Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

O mal menor em política – História e aplicações atuais

Gabriel Alférez Callejón
Revista Verbo, núm. 269-270 (1988)

Apresentação desta tradução

Desde a imposição dos regimes liberais às nações dantes católicas a aplicação do “princípio do mal menor” em política é fonte de discussão entre os