Jackson de Figueiredo
O meu ilustre mestre, Sr. Conde de Laet, parece escrever os seus últimos artigos contra o Sr. Arthur Bernardes, e principalmente as que envolvem o meu nome, não dali, do circulo Católico ou da sua respeitável moradia nesta católica cidade do Rio de Janeiro, mas daquele vale lunar em que o poeta deu de frente com todos os esquecimentos desse mundo…
Não precisa dizer mais nada: na quarta-feira, 9 do corrente, chamava-o eu, ao Sr. Conde de Laet, pela Gazeta de Notícias, à discussão do caso de Basílio, isto é, o caso da candidatura com que, a esta hora, os mandões de Minas Gerais esfregam a paciência dos católicos de lá… Pois bem: no dia seguinte, o Sr. Laet aparece convidando-me para a mesma luta… Não teve acaso quem fosse concertar-lhe o artigo? E note-se: no seu artigo, se há ironia, ela não vai além de Basílio e Arthur Bernardes, insignificantes grandes homens.
O Sr. Laet esqueceu o grande homem de verdade, o manda-chuva, o que está com o poder na mão, o Sr. Antonio Carlos, o admirável cidadão que em poucos meses retirou ao critério dos Srs. Bispos de Minas aqueles testemunhos de tão sincera admiração…
Como vê o Sr. Conde de Laet, e deveria ter visto, eu fui um pouco além…
Mas, no meu caso, que teria havido com a pena do Sr. Conde? Esquecimento mesmo, ou será que não quis ferir o grande homem, que marcha para a presidência da República, e ainda poderá modificar a direção do Pedro II? Quero crer esquecimento.
Repito: o Sr. Conde de Laet, lá de onde está a escrever os seus últimos artigos, vive mergulhado no mais pesado esquecimento de tudo que não seja (exceção única) a sua furiosa paixão contra o Sr. Rocha Vaz e o governo que apoiou o Sr. Rocha Vaz…
Contra o que tenho escrito em defesa do Sr. Bernardes, isto é, contra tudo quanto tenho escrito, amparado pela autoridade do Laet da 1ª fase, o Sr. Laet da 2ª fase, quero dizer, o Sr. Laet que está a discutir comigo, ainda não ofereceu um argumento, ainda não foi capaz de articular uma só palavra ou lançar de chofre, uma daquelas suas tiradas de irônico bom senso, que fizeram a sua temibilidade mas, também, a sua glória jornalística.
Porque, sinceramente, não é possível considerar argumento a sofisticação de franqueza de que está usando o Sr. Conde…
É o seu estribilho: pouco importa que ele, Laet, esteja a contradizer-se, a desdizer-se. O que importa é se o Sr. Arthur Bernardes foi ou não um tirano, um monstro, etc.
Ora, Sr. Conde a sua lógica aí é que está dando mostras de muitíssimo bichada. Nós não estamos a discutir o Sr, Bernardes e sim o que dizem do Sr. Bernardes, e principalissimamente o que o Sr. Conde de Laet, após ter perdido o seu emprego no Pedro II está a repetir contra o Sr. Bernardes.
Eis porque coisa alguma pode ter tanto valor, nesta discussão, como as passadas opiniões do Sr. Conde, as suas opiniões de ontem, isto é, as suas opiniões de diretor do Pedro II.
Não é que me valha somente, neste ponto, do argumento de autoridade. Seria até o caso de dizer que me valho também do argumento de “desautoridade”… Pois, se um homem como o Sr. Laet é presa de paixão tão furiosa contra um homem que nada mais lhe fez que arrancar-lhe um emprego, que é possível esperar de outros de menos critério e mais prejudicados?
O que tenho procurado mostrar ‒ e que o Sr. Laet finge somente que ignora ‒ é que não merecem fé noventa por cento ou mais, das acusações levantadas contra o ex-presidente, pois o que está agora a rugir por aí são paixões politicas da pior espécie, indignas, absolutamente indignas do apoio que lhes está dando o velho mestre.
Reconheço que é um pouco cruel estar a falar com a franqueza de que estou usando, máxime, com um homem que, após tê-la provocado, está fugindo à discussão … Mas a vaidade, por mais respeitável que seja quem a ostenta, precisa ter um limite, e a vaidade do Sr. Conde de Laet parecia não encontrar nenhum. Pois uma coisa eu lhe garanto: há de encontrar limites em si mesma, dado que não lhe considero como adversário do Sr. Laet, e sim, um simples discípulo e admirador do velho e querido mestre reacionário, de outrora, o Conde de Laet, defensor do bom senso e da ordem contra a demagogia e a palhaçada republicana. É aquele Laet quem está a limitar a vaidade do Laet do “ O Jornal”, do Laet amigo de Irineu e da licença jornalística. Eu nada mais faço que agitar-me por traz daquela sombra luminosa.
