onde em 1º de novembro de 1976 presidiu sua sessão de encerramento. Nela Eugenio disse que entre os amigos da Cidade Católica, em Speiro, continuava o trabalho que havia realizado na Acción Española. Consta-me que essa afirmação não caiu bem a alguns amigos por um mal-entendido de suas palavras. Eugenio não quis dizer que nossa obra atual fosse uma continuação da realizada pela Acción Española, nem sequer que ele propagava exatamente o mesmo em uma e outra tarefa. Senão simplesmente que continuava seu trabalho de formação doutrinal conforme o direito público cristão. Mas, o âmbito específico do trabalho de estudo e ensinamento desenvolvido em uma e outra não era, nem é, exatamente o mesmo. Eugenio era um homem de ação, com muito senso prático e dotado de grande clareza de ideias. Duas regras eram especialmente esclarecedoras para ele: “As ideias governam os povos” e “os povos são o que querem seus governantes”. Pois bem, na Acción Española se orientou especificamente para alcançar a maior eficácia da segunda, como o meio mais eficaz para a boa aplicação da primeira. Na Acción Española não se entrava na discussão de questões dinásticas –e por isso nela puderam colaborar alfonsinos e carlistas–, mas se defendia como governo ótimo a monarquia tradicional; e, como tal, nem absoluta nem democrática; nem cesarista nem república coroada. Em vez disso, a tarefa de Speiro a contemplava Eugenio primordialmente através da frase: “As ideias governam os povos”, e de seu corolário, formulado por Le Play: “O erro, mais que o vício, é quem perde as nações”. Nos anos sessenta estava convencido de que era impossível desde cima restaurar aqui a monarquia tradicional. Nessa perspectiva, e tendo em vista a crescente massificação, o mais preciso era divulgar a verdade política e social através de elites, em todos os níveis, de que era urgente formá-las a fim de restaurar a sociedade desde suas raízes. Por isso, a obra de Speiro, divulgada em Verbo, tem sido e é […] de formação cívica e de ação cultural, segundo o direito natural e cristão. Eugênio, quando se dedicou a esse trabalho, entendia que o mais necessário e premente era o estudo e a difusão dos princípios e bases da boa ordem social e política, conforme a ordem natural, os ensinamentos da história, a experiência e a doutrina da Igreja. Mirava com realismo para o que cria acessível a uns grupos de homens de boa vontade, carentes de todo poder político; e estando seguro de que a conquista ocasional de tal poder, por quem não se encontre bem equipado com essa doutrina, seria inútil e talvez contraproducente, e mais ainda em uma época em que os costumes tradicionais foram perdidos e predominavam as ideias mais insensatas e os erros mais corruptores. Por isso, se consagrou a semear, como Speiro significa» (96).
Nessa semeadura se ocupou Juan Vallet. E na mesma procuramos perseverar aqueles que o seguem.
(1) Álvaro d’ORS, “Libertad religiosa y libertad política”, Iglesia-Mundo (Madrid), núm. 384 (1989), reproduzido em Verbo (Madrid), núm. 473-474 (2009), págs. 281-290. O texto foi escrito a convite do autor dessas linhas por ocasião do XIV centenário do III Concílio de Toledo, no qual a unidade católica da Espanha foi consagrada e proclamada. E foi republicado, desta vez em Verbo, no quinto aniversário de falecimento do autor.
(2) Cfr. Miguel AYUSO (ed.), La res publica christiana como problema político, Madrid, Itinerarios, 2014.
(3) Pode ver-se Miguel AYUSO (ed.), Consecuencias político-jurídicas del protestantismo. A los 500 años de Lutero, Madrid, Marcial Pons, 2016, bem como Danilo CASTELLANO, Martín Lutero. El canto del gallo de la modernidad, Madrid, Marcial Pons, 2016.
(4) Julio ALVEAR, La libertad moderna de conciencia y religión. El problema de su fundamento, Madrid, Marcial Pons, 2013.
(5) Juan DONOSO CORTÉS, “Discurso sobre la dictadura”, em Obras Completas, ed. de Carlos Valverde, S. J., Madrid, BAC, 1970, vol. 2, págs. 305 e segs. Trata-se do discurso pronunciado no Congresso dos Deputados em 4 de janeiro de 1848.
(6) Joseph RATZINGER e Jürgen HABERMAS, Dialéctica de la secularización, Madrid, Encuentro, 2006. Trata-se de um diálogo realizado em janeiro de 2004 na Academia Católica da Baviera entre o purpurado, então prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, meses antes de ser elevado ao Sólio pontifício, e o famoso filósofo. O assunto sobre o qual foram chamados para falar os ilustres compatriotas não era outro que os “fundamentos morais pré-políticos do Estado liberal”. Ernst-Wolfgang Böckenförde é um jurista igualmente alemão, próximo à socialdemocracia e que foi presidente do Tribunal Constitucional Federal. Vide Ernst-Wolfgang BÖCKENFÖRDE, “Die Entstehung des Staates als Vorgang der Sakularisation” (1967), agora em Recht, Staat, Freiheit, Francoforte de Meno, Suhrkamp, 1991, págs. 92 e segs., 112. Há um comentário sobre a troca de opiniões, agudo como sói, de Juan Fernando SEGOVIA, “El diálogo entre Joseph Ratzinger y Jürgen Habermas y el problema del derecho natural católico”, Verbo (Madrid), núm. 457-458 (2007), págs. 631 e segs.
(7) Ernest RENAN, “Discours de réception de Victor Cherbuliez à l’Académie française, 25 mai 1881”, Œuvres complètes, París, Calmann-Lévy, 1947, tomo I, pág. 786: “Nous vivons d’une ombre, Monsieur, du parfum d’un vase vide; après nous on vivra de l’ombre d’une ombre […]”.
(8) Apesar da condenação teórica do magistério: cfr. a octogésima proposição do Syllabus de Pio IX: “A Igreja pode e deve reconciliar-se e transigir com o liberalismo, o progresso e a civilização moderna”. Vide Jean MADIRAN, L´hérésie du XXeme siècle, París, Nouvelles Éditions Latines, 1968, pág. 298 e segs. Também os textos dos anos quarenta e cinquenta do século passado de Ramón ORLANDIS, S. J., Pensamientos y Ocurrencias, Barcelona, Editorial Balmes, 2000, em particular “Sobre la actualidad de la fiesta de Cristo Rey”. Assim resume a posição deste seu discípulo Francisco CANALS, “Para sobrenaturalizarlo todo: entrega al amor misericordioso del Corazón de Jesús”, Cristiandad (Barcelona), núm. 644-645 (1984), pág. 457: “Para manter desperta a consciência católica sobre o perigo de um conluio prático, que toma como pretexto o “mal menor”, o “possibilismo” ou o “realismo político”, para deixar indefensa a sociedade cristã ante o ataque desintegrador da própria ordem natural e ofuscante da ação da graça redentora sobre as realidades humanas, exercido através dos sistemas políticos, expressão prática das filosofias anticristãs, que lograram eficazmente a descristianização da humanidade contemporânea”. Tratei do assunto, finalmente, em “La perenne tentación liberal” [traduzido pelo Instituto Leão Magno], Verbo (Madrid), núm. 489-490 (2010), págs. 889 e segs.
(9) Vide, para a condenação do liberalismo, a encíclica Adeo nota (1791), de Pio VI, e para a do liberalismo católico a encíclica de Gregorio XVI Mirari vos (1832). Sobre Lammennais, a quem se refere a última condenação, pode ver-se o livro de Francisco CANALS, Cristianismo y revolución. Los orígenes románticos del cristianismo de izquierda, Barcelona, Acervo, 1957; 2ª ed., Madrid, Speiro, 1986. Também na edição de suas Obras Completas, Balmes, vol. 10, “Escritos políticos (I)”, Barcelona, 2015, págs. 11-150.
(10) Como afirmou Pio XII, “Discurso ao Primeiro Congresso Mundial do Apostolado Secular”, de 14 de outubro de 1951, Ecclesia (Madrid), núm. 536 (de 20 de outubro de 1951). Um desenvolvimento orgânico pode ser visto em Miguel AYUSO, La constitución cristiana de los Estados, Barcelona, Scire, 2008 [publicado em português pela Livraria Resistência Cultural Editora em 2019].
(11) Leão XIII escreve em Libertas (1888) que “existem outros liberais um tanto quanto mais moderados, mas não por isso mais consequentes consigo mesmos; esses liberais afirmam que, de fato, as leis divinas devem regular a vida e conduta dos particulares, mas não a vida e conduta do Estado; é lícito na vida política se afastar dos preceitos de Deus e legislar sem levá-los em consideração. A partir dessa dupla afirmação, surge a perniciosa consequência de que a separação entre a Igreja e o Estado é necessária. É fácil compreender o erro absurdo dessas afirmações” (§ 14). E continua: “A justiça e a razão proíbem, portanto, o ateísmo do Estado, ou, o que seria equivalente ao ateísmo, o indiferentismo do Estado em matéria religiosa, e a igualdade jurídica indiscriminada de todas as religiões” (§ 16).
(12) Francisco CANALS, “De la historia de los “movimientos católicos” (I). En el comienzo de la lucha por la libertad de la Iglesia en el mundo moderno”, Cristiandad (Barcelona), núm. 262 (1955), agora em Obras completas, vol. 10, “Escritos políticos (I)”, cit., págs. 174 e segs.
(13) Ibid., pág. 176.
(14) Ibid., págs. 176-177.
(15) Francisco CANALS, Cristianismo y revolución, cit.; Giovanni TURCO, “L’affaire Lamennais”, em Bernard DUMONT, Miguel AYUSO y Danilo CASTELLANO, Iglesia y política. Cambiar de paradigma, Madrid, Itinerarios, 2013, págs. 171 e segs.
(16) Leão XIII, Inter gravissimas, de 16 de fevereiro de 1892 [pela data, talvez se trate da Au Milieu Des Sollicitudes].
(17) Daí emergiria o “americanismo”, que a Igreja encarou com desconfiança desde o início e que condenou Leão XIII em sua carta ao cardeal Gibbons Testem benevolentiae. Sobre o assunto pode ser visto: John RAO, Americanism and the collapse of the Chuch in the United States, Charlotte, Tan Books, 1994, e também o caderno “Catolicismo y americanismo”, com textos de Danilo CASTELLANO, John RAO e Miguel AYUSO, em Verbo (Madrid), núm. 511-512 (2013), págs. 103-140.
(18) Francisco CANALS, “De la historia de los “movimientos católicos” (I). En el comienzo de la lucha por la libertad de la Iglesia en el mundo moderno”, loc. cit., pág. 181.
(19) Cfr. Francisco CANALS, “Origen de los movimientos católicos”, esquema para uma conferência de 2011, em Obras Completas, vol. 2, “Al servicio del Reinado del Sagrado Corazón (II)”, Barcelona, Balmes, 2013, págs. 145 e segs. Também Thomas MOLNAR, The Church, pilgrim of centuries, Grand Rapids, Erdmans, 1990, onde ilustra como a separação entre Igreja e Estado foi seguida pela da sociedade civil.
(20) Francisco CANALS, ““Hemos hecho pacto con la muerte”: Cristo rey, la democracia cristiana y la ruina espiritual de España”, Verbo (Madrid), núm. 473-474 (2009), pág. 208. Reúne, por ocasião da morte do autor, cinco artigos de jornal dos anos oitenta. O que citamos aqui é intitulado “O desejável fracasso da democracia cristã na Espanha” e foi publicado na edição de 8 de agosto de 1986 do jornal madrilenho El Alcázar.
(21) Sigo aqui, com algumas adaptações, as considerações expressas em meu estudo “La democracia cristiana en España. Una visión panorámica”, Fuego y Raya (Córdoba de Tucumán), núm. 7 (2014), págs. 60 e segs.
(22) Quanto ao primeiro, seu Histoire du parti catholique, escrito contra Falloux, é de grande interesse e pode ser encontrado a partir da pág. 407 do vol. VI de Louis VEUILLOT, Oeuvres complètes, Paris, Lethielleux, 1925, que possuo por me ter sido dado por Eugenio Vegas. Donoso, por sua vez, nos anos finais enfrentou a questão da liberdade de ensino, que Veuillot ainda brandia contra Falloux, com grande contundência: “A questão da educação, suscitada nos últimos tempos entre os universitários e católicos franceses, não foi colocada pelos últimos em seus verdadeiros termos; e a Igreja universal não pode aceitá-la nos termos em que vêm apresentando-se. Assumindo, por um lado, a liberdade de culto, e assumindo, por outro, as circunstâncias especialíssimas da nação francesa, é coisa clara a todas luzes que os católicos franceses não estão em estado de reclamar outra coisa para a Igreja senão a liberdade que é aqui direito comum, e que por sê-lo poderia servir à verdade católica de amparo e refúgio. O princípio, no entanto, da liberdade de ensino, considerado em si mesmo, e abstraído das circunstâncias especiais em que tem sido proclamado, é um princípio falso e de aceitação impossível para a Igreja Católica. A liberdade de ensino não pode ser aceita por ela sem pôr-se em contradição aberta com todas as suas doutrinas. De fato, proclamar que o ensino deve ser livre não vem a ser outra coisa senão proclamar que não há uma verdade já conhecida que deva ser ensinada, e que a verdade é algo que não foi encontrado e que se busca por meio da discussão ampla de todas as opiniões; proclamar que o ensino deve ser livre é proclamar que a verdade e o erro têm direitos iguais. Contudo, a Igreja professa, por um lado, o princípio de que a verdade existe sem necessidade de buscá-la e, por outro, o princípio de que o erro nasce sem direitos, vive sem direitos e morre sem direitos, e que a verdade está em posse do direito absoluto. A Igreja, portanto, sem deixar de aceitar a liberdade, até onde algo mais é de todo ponto impossível, não pode recebê-la como término de seus desejos, nem saudá-la como o único alvo de suas aspirações.” (“Carta al cardenal Fornari”, de 19 de junho de 1852, em Obras completas de Juan Donoso Cortés, Madrid, BAC, 1970, vol. II, págs. 744 e segs.). Vejam-se as muito interessantes considerações de Francisco CANALS, “Donoso Cortés en Francia”, Cristiandad (Barcelona), outubro de 1953, agora em Obras completas, vol. 10, “Escritos políticos (I)”, cit., págs. 151 e segs.
(23) Ocupei-me desse asunto no meu artigo “El problema político de los católicos hispanoamericanos. Hispanidad y res publica christiana”, Verbo (Madrid), núm. 525-526 (2014), também apanhado no volume pendente de aparição de Miguel AYUSO, La hispanidad como problema. Historia, cultura y política, Barcelona, Scire, 2017.
(24) Cfr. Francisco CANALS, “El tradicionalismo filosófico en España”, prólogo a José María ALSINA ROCA, El tradicionalismo filosófico en España. Su génesis en la generación romántica catalana, Barcelona, PPU, 1985, agora em Obras completas, vol. 10, “Escritos políticos (I), cit., pág. 241: “O sobrenaturalismo de Donoso Cortés e o realismo metafísico, não contaminado pela filosofia tradicionalista, de Jaime Balmes, podem dar razão […] de que nem um nem outro alçaram uma bandeira de “partido católico” na Espanha”.
(25) Cfr. o dossiê do volume XVI dos Anales de la Fundacíon Francisco Elías de Tejada (Madrid), correspondente ao ano 2010, com contribuições de Miguel Ayuso, Giovanni Turco, Jacek Bartyzel, Cristián Garay, Consuelo Martínez-Sicluna e José Antonio Ullate.
(26) É necessário voltar a citar neste ponto a Francisco Canals, em dois artigos de jornal de grande finura, “Nada, señor marqués, nada” e “El fracasso de Balmes”, publicados nos dias 5 e 6 de agosto de 1971 em El Pensamiento Navarro (Pamplona), e mais tarde reunidos no livro Política española: pasado y futuro, Barcelona, Acervo, 1977, pp. 107 e segs. e 104 e segs. respectivamente. Destaca o professor barcelonês que, frente a «como já foi feito tantas vezes posteriormente, inclusive na Espanha, e invocando sua autoridade e o prestígio de seu nome», Balmes nunca teve a ideia de levantar a bandeira do “partido católico”. O que «é digno de nota […] porque Balmes conhecia muito bem a atitude contemporânea dos ultramontanos franceses que, naqueles mesmos anos, sob a liderança de Montalembert, trabalhavam no marco constitucional com uma atitude resumida nos lemas: “católicos acima de tudo” e “sobretudo, nenhum contato com os legitimistas”». Outra coisa são as debilidades do filósofo catalão, talvez expostas de um modo excessivamente abrupto por Francisco Elías de Tejada e (ainda mais) por Francisco Puy: AA.VV., El otro Balmes, Sevilla, Jurra, 1974, págs. 303-344 y 75-260, respectivamente.
(27) Cfr. Melchor FERRER, Breve historia del legitimismo español, Madrid, Montejurra, 1958, págs. 43 y 55. Na primeira lembra que nos anos quarenta existiam os neocatólicos, “que sem entrar na questão dinástica, aceitavam a dona Isabel como um fato consumado”, mas que “tampouco chegaram a plasmar em uma atividade política”. Nem ainda o “cristino impenitente” de Donoso “conseguiu impressionar a opinião espanhola”, porque embora “tenha formulado uma excelente crítica ao liberalismo, não conseguiu sequer ter um grupo de amigos políticos, já que o único discípulo foi Gabino Tejado, que mais tarde entrou no carlismo, onde morreu leal ao rei”. E na segunda anota que após a revolução setembrina os antigos neocatólicos, “depois de intentarem destruir o carlismo […], ficaram muito contentes ao descobrir que poderiam se beneficiar dele”. Na monumental Historia del tradicionalismo español, em trinta volumes, do mesmo Melchor Ferrer, se encontra –está claro– referências muito mais amplas ao assunto. Baste-nos a nosso fim as analisadas de perto. Cfr., como síntese de uma leitura doutrinal da história do carlismo, minha “Una visión contemporánea del carlismo”, em Miguel AYUSO (ed.), A los 175 años del carlismo. Una revisión de la tradición política hispánica, Madrid, Itinerarios, 2011, págs. 15 e segs.
(28) Sobre a iniciativa de Pidal pode ver-se o trabalho excelente de Francisco José FERNÁNDEZ DE LA CIGOÑA, “La Unión Católica”, Verbo (Madrid), núm. 193-194 (1981), págs. 395 e segs., pelo meu juízo demasiado favorável ao político asturiano.
(29) Tentei explicar isso em meu “Menéndez Pelayo y el “menéndezpelayismo político””, Fuego y Raya (Córdoba de Tucumán), núm. 5 (2013), págs. 73 e segs.
(30) É a expressão bem conhecida usada por Alejandro Pidal y Mon em seu discurso “¿Qué esperáis?”, de 1880, e cuja intenção de separá-las de Dom Carlos VII não escapará à obediência da imprensa.
(31) Cfr. o capítulo VI do meu Las murallas de la ciudad. Temas del pensamiento tradicional hispano, Buenos Aires, Nueva Hispanidad, 2001, que leva por título “El problema religioso y el problema político en la historia contemporánea de España”, onde a posição do pidalismo é revisada nas últimas epígrafes.
(32) Cfr., na literatura espanhola, a monografia de Andrés GAMBRA, “Los católicos y la democracia. Génesis histórica de la democracia cristiana”, en AA.VV., Los católicos y la acción política, Madrid, Speiro, 1982, págs. 222 e segs. Bernard Dumont, em sua apresentação à L Reunião de amigos da Cidade Católica, “La Iglesia y las democracias”, Verbo (Madrid), núm. 517-518 (2013), págs. 661 e segs., observou com muita precisão os relevantes aspectos metodológicos implícitos na tática do ralliement. Sempre pode ver-se o clássico de Robert HARVARD DE LA MONTAGNE, Historia de la democracia cristiana. De Lamennais a Georges Bidault, Madrid, Editorial Tradicionalista, 1950, ou o intencionado (e inteligente) ensaio de Eugenio VEGAS LATAPIE, Catolicismo y República. Un episodio de la historia de Francia, Madrid, Cultura española, 1932.
(33) De fato o ralliement, embora de modo mais dissimulado, já havia sido ensaiado antes na Espanha que na França, como veremos. E mesmo na Bélgica antes que na Espanha: cfr. EL CONDE CAPELLE, “Los católicos belgas frente a la Constitución: ¿participar o retirarse?”, Verbo (Madrid), núm. 139-140 (1975), págs. 1313 e segs.
