Jackson de Figueiredo
Deve estar a fechar-se o ciclo dos elogios interessados ao Sr. Borges de Medeiros. De certo, por muito tempo ainda, a imbecilidade e a má fé o injuriarão em nome do patriotismo e da democracia.
Ora viva!
Como creio que o Sr. Borges de Medeiros não sairá tão cedo do seu exílio do poder, julgo que a ele próprio se evidenciarão sinceras as palavras com que, da minha humildade, ouso saudá-lo, na sua derrota, como a um dos raros vultos, que ainda emprestavam nobreza e dignidade ao ambiente social e político do Brasil contemporâneo.
Porque esta é a minha convicção: o Sr. Borges de Medeiros é um vencido, o grande vencido do Sr. Artur Bernardes que, para vencê-lo, cometeu, a meu ver, o único crime ou erro político verdadeiramente notável do seu agitado governo: o crime ou erro de ter, por todos os meios, enfraquecido o prestígio do grande chefe gaúcho, criando, pois, em nossa fronteira, uma situação de humilhação e de fraqueza, tão grave e tão séria, que será talvez única em nossa história.
É cedo ainda, porém, para ajuizar da atuação do Sr. Artur Bernardes, neste sentido.
Dada a situação que lhe haviam criado os seus inimigos, ninguém pode dizer se agiu pela força das necessidades do momento, se por mero capricho pessoal, indiferente às consequências, no que elas alcançariam a segurança mesma do país.
Pouco importa. O Sr. Borges de Medeiros, sem perder, de modo algum, o senso da realidade política nacional, e o da própria realidade partidária no seu Estado, como verdadeiro homem de bem, como verdadeiro patriota, sobrepondo a todas as angústias, a todos os vexames de ordem pessoal, a noção do bem público, soube ceder a tempo, sem vacilações prejudiciais, ceder aos que o malsinavam, restringindo, assim, a ação da desordem, diminuindo, quanto possível, a desmoralização do Rio Grande do Sul, não só como unidade da Federação, mas também como força, a mais respeitável, de que o país dispõe na única das suas fronteiras políticas que, realmente, até agora, merece este nome.
Dada a situação moral em que nos deparamos, todos nós, brasileiros, dado o que se sabe do Brasil como Estado, neste momento, completamente desarmado, sem Exército nem Marinha, o que teria sido providencial fora a vitória do Sr. Bernardes sem derrota do Sr. Borges de Medeiros.
Mas Deus assim não quis, e talvez (também é possível imaginar) não seria possível aquele momentâneo equilíbrio sem consequências ainda mais desastrosas para a unidade nacional, ante a verificação da existência, das nossas fronteiras adentro, de dois poderes políticos por assim dizer equivalentes.
Mas a verificação atual, por ser menos grave, não é menos digna de consideração, de meditação e de tristeza.
O Sr. Borges de Medeiros foi durante um quarto de século, a máxima garantia de estabilidade nas regiões do Sul.
Homem de feição doutrinária — único que registrará o Plutarco dos nossos repúblicos menos raquíticos — o ex-presidente do Rio Grande aliava a saber o que queria, não só aquela sua invulnerável honestidade pessoal, que resistiu, intacta, aos dentes dos mais esfomeados caluniadores. Aliava, digo, um dom ainda mais precioso, do ponto de vista político, pois é ele só o que faz útil a honestidade: o dom do bom senso, a capacidade, pois, de tornar duradoura a ação moral, adaptando-a às circunstâncias, sem geometrismos absurdos e inumanos.
Que será do Rio Grande do Sul, o que quer dizer, até certo ponto, que será do Brasil, sob o influxo das novas influências que, fatalmente, irradiarão da sua nova situação governamental?
Não serei eu quem ponha em dúvida nem a inteligência, nem a cultura, nem o caráter do Sr. Getúlio Vargas. Quero crer, pelo contrário, que ninguém mais do que ele esteja no caso de tentar substituir o Sr. Borges de Medeiros no heroico esforço em prol da paz e da prosperidade do Rio Grande.
Mas uma coisa é um homem sentir-se digno de uma tarefa, e ter mesmo, em derredor, o unânime assentimento dos seus concidadãos, e outra é possuir, de fato, os dons quase sobrenaturais do verdadeiro condutor de povos, dons que se não confundem nem com os da inteligência pura nem com os da mais sublime moralidade, e se objetavam, as mais das vezes, como uma irritante e incompreensível “média” de extremas grandezas e mesquinharias morais, assim como de fortes intuitividades e antipáticas tendências empíricas.
O Sr. Borges de Medeiros, em meio da revôlta e orgulhosa massa humana, que constitui a base da nossa defesa no Sul, foi sempre, revelou-se sempre esse misterioso condutor de homens, que jamais poderá ser julgado pelo mesmo critério a que é possível sujeitar a fácil atividade do político vulgar, do simples profissional da política.
Era, pois, repito, para todo homem de bom-senso e que ame o Brasil ainda mais que a qualquer das suas paixões, uma garantia da nossa integridade, uma espécie de quebra-mar às nossas marés de fel, e às ondas de ambição que poderão levantar-se, para além de nós mesmos, ao primeiro sinal da nossa fraqueza.
E foi isto o que de melhor se conseguiu em trinta anos de República, em trinta anos de farsa federativa.
O Norte como uma miserável colônia de São Paulo e de Minas, tão miserável, tão infame, que vive contente, a resplandecer na face dos seus políticos incapazes do menor gesto de orgulho e de independência.
O Rio Grande, novamente como um enigma, novamente como um problema a resolver!
É de fazer medo às mais humildes pedras do chão. Mas os agitadores profissionais, mas os nossos próceres republicanos, estes, estarão, a esta hora, satisfeitos, perfeitamente seguros de que o dilúvio, de qualquer forma, não os alcançará.
Deus os proteja e a todos nós
Gazeta de Notícias, 15 de fevereiro de 1928.