Deste modo, é embalde que o Sr. Conde procure desviar-se do que na realidade nos interessa … Ficarão para mais tarde as discussões complementares: o conceito de ordem, a miserável, triste e gratuitíssima suposição que diz respeito ao sossego do Pe. Magaldi, assim como o caso do fole de que ia sendo vitima do Exmo. Sr. D. Otávio de Miranda, quando ainda cônego em Campinas… Assim, vejamos, desde já, o que valem as opiniões atuais do Sr. Conde, relativas ao estado de sítio, única parte do seu ultimo artigo que se prende ainda ao motivo principal da nossa discussão.
Diz o Sr. Conde: “Protrair indefinida, injustificadamente, esse regime de opressão, como fez o Sr. Bernardes, equivale ao maior de todos os crimes políticos, que é a mudança da forma de governo”
Agora, vejamos como o Sr. Laet considerava os efeitos do estado de sítio no Brasil, parecendo traçar de antemão o que se passou no governo Bernardes.
“Acresce que para aumentar as responsabilidades do governo ‒ dizia ele ‒ não se deve esquecer que nos achamos em estado de sítio. A terrível significação, destas palavras é na Europa muito outra daquela que lhe damos nas Republicas sul-americanas. Lá a suspensão das garantias é uma coisa terrível. Põe tudo sob a lei marcial. É o remédio heroico para as grandes convulsões políticas e sociais. Entre nós é meramente um espantalho. Onde o europeu põe o cárcere em fortaleza, nós temos a Brigada Policial, de onde os presos políticos saem muito a cômodo e vão passar a Polícia uns telegramas debochativos. Nas câmaras legislativas, durante a nossa lei marcial, os deputados bramam impropérios contra o governo e o Supremo Tribunal gravemente ordena que no dia seguinte todas as descalçadeiras possam em extenso ser publicadas pelos jornais. Em fim o que eu digo, e está na consciência de todos, é que só temos um estado de sítio “pour rise” ao passo que na Europa ele costuma ser um arrocho medonho…
Bem: mas por isso mesmo, o europeu, sabendo que vivemos em condições que extraordinariamente fortificam o executivo, mais propenso ficará a considerar atos do governo as tropelias e arruaças dos desocupados.
Sim, Sr. Conde, isto está na consciência de todos…
Mas, dir-se-á que o Sr. Laet, defendendo o sítio do governo Hermes (que maltratou ou mais ou menos, diga-se entre parêntesis, os mesmos agitadores maltratados pelo Sr. Bernardes) tomava partido numa questão de fato e não incidia em maiores compromissos com as doutrinas reacionárias.
É um engano, porém, como vou demonstrar.
O Sr. Laet diz agora:
“Fala o Sr. Jackson na constitucionalidade do estado de sítio, isto é, da suspensão das garantias constitucionais. Sofisma, sempre sofisma! O que todas as constituições estabelecem, é a suspensão de garantias em dados momentos, excepcionalmente, nos transes angustiosos de invasão estrangeira ou grave comoção intestina”.
Vejamos como falava o mesmo Sr. Conde em 1914, numa hora pois, em que as Constituições já estabeleciam o que hoje estabelecem…:
“Volto ao estado de sítio desde que está discussão. Outra questão a ventilar: ‒Pode ele ser decretado antes de se conflagrar o país? De estar tudo gravemente abalado? Não será lícito usar dele qual meio preventivo? Chamei um médico e perguntei-lhe: ‒ entende você que para medicar a um doente deve aguardar a franca irrupção da moléstia? Desatou a rir o esculápio”.
Neste mesmo artigo o Sr. Conde de Laet dava ainda à sociedade brasileira uma outra lição de bom senso, tão alta e tão séria, que nem mesmo a sua fúria liberal de hoje é capaz de destruir.
Leiamo-la com toda a atenção:
“Tem-se discutido muito sobre estado de sítio. Podem ou não, ser detidos os fabricantes de revoluções, quando acaso sejam senadores ou deputados? Acho curiosa a pergunta. Em geral, os cabeças de movimentos não são caixeiros ou pequenos funcionários, mas homens ilustres e representantes da nação. Deixai-os soltos e prender os cumplices e mais reles mandatários, é o que se me afigura iniquo.”