(34) Vide o excelente trabalho de Martin DUMONT, Le Saint-Siège et l’organisation politique des catholiques français aux lendemains du Ralliement (1890-1902), París, Honoré Champion, 2012.
(35) Observa-o agudamente Jean MADIRAN, L’integrisme. Histoire d’une histoire, París, NEL, pág. 257. A esse respeito Etienne GILSON, Le philosophe et la theologie, París, Fayard, 1960, pág. 191, considerava Leão XIII o maior filósofo católico do século XIX. Por sua vez, afirma o contrário, sem muito fundamento, Roberto DE MATTEI, Il ralliement di Leone XIII. Il fallimento di un progetto pastorale, Florencia, Le Lettere, 2014. Livro criticado com razão por Yves CHIRON, “Le “ralliement” de 1892”, La Nef (París), junho de 2016, págs. 32-33, e ““Le ralliement de Léon XIII” de Roberto De Mattei. Une thèse plus que contestable”, Aletheia (Niherne), de 3 de maio de 2016. Outra afirmação insustentável de De Mattei, também respondida por Chriron, é a que “o projeto pastoral no qual terminará o pontificado de Leão XIII terá realização com o Concílio Vaticano II”. Madiran havia sugerido algo na mesma linha, mas de modo muito mais matizado e certeiro, muitos anos antes, em Les deux démocraties, París, Nouvelles Éditions Latines, 1977, págs. 122-125. Coisa distinta é o acerto da tática ou estratégia, que não é o mesmo, mas para esses fins resulta irrelevante, certamente equivocada e por fim falha.
(36) Cfr. Georges JARLOT, Doctrine pontificale et Histoire. L’enseignement social de Léon XIII, Pie X et Benoît XV vu dans son ambiance historique (1878- 1922), Roma, Pontificia Università Gregoriana, 1964, págs. 150-152.
(37) Álvaro d’Ors explicou com grande argúcia como a Igreja termina, por razões pastorais ligadas à salus animarum, reconhecendo aos secessionistas de todos os tipos: La violencia y el orden, Madrid, Dyrsa, 1987, pág. 90.
(38) Marcelino MENÉNDEZ PELAYO, Historia de los heterodoxos españoles, Madrid, Edición Nacional de Obras Completas, 1946-1948, vol. VI, pág. 231.
(39) Claude BARTHE, Trouvera-t-Il encore la foi sur la terre?, París, F-X. de Guibert, 1996. Trata-se do título do primeiro capítulo.
(40) Encontram-se reproduzidas no livro de José ANDRÉS-GALLEGO, Política religiosa en España, 1889-1913, Madrid, Editora Nacional, 1975, págs. 506-507. E também no artigo de Gabriel ALFÉREZ, “El mal menor en política. Historia y aplicaciones actuales”, Verbo (Madrid), núm. 269-270 (1988), págs. 1354-1358.
(41) Rafael GAMBRA, Tradición o mimetismo, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1976, págs. 267-268.
(42) São Pio X, Il fermo proposito (1905).
(43) No plano doutrinal, no entanto, a condenação do modernismo social e da democracia cristã em sentido político brilha em documentos como Notre charge apostolique (1910). Apontou isso agudamente Danilo CASTELLANO, De christiana Republica. Carlo Francesco D’Agostino e il problema político italiano, Nápoles, Edizioni Scientifiche Italiane, 2005. É o sentido do lema “Mais sociedade e menos Estado”, que os tradicionalistas fizeram seu contra o estatismo liberal, mas que com o tempo iria exibir alguns equívocos. Vide meu La cabeza de la Gorgona. De la hybris del poder al totalitarismo moderno, Buenos Aires, Nueva Hispanidad, 2001, cap. 1.
(44) A síntese é de Luis María ACUÑA, pbro., Apostolado seglar y Acción Católica, 2ª ed., Santiago de Chile, San Francisco, 1940, capítulo 5, pág 103.
(45) Vide a equilibrada biografia de Yves CHIRON, Pie XI, Paris, Perrin, 2004.
(46) Assunto delicado que continua a suscitar paixões: sucesso, traição episcopal com engano ao papa ou decisão prudente deste último à vista dos fatos? Não devo deixar-me complicar o assunto. Uma referência pode ser vista, a partir das críticas feitas ao livro de Jean MEYER, La Cristiada, Cidade do México, Siglo XXI, 1973, em seu trabalho posterior La Cristiada en la distancia, Cidade do México, Siglo XXI, 2004. Em todo caso, a causa católica saiu debilitada e os combatentes escaldados.
(47) À tese de Jacques PRÉVOTAT, Les catholiques et l’Action française. Histoire d’une condamnation. 1899-1939, París, Fayard, 2001, seguiu o livro de Philippe PRÉVOST, Autopsie d’une crise politico-religieuse. La condamnation de l’Action Française. 1926-1939, París, Librairie canadienne, 2008. Pode ver-se uma crítica, sobretudo do segundo, em Yves CHIRON, “Du nouveau sur la condamnation de l’Action Française?”, Maurrasiana (Niherne), ano IV, núm. 10 (2009), págs. 1-4.
(48) A literatura sobre o assunto é abundante, mas baste citar o testemunho de nosso mestre Eugenio VEGAS LATAPIE, Memorias políticas. La suicidio de la Monarquía y la II República, Barcelona, Planeta, 1983, e a síntese de Santiago GALINDO HERRERO, Los partidos monárquicos bajo la II República, 2ª ed., Madrid, Rialp, 1956.
(49) Sigo novamente o essencial de algumas páginas do meu artigo citado anteriormente sobre “A democracia cristã na Espanha”.
(50) O livro de Federico SUÁREZ VERDEGUER, La crisis política del antiguo régimen en España (1808-1840), Madrid, Rialp, 1950, continua sendo o ensaio de reconstrução mais sugestivo.
(51) Cfr., a respeito da primeira, José Luis COMELLAS, Los moderados en el poder (1844-1854), Madrid, CSIC, 1970 e, para o segundo, José María GARCÍA ESCUDERO, De Cánovas a la República, Madrid, Rialp, 1951. Esse último, nas primeiras páginas de seu livro, afirma que 1936 é o preço que os espanhóis pagaram por 1874. Isto é, que a guerra na Espanha é a culminação por haver encerrado falsamente o conflito existente por meio da chamada Restauração. Cfr. Miguel Ayuso, Las murallas de la ciudad. Temas del pensamiento tradicional hispano, Buenos Aires, Nueva Hispanidad, 2001, capítulo VII.
(52) Pode ver-se um desenvolvimento em meu La constitución cristiana de los Estados, cit., págs. 32 e segs. [págs. 68 e segs. da citada edição em português].
(53) Cfr., respectivamente, Jean-Baptiste DUROSELLE, Les débuts du catholicisme social en France (1822-1871), París, PUF, 1951, y Oscar ALZAGA, La primera democracia social en España, Barcelona, Ariel, 1973, págs. 45 e segs. Severino Aznar, no prólogo ao volume XXIV das Obras de Mella (Barcelona, Subirana, 1934, págs. 32 e segs.), depois de observar que a inspiração social de Vázquez de Mella é anterior a Rerum novarum, e se perguntando de quem ele recebeu a iniciação, responde que “principalmente dos manifestos-programas de seu partido e sobretudo da tradição que, como relicário, havia guardado”.
(54) Vide Francisco CANALS, “El deber religioso de la sociedad española”, Cristiandad (Barcelona), maio de 1969, também em seu livro Política española: pasado y futuro, cit., págs. 219 e segs.
(55) Segundo a famosa frase com a qual Dom Delatte distinguiu Dom Guéranger de Falloux ou Montalembert. Vide Dom Paul DELATTE, Dom Guéranger, abbé de Solesmes, París, Plon, 1910, tomo II, pág. 11: “Un large sillon divisait dorénavant […] les catholiques en deux groupes: ceux qui avaient comme premier souci la liberté d’action de l’Église et le maintien de ses droits dans une société encore chrétienne; et ceux qui premièrement s’efforçaient de déterminer la mesure du christianisme que la société moderne pouvait supporter, pour ensuite inviter l’Église à s’y réduire”.
(56) Cfr. Francisco CANALS, “Sobre la actitud del cristiano ante lo temporal”, Cristiandad (Barcelona), outubro de 1960, e em Política española, pasado y futuro, cit., págs. 211 e segs.
(57) Jean MADIRAN, “Notre politique”, Itinéraires (París), núm. 256 (1981), págs. 3 e segs.
(58) Vide Francisco CANALS, ““Hemos hecho un pacto con la muerte”. Cristo rey, democracia cristiana y la ruina espiritual de España”, loc. cit., pág. 209.
(59) Vide um resumo da questão nas páginas 92 e segs. do meu várias vezes citado La constitución cristiana de los Estados [págs. 111 e segs. da citada edição em português].
(60) Cfr. Eugenio VEGAS LATAPIE, Consideraciones sobre la democracia, Madrid, Real Academia de Ciências Morais e Políticas, 1965, pág. 41, onde coloca a expressão [“Ele engoliu o nome, ele engolirá a ideia.”] na boca de um dos propugnadores franceses da democracia cristã em sentido político, Henri Lorin.
(61) Não deixa de ser sofística a apresentação de uma democracia cristã de origem carlista. Pois não há dúvida se se refere à pura ação social, mas se o foco muda para a política, por mais que muitos de seus fundadores procederam do carlismo (é o caso do já mencionado Severino Aznar ou Salvador Minguijón, entre outros), se trata na realidade de uma deserção. O caso não é muito diferente daquele que vê no carlismo as raízes do nacionalismo basco ou catalão. O carlismo, portanto, estaria na origem de tudo. O que ocorre é que não é carlismo, senão desnaturalizações do mesmo (na melhor dos casos, derivações e, ademais, não necessariamente em linha reta). O artigo de José Luis ORELLA, “Las raíces carlistas de la democracia cristiana”, Aportes (Madrid), n. 40 (1999), p. 103 e segs., como já disse em outra ocasião, não apenas exibe escassas matizes em sua informação não muito abundante, senão que puxa a brasa para a sardinha do “propagandismo” católico, ao qual pertence (ou pertencia). Um maior desenvolvimento do assunto pode ser visto no meu artigo “La democracia cristiana en España”, loc. cit., págs. 69 e seguintes
(62) Uma história da Associação, promovida pela mesma, está em processo de publicação. Em relação ao primeiro período, escrita por José Luis GUTIÉRREZ GARCÍA, Historia de la Asociación Católica de Propagandistas. Ángel Herrera Oria, primer período (1908-1923), Madrid, CEU, Madrid, 2010.
(63) Cfr. José Ramón EGUILLOR, Manuel REVUELTA y Rafael Mª SANZ DE DIEGO, Memorias del padre Luis Martín, General de la Compañía de Jesús (1846-1906), 2 tomos, Madrid, Universidad Pontificia Comillas, 1988. Parece clara a intenção do papa e de seu generalato. Pode ver-se a resenha muito precisa de Francisco José Fernández de la Cigoña, en Verbo (Madrid), núm. 429-430 (2004), págs. 898 e segs.
(64) Em todas as partes vai se dar uma conexão Ação Católica-Democracia Cristã que, na Espanha, se estende à mais complexa Associação Católica nacional de Propagandistas-Ação Católica-Democracia Cristã. Ángel Herrera, por exemplo, presidia tanto a primeira como a segunda contemporaneamente nos anos da República.
(65) Muito interessante é a análise de Estanislao CANTERO, La contaminación ideológica de la historia, Madrid, Libros Libres, 2009, págs. 33 e segs.
(66) É conhecido o telefonema de felicitações que fez desde o Friburgo suíço, onde estudava teologia, para Gil Robles, por umas supostas declarações deste contra a revolta e que resultaram ser falsas. Não assim, claro, a atitude de Herrera. O próprio Gil Robles conta que teve que tirá-lo de seu erro, em seu No fue posible la paz, Barcelona, Ariel, 1968, pág. 790. Também o relata em suas memórias, por tê-lo sabido então, o marquês de Valdeiglesias, na época marquês das Marismas do Guadalquivir, José Ignacio ESCOBAR, Así empezó, 2ª ed., Madrid, Gráficas del Toro, 1975, pág. 28, e também Eugenio VEGAS, no segundo tomo das suas, Los caminos del desengaño, Madrid, Tebas, 1987, págs. 313-314.
(67) Repare-se que ao fim de sua vida dizia do chefe de Estado que ele era “o primeiro magistrado da nação que dava diariamente um grande exemplo ao povo pelo honrado cumprimento de seu dever”, “o egrégio varão que tem dado a sua pátria mais de vinte e cinco anos de paz”. Cfr. Ángel HERRERA, “El general Franco”, em Obras completas, tomo II, BAC, Madrid, 2002, págs. 509-513. Para a reconstrução das relações entre o propagandismo e o franquismo, entre 1945 e 1957, cfr. Javier TUSELL, Franco y los católicos, Madrid, Alianza, 1990.
(68) Cfr. Guy HERMET, Los católicos en la España franquista, vol. II, Los caminos de una dictadura, Madrid, CIS, 1986.
(69) Comentei sobre a conexão descristianização-europeização no capítulo IV do já mencionado Las murallas de la ciudad. Cfr., também, meu “En torno a la cuestión democristiana”, Verbo (Madrid), núm. 331-332 (1995), págs. 21 e segs., decorrente de uma mensagem de João Paulo II aos bispos italianos, onde elogia a democracia cristã precisamente em chave europeísta. A esse respeito é de grande interesse o texto de Chistophe RÉVEILLARD, “Incidencias políticas de las opciones conciliares”, em Bernard DUMONT, Miguel AYUSO e Danilo CASTELLANO (eds.), Iglesia y política. Cambiar de paradigma, Madrid, Itinerarios, 2013, págs. 103 e segs.
(70) Deve ser registrada a exceção que supõem os nacionalismos basco e catalão, apresentados há muito tempo como formalmente democrata-cristãos em suas correntes dominantes e hoje, por outro lado, cada vez mais distante do rótulo, nem mesmo em sua versão mais deletéria. Embora não seja menos verdade que, puramente, a exceção possa ser reduzida a termos mais justos se for observado que também nesses casos o democrata-cristão aparece recoberto pelo nacionalista. Isto é, novamente, não é o objeto político primário. Javier Barraycoa escreveu recentemente páginas muito interessantes sobre a “singularidade” nacionalista no seio da política espanhola a propósito do tema que nos ocupa. Cfr. “Catolicismo político tradicional, liberalismo, socialismo y radicalismo en la España contemporánea”, Verbo (Madrid), núm. 525-526 [527-528] (2014): “O catolicismo liberal, que tinha como único e verdadeiro inimigo, em sua agenda oculta, o catolicismo tradicional, teve que desenvolver estratégias (não necessariamente conscientes) para enfraquecer o tradicionalismo. Por isso, nos lugares onde o carlismo e o tradicionalismo eram mais poderosos (Catalunha e Vascongadas), o catolicismo liberal apareceu como regionalismo e acabou como nacionalismo. Foi nos grandes baluartes do carlismo que a democracia cristã apareceu como organização política. No resto da Espanha o catolicismo liberal conseguiu atrair seu aparente oponente, o integrismo, através da aceitação da restauração monárquica liberal”.
(71) Francisco CANALS, ““Hemos hecho pacto con la muerte”: Cristo rey, la democracia cristiana y la ruina espiritual de España”, loc. cit., pág. 207.
(72) Cfr. Dalmacio NEGRO, El mito del hombre nuevo, Madrid, Encuentro, 2009, págs. 136 e segs. e, sobretudo, Historia de las formas de Estado, Madrid, El Buey Mudo, 2010, págs. 364 e segs.
(73) Vide, novamente, Danilo CASTELLANO, De christiana Republica, cit., assim como o de Pietro Giuseppe GRASSO, Constituzione e secolarizzazione, Padua, Cedam, 2002.
(74) Essa fraqueza é personificada pela figura de Otto de Habsburg, como desponta –apesar da intenção contrária– da biografia de Ramón PÉREZ-MAURA, Del Imperio a la Unión Europea: la huella de Otto de Habsburgo en el siglo XX, Madrid, Rialp, 1997. De minha parte, dediquei ao asunto uns parágrafos no obituário de Thomas Chaimovicz, ilustre professor austríaco e preceptor dos filhos de Don Otón, publicado nos Anales de la Fundación Francisco Elías de Tejada (Madrid), núm. 8 (2002), págs. 263 e segs.
(75) Cfr. Miguel AYUSO, El ágora y la pirámide. Una visión problemática de la Constitución española, Madrid, Criterio libros, 2000. O primeiro capítulo, “Uma Constituição para uma transição?”, narra em detalhes as vicissitudes de tal processo.
(76) Se se apura, haveria que incluir também a quase irrelevante Fuerza Nova: não se deve esquecer que a carreira política de Blas Piñar, que pertenceu à ACdP, começou na Ação Católica.
(77) Vide a interessante análise de Francisco CANALS, “La inútil democracia cristiana”, Solidaridad Nacional (Barcelona), 19 de setembro de 1976, também em Política española: pasado y futuro, cit., págs. 363 e segs., embora a realidade fosse definitivamente por outro caminho depois que o presidente Suárez afirmou sua capitania.
(78) Francisco CANALS, ““Hemos hecho pacto con la muerte”: Cristo rey, la democracia cristiana y la ruina espiritual de España”, loc. cit., pág. 209.
(79) Ibid., págs. 209-210.
(80) Ibid., pág. 210. A revista Fuego y Raya, editada pelo Conselho de Estudos Hispânicos Felipe II e dirigida pelo professor Juan Fernando Segovia, dedicou o dossiê central das edições 6 a 9 inclusive (entre novembro de 2013 e abril de 2015) ao estudo monográfico da experiência democrata-cristã no mundo hispânico, concluindo com um texto panorâmico do diretor da revista e de quem escreve (que preside o Conselho) no número 10 (novembro de 2015). O conjunto é bem interessante para ilustrar nas experiências singulares o que é expresso sinteticamente pelo autor citado.
(81) Para uma introdução à história da Cidade Católica pode ver-se o livro de Raphaëlle DE NEUVILLE, Jean Ousset et la Cité catholique, Dominique Martin Morin, Bouère, 1998. Embora bem-intencionado, é um pouco superficial. Outra versão, mais interessante, mas no fundo, pior, onde são evidentes algumas das opções erradas de seu autor (e de quem ele representa), é a de Massimo INTROVIGNE, “Jean Ousset e La Cité Catholique. A cinquant’anni da Pour qu’Il règne”, Cristianità (Plasencia), núm. 355 (2010), págs. 9 e segs. Quanto a nós, com a morte de Jean Ousset, a Verbo dedicou um ramalhete de ensaios, encabeçados por umas páginas de Juan Vallet, seguidas de outras de Estanislao Cantero, do autor dessas linhas e de Fernando Claro. Encontram-se no núm. 325-326 (1994), entre pp. 453 e 500. Particularmente valioso é o ensaio de Estanislao Cantero, intitulado “Catolicismo y política. Jean Ousset, maestro católico de la contrarrevolución católica”.
(82) Em 7 de maio de 1939, na presença do próprio Maurras, o jovem Ousset fala da “Ação Francesa, escola de verdade”. O mestre, no dia seguinte, saúda com entusiasmo as qualidades do discípulo, revelando seu nome na edição do diário no dia 9. Ousset viaja a Paris para propor a criação de uma escola doutrinal no seio da Ação Francesa. E Maurras responde com sua singular agudeza: a Ação Francesa, a começar por seu nome, tem a ver com ação. Agora, “se busca uma doutrina, não tenha dúvida de que a doutrina católica é a única verdadeira: se você é católico, portanto, não seja pela metade”. Cf. Raphaëlle DE NEUVILLE, op. cit., p. 42. Algo semelhante dirá, uns anos depois, em 1942, a Jean Madiran, para acreditar em Danièle MASON, Jean Madiran, Maule, Diffralivre, 1989, p. 34. E a união de ambos os nomes, Ousset e Madiran, na boca do mestre, ocorreria em 1944, no último congresso da Ação Francesa com a presença de Maurras, o dos estudantes de Lyon. É o que conta delicadamente o próprio Madiran em seu Maurras, Paris, Nouvelles Éditions Latines, 1992, págs. 24-25.
(83) A primeira edição (Paris, La Cité Catholique, 1959), que não indicava o nome do autor, foi traduzida para o espanhol por Speiro em 1961. Na segunda edição (Paris, Club du Livre Civique, 1970), também traduzida para o espanhol por nós em 1972, e onde o nome de Ousset já figurava, desaparece a quarta parte, editada dois anos antes (Paris, Office International des Oeuvres de Formation Civique et Action Culturelle selon le Droit Naturel et Chrétien, selecionar o Direito Naturel e Chrétien, 1968) ampliada com o título de L’Action. Que Speiro verteu ao espanhol igualmente no ano seguinte. Vide, sobre as mudanças, e sua explicação, Gabriel ALFÉREZ, “recensão” à nova edição de Pour qu´Il regne, em Verbo (Madrid), n. 85-86 (1970), p. 512-514. Posteriormente, após pelo menos uma outra edição de acordo com o arranjo da segunda, em 1998 volta a ser impressa a primeira edição. Em 2011, um editor argentino (Buenos Aires, Dómine) obteve benevolamente de Speiro e dos herdeiros de Jean Ousset os direitos para reproduzir a primeira edição castelhana, cometendo o grave erro de ter-se permitido corrigir a tradução (segundo se diz na página de créditos) sem ter advertido os legítimos proprietários da versão e que só o haviam dado facilidades.
(84) A crítica mais fina segue sendo a de Leopoldo Eulogio PALACIOS, El mito de la nueva Cristiandad, 3ª ed. revisada, Madrid, Rialp, 1957. Para uma síntese muito acertada, cfr. Rafael GAMBRA, “La filosofía católica en el siglo XX”, Verbo (Madrid), núm. 83 (1970), págs. 167 e segs. Uma revisão das críticas recebidas pelo trabalho de Maritain pode ser vista em meu “Los antimaritainianos de la rive droite”, Verbo (Madrid), núm. 529-530 (2014), págs. 839 e segs.
(85) Cfr. Rafael GAMBRA, “Víctor Pradera en el pórtico del Alzamiento Nacional”, Revista de Estudios Políticos (Madrid), núm. 192 (1973), págs. 154-155: “Para elas (as democracias cristãs), o Estado é acidental ou não essencial, religiosa e moralmente, e por essa razão proclama a “indiferença às formas de governo”. Do ponto de vista católico, cabe apenas politicamente a exigência de propagar e influir a partir de baixo para ocupar –individualmente ou em equipe– os postos-chave da sociedade política e do poder –de qualquer poder–, que receberá assim sua bondade apenas da administração pessoal de seus governantes. Na Espanha, essa atitude foi representada […] pela escola de El Debate, fundada por dom Ángel Herrera, da qual nasceram o partido político Acción Popular (CEDA) e o grupo religioso-político dos “Propagandistas Católicos”. Para esses movimentos, a dedicação pessoal à política, a qualquer política, é boa e até apostólica, desde que não negue expressamente a Deus […]”.
(86) Jean OUSSET, Para que Él reine, Madrid, Speiro, 1961, págs. 106-107.
(87) Juan VALLET DE GOYTISOLO, “Qué somos y cuál es nuestra tarea”, Verbo (Madrid), núm. 151-152 (1977), págs. 45 e segs. As aspas internas referem-se a uma citação de Michel de Penfentenyo. Pode ver-se, no mesmo sentido, do mesmo Vallet, “Nuestro combate cultural”, Verbo (Madrid), núm. 371-372 (1999), págs. 139 e segs., e de Estanislao CANTERO, “¿Qué es la Ciudad Católica?”, Verbo (Madrid), núm. 235-236 (1985), págs. 529 e segs.
(88) Jean OUSSET, “Por un sano laicismo del laicado cristiano”, Verbo (Madrid), núm. 32 (1965), págs. 79 e segs. A ideia é brilhante, embora a formulação possa não ser muito feliz. Pois laicismo soa estranho. Claro é que, em francês, o termo “laicidade” soa pior, pois tem um significado técnico: o da legislação anticristã. O que impede o usual truque clerical de opor laicismo (ruim) a laicidade (bom). Cfr. meu La constitución cristiana de los Estados, cit., págs. 117 e segs [págs. 147 e segs. da citada edição em português].
(89) Jean de FABRÈGUES, Bernanos tel qu’il était, París, Mame, 1963, pág. 137.
(90) Jean MADIRAN, “Notre désaccord sur l’Algérie et la marche du monde”, Itinéraires (París) núm. 67 (1962), pág. 203.
(91) Cfr. Jean MADIRAN, Críticas a la Ciudad Católica, Madrid, Speiro, 1963, pág. 140.
(92) Sobre a vida e obra de Eugenio Vegas Latapie, pode ser consultado a edição dedicada pela Verbo por ocasião de seu falecimento, a de número 239-240 (1985), bem como, posteriormente, Juan VALLET DE GOYTISOLO, “Eugenio Vegas y las derechas”, Verbo (Madrid), núm. 245-246 [247-248] (1986), págs. 856 e segs., e os textos reunidos pela mesma revista no décimo aniversário de falecimento do mestre, núm. 337-338 (1995), págs. 687 e segs. Os dados essenciais para uma história da Cidade Católica, devemos, novamente, principalmente a Juan VALLET DE GOYTISOLO, “Eugenio Vegas y la Ciudad Católica”, Verbo (Madrid), núm. 239-240 (1985), págs. 1191 e segs.; “In memoriam Jean Ousset: modelo y guía para los amigos españoles de la Ciudad Católica”, Verbo (Madrid), núm. 325-326 (1994), págs. 453 e segs.; “La formación doctrinal y la Ciudad Católica. Su introducción entre nosotros por Eugenio Vegas Latapie”, Verbo (Madrid), núm. 337-338 (1995), págs. 453 e segs.
(93) Juan VALLET DE GOYTISOLO, loc. ult. cit., pág. 687.
(94) Juan VALLET DE GOYTISOLO, “Eugenio Vegas y la Ciudad Católica”, loc. cit., págs. 1193 e segs. De minha parte, o expandi em “El lugar intelectual de Verbo”, Razón Española (Madrid), núm. 22 (1987), págs. 205 e segs.
(95) Vide meus textos por ocasião dos quarenta e cinquenta anos da revista: “Cuarenta años”, Verbo (Madrid), núm. 399-400 (2001), págs. 785 e segs.; e “Cincuenta años”, Verbo (Madrid), núm. 499-500 (2011), págs. 755 e segs.
(96) Juan VALLET DE GOYTISOLO, “La formación doctrinal y la Ciudad Católica. Su introducción entre nosotros por Eugenio Vegas Latapie”, loc. cit., págs. 689-690.
Traduzido por Mateus Barbosa a partir da versão original em castelhano disponível em https://fundacionspeiro.org/downloads/magazines/docs/pdfs/5095_la-ciudad-catolica-y-la-accion-politica-del-laicado.pdf. Informações entre colchetes são notas do tradutor. Links foram adicionados para documentos e artigos referenciados ao longo do texto e disponíveis na internet.
Notas do tradutor
[1] A causa legitimista, na França, defendia a restauração da monarquia da dinastia da Casa de Bourbon, destronada em 1830 pela monarquia da Casa de Orléans. Em geral, são chamados legitimistas os movimentos políticos tradicionalistas de defesa das monarquias tradicionais católicas (portanto, antiliberais) substituídas (usurpadas) por outras monarquias constitucionais parlamentares. Na Espanha, é legitimista o movimento carlista, defensor da dinastia de Carlos V (Carlos Maria de Bourbon, irmão do rei Fernando VII), contra a de Isabel II (filha de Fernando VII), que trinfou após as guerras civis com apoio da Coroa Inglesa e dos liberais-maçônicos. Em Portugual, destacou-se o miguelismo, movimento legitimista que defendia o reinado de D. Miguel I, que reinou entre 1826 e 1834, quando foi forçado a abdicar em favor de D. Maria II, filha de D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil) e exilado, após ser derrotado na guerra civil portuguesa pelas forças liberais. Vide também a nota [2] abaixo.
[2] Como breve resumo do que é o carlismo, traduzimos a resposta de Miguel Ayuso à pergunta, numa entrevista de maio de 2016 à revista cultural La Soga:
“Vou retomar a descrição que um dos meus mestres, o grande escritor e filósofo do direito Francisco Elías de Tejada, catedrátrico da Universidade, primeiro de Salamanca, depois de Sevilha e finalmente Complutense de Madri, deu em um livro, intitulado precisamente O que é o carlismo?, nos anos setenta do século XX. Nele explicava que o carlismo é um fenômeno que pode ser apreendido através de três características. Em primeiro lugar, o legitimismo. Isto é, o carlismo começa como um pleito dinástico à morte de Fernando VII e tem um componente jurídico, no sentido de que uma série de atos contrários ao Direito buscaram apartar da sucessão o Infante Dom Carlos, irmão do rei, para deixar que pudesse ser a filha, de curtíssima idade, Isabel, a que pudesse aceder ao trono. Mas essa questão do legitimismo, que tem como digo um componente não somente histórico senão jurídico, é um elemento que de alguma forma não deixa de ser instrumental. Isto é, é um “centro de recrutamento”, de um fenômeno que faz emergir algo mais profundo. Porque, no fundo, esses conflitos dinásticos ocorrem em Portugal, depois na Espanha, também de alguma maneira na França. No fundo deles não existe apenas um problema dinástico, mas também outro filosófico, ideológico, poderíamos dizer, se utilizarmos já a palavra ideologia, que está relacionada aos fenômenos políticos modernos, ou seja, aqueles que ocorrem a partir do Iluminismo. Aparece assim um segundo elemento: uma continuidade histórica. A que Elías de Tejada gostava de chamar, no plural, segundo uma antiga tradição espanhola, as Espanhas. É ela que permite situar o carlismo no seio de uma longíssima tradição, pois a monarquia hispânica não deixa de ser uma prolongação da velha cristandade. A cristandade morre no âmbito do que geograficamente é Europa, para dar lugar ao conceito moderno, cultural, de Europa, entre 1517 e 1648, através de cinco rupturas, simbolizadas as quatro primeiras nos nomes de Lutero, pois o mundo moderno é de descendência protestante; Maquiavel, que separa a política da ética; Bodino, que com a soberania suprime a autonomia da multiplicidade de corpos sociais; Hobbes, que esvazia de substância comunitária a vida sociopolítica com o mecanismo do contrato social. Que se concretizam historicamente em uma quinta: a Paz da Vestfália, que encerra os conflitos nos quais a monarquia hispânica é derrotada em seu desejo de manter a antiga ordem da cristandade. Essa cristandade maior, que é a medieval, foi derrotada em 1648 e termina reduzida ao que Elías de Tejada chamou de christianitas minor e essa é a monarquia hispânica.
Essa christianitas minor subsiste até que a revolução liberal a desmedula. Então, o carlismo se converte no herdeiro da velha Espanha. O carlismo, enquanto cultor e enquanto custódio da velha cristandade hispânica, se situa como um elemento de continuidade que, junto ao elemento dinástico, o primeiro, constitui o segundo fator: a continuidade histórica das Espanhas.
E, em terceiro lugar, dizia Elías de Tejada, justamente por causa do período em que surge o carlismo, que é quando se produziu a revolução liberal e fundamentalmente a Revolução Francesa, que é a que no mundo latino teve um impacto maior, à margem das revoluções prévias que ocorrem no mundo anglo-saxão, neste momento de eclosão das ideologias, o carlismo também instrumenta um conjunto de princípios que eu me recuso a chamar ideologia, porque entendo que esta é de algum modo um subproduto da realidade. Em outras palavras, é um desejo irracionalista ou idealista de substituir a realidade das coisas, enquanto o pensamento tradicional é profundamente realista, profundamente arraigado à realidade das coisas. Portanto, o carlismo não foi um fenômeno ideológico, mas um fenômeno popular, ligado a um conjunto de realidades e verdades que estão na tradição espanhola. E esses princípios doutrinais que o carlismo veicula, é o que poderíamos chamar de tradicionalismo, embora o sufixo ismo seja sempre perigoso. A tradição espanhola. Isso é perfeitamente visto no trilema ou quadrilema, “Deus, Pátria, Rei”, ou “Deus, Pátria, Foros, Rei”, que é onde encontramos uma sabedoria política tradicional não apenas hispânica, porque o núcleo dessas tradições se correspondem com todo o mundo católico e todo o mundo cristão, inclusive, mas que na Espanha tem um significado muito profundo, porque Espanha permanece à margem da Modernidade e vive um projeto próprio de cristandade até sua derrota precisamente pelo liberalismo no século XIX.
O carlismo é a continuidade histórica das Espanhas e inclui uma filosofia política tradicional, antiliberal, que poderíamos chamar de tradicionalismo, articulada em torno desse trilema ou quadrilema, no qual Deus não é apenas uma afirmação da fé individual, mas que supõe uma afirmação comunitária de matriz religiosa; em que a pátria não é a nação moderna e precisamente por isso pode articular-se a pátria grande com as pátrias pequenas e pode haver perfeitamente uma coesão de tipo comunitário, mas ao mesmo tempo uma pluralidade de tipo foral, vinculando-se ao terceiro elemento. Os foros são sistemas de liberdades políticas concretas, por isso o foralismo é um princípio de autonomismo, mas não revolucionário moderno como os sistemas estatutários recentes; e, finalmente, o Rei implica a monarquia como sacralidade, o caráter sagrado da monarquia e, ao mesmo tempo, é um elemento de continuidade e de construção ou explicação familiarista da vida política. A monarquia como forma política tem a grande virtualidade de que é a família real que coroa o conjunto de famílias. É a família como célula básica, como elemento essencial da vida política, em vez do indivíduo.”
Opostos à monarquia liberal reinante na Espanha, os carlistas têm como Rei legítimo Don Sixto Enrique de Borbón, descendente mais próximo do último Rei tradicional à frente da Espanha.