Jackson de Figueiredo
Pode-se dizer que o artigo do Sr. Conde de Laet, ontem publicado pelo “O Jornal do Brasil”, quase nada tem que ver com a nossa querida polêmica destes últimos dias. Creio que a resposta, que me deve, virá amanhã pelas colunas do “O Jornal”…
Mas nunca é perder tempo notar o que diz o eminente Sr. Conde Laet, às turbas brasílicas, se outrora edificadas pela sua intolerância política, ainda mais cristãmente refeitas com esse “leite de humana ternura”, que agora corre em caudais da sua pena de ouro.
Por isso, somente por isso, se não me atrevo a fazer propriamente uma defesa de Felício dos Santos, tão amistosamente “arranhando” pelo Sr. Conde, ouso correr, ainda uma vez, em socorro daqueles a que, tão impiedoso, apedreja-os defensores do Sr. Arthur Bernardes, besta fera, chacal, hiena, onça, tigre feroz, que até 30 de setembro de 1924, no entanto, foi, como já demonstrei, para o mesmo Sr. Conde de Laet, um homem de bem, um homem de juízo, um bom chefe de Estado, apesar do bombardeio de S. Paulo, apesar do pedagogo Fontoura e das suas predileções pelos climas de Clevelândia e da Ilha da Trindade…
Conforme a antigos e bons preceitos da arte de ferir com fidalguia, o Sr. Conde faz ainda desta vez a aplicação de uma historieta a esse sério caso da nossa história política, em que se está revelando, em toda a sua pureza de intenções, o senso patriótico do nosso jornalismo. Aprendeu-a, diz ele, de um sírio, “vendedor de fazendas a prestações” – bom mestre de árabe… e o terá sido talvez de outras coisas difíceis, de que o Sr. Conde, de tempos para cá, se mostra sabedor.
A historieta é a seguinte:
“Uma récua de camelos, carinhosamente tratados pelo dono, teve a desgraça de perde-lo em certa refrega. Veio outro cameleiro e reduziu a ração dos prestimosos animais. Estes enfureceram-se (o camelo, quando se irrita, é terrível), e tal foi a sua cólera que remédio não houve senão soltá-los no deserto. Eles, porém, logo que se viram em liberdade, farejaram o tumulo do antigo protetor e lá se deixaram morrer à fome.”
Vejamos, agora, a aplicação:
“Para o Sr. Conde o primeiro cameleiro, o que morreu na refrega, é o Sr. Arthur Bernardes: a récua de camelos somos nós, os atuais defensores do Sr. Arthur Bernardes; e digo só os atuais, porque se admitimos também os antigos, temos que pôr o Sr. Conde de Laet entre tão feios e fieis animais, o que seria um desproposito.”
Mas qual o sentido mesmo dessa aplicação?
Palavra que não a compreendo. Pois só o Sr. Conde considera o Sr. Bernardes um cameleiro morto, não se compreende por que ainda está a ataca-lo com tanta vivacidade… Ora, o Sr. Conde confessa que a história de terem os camelos preferido morrer sobre o túmulo do chefe querido, lhe parece “um tanto inacreditável”… E como pede agora que realizem esse inacreditável os amigos do Sr. Bernardes? Mais razoável, penso eu, seria confessar o velho mestre, o que tanto o irrita, isto é, o não ter tido imitadores entre os defensores do ex-presidente, pois ninguém, de entre eles, o quis acompanhar na obra de despeito, e de apedrejamento do sol poente, o que também, diga-se entre parênteses, é coisa que, quem aprende o árabe acaba por aprender… E, afinal, defina-se o Sr. Conde: tem lido ou não tem lido as defesas ao Sr. Arthur Bernardes? Porque uma hora lastima que elas não apareçam, outra hora se enfurece com os que as estão formulando, aos olhos de todo o mundo. Não, caro mestre: confesse que são fiéis os tais camelinhos do Sr. Arthur Bernardes, e se, de fato, o homem está morto, e até contra a sua ressurreição já se levantam opiniões tão valiosas como a do velho mestre, confesse, confesse também que não era a “ração” o que mais prendia ao infeliz cameleiro…
Creia o Sr. Conde de Laet, que não sou tão pretensioso que não sinta o absurdo de estar a dar-lhe conselhos, que não me pediu. Mas é tão antiga e tão enraizada a minha estima pela sua inteligência, e tão evidente agora a tortuosidade das veredas pelas quais esta vai trilhando, que não resisto à tentação de falar-lhe com toda a franqueza:
A crise política que está a atravessar a nacionalidade brasileira, talvez não seja menos grave que a de que resultou a queda do Império. Bom ou mau o Sr. Arthur Bernardes; boa ou má a ordem de coisas que ele, até pouco, representava; boa ou má, por conseguinte, a onda de revolta que vai perturbando a paz da família brasileira, uma coisa pode-se afirmar: é que não há lugar próprio para o gracejo neste cenário de luto e de sangue, de ódio e de sacrifícios, e o Sr. Laet pode, pois, dar vasão ao seu ódio, tanto quanto sentir que a retenção do veneno lhe pode ser prejudicial, mas não tem o direito, positivamente, não o tem, de fazer graça, de fazer piada com assunto tão sério e tão triste. Julga o Sr. Conde que é meio de defesa ao Sr. Bernardes, o levantarmo-nos, nós, os seus defensores, combater o Sr. Washington Luís, porque, em situação diferente, não tem precisado de lançar mão da força, aqui no Rio de Janeiro…
Não se vê o espírito de picuinha, a mesquinhez do gracejo?
Pois meu caro Sr. Conde de Laet: pelo menos, nós, católicos, já temos neste momento meios lícitos e ocasião propícia para demonstrar nossa independência diante de poderosos, inclusive do Sr. Arthur Bernardes, mandão, ao lado do Catolicismo Sr. Antônio Carlos, da Católica Minas… Aí vem o Basílio, deputado por obra e graça do Partido Republicano Mineiro, para gáudio de São João D’El Rey e do Episcopado de lá…
Já fiz o que pude em louvor do Sr. Antônio Carlos. Que faz o Sr. Conde que também não louva aquele sempre novo exemplo de convicção e de fé? Uma palavrinha, mestre amigo, mesmo engraçada, que aquele caso, sim, é para alimentar a veia dos que a tem desperdiçado na ara de ódios estéreis…
Gazeta de Notícias, 9 de Fevereiro de 1927.