Liberalzinha a lição, não é verdade? Que estaria bichando a consciência do Sr. Conde naquele tempo?
Uma coisa é verdade: e é que o Sr. Conde de Laet já foi até defensor da pena de morte.
Eis aqui um trechozinho seu, que também não deve ficar esquecido:
“Muito curiosos os Srs. revolucionários! Quem os ouvir, nas suas dissertações romanticamente pacificas, acreditará que são uns pombinhos sem fel.”
Não chega a parecer que o Sr. Conde adivinhava o inefável Assis do seu jornal de agora?
Mas, continuemos a transcrição da página de ouro:
“Eles (o Sr. Conde ainda se refere aos Srs. Revolucionários) eles condenam em absoluto a pena. Semelhante horror, mormente quando aplicado a crimes políticos, arranca-lhes as mais dolorosas exprobações.
No entender de tais filantropos, desde que um agitador seja infeliz no seu firme propósito de conturbar um país, provocar sedições, derrubar as legitimas autoridades, e tudo isso sem atender ao sacrifício de inúmeras vidas humanas, somente alvitre, a anistia, cabe aos poderes públicos para desafronta da justiça social, Volvam sossegados aos seus antros os malfeitores políticos aguardando oportunidade para novos atentados.”
E se eu pudesse citar o resto do artigo não seria menos surpreendente o “desvairo” com que o Conde jornalista “absurdamente” conjugava filosofia política e despotismo policial.
Oh! Santo, dulcíssimo Sr. Conde de Laet, houve um outro esquecimento no seu artigo de quinta-feira ultima…O Sr. Conde esqueceu… o resto do título Ordem, só, não deve ser … O Sr. Conde tem, hoje, o direito de adotar todo o lema republicano Ordem e Progresso… e progresso com “p” grande, que é o que subentende a Liberdade com “l” grande e todas as grandezas de alma da Revolução.
E isto me leva até à verificação de outro esquecimento do Sr. Conde … Será possível que não tivesse lido a entrevista do respeitabilíssimo Sr. Conselheiro Antonio Prado, também publicada no “O Jornal” de quinta-feira? Pois, Sr. Conde, a ocasião é usada para uma total adoção do regime.
O venerável Conselheiro Prado queixa-se de não ter, no Rio, quem chefia o Partido da Mocidade. Que faz o meu ilustre mestre que não se apresenta candidato a tão subida honra?
Vamos falar mais a serio, Sr. Conde de Laet.
Em primeiro lugar, o Sr. Conde não tem o direito de, nem por brincadeira, dizer coisas tão insensatas como aquela de que no meu artigo anterior há um convite a s, Ex. para vias de fato. S. Ex. é tão respeitado no meio em que vivo, e não só tão respeitado como tão respeitável mesmo ‒ do que sempre dei, dou e suponho que, até o fim, darei testemunho ‒ que, para fazer aquele convite, seria necessário estivesse eu completamente doido ou fosse um sujeito absolutamente indigno da discussão que comigo está mantendo o Sr. Conde. Não.
Não é receio das bordoadas de cego. É o respeito que me merece o Sr. Conde de Laet, o que me faz chamar a atenção para este ponto. ‒ este respeito e também ‒ porque não dize-lo? ‒ a lembrança de que não há grande homem que não tenha, entre muitos amigos dignos da sua amizade, alguns imbecis que o rodeiam, e possam considerar como de gravidade o que, às vezes, o grande homem diz pilheriando.
E agora mais um conselho: reflita o Sr. Conde de Laet sobre o papel que está representado: um velho católico, eminente, respeitável, dando o exemplo de um despeito pessoal que faz realmente dó, e descambando até pelo ridículo de esquecer tudo quanto já fez em prol de uma política doutrinária, em país tão indecentemente republicanizado.
Reflita sobre esse triste espetáculo o Sr. Conde de Laet.
Vale mais a pena esse exame de consciência que tudo quanto possa dizer mal ou de injurioso contra o Sr. Arthur Bernardes. Este já tem inimigos em demasia a querer crucificá-lo, esquarteja-lo, reduzi-lo a cinzas. Vem aí senador. O Sr. Conde não morrerá talvez sem ter o prazer de se ver vingado e bem vingado. No Brasil ultrarrepublicano, a que o Sr. Conde acaba de aderir, os atos de coragem são sempre contra os homens desarmados e confiantes na própria dignidade.
Gazeta de Notícias, 16 de fevereiro de 1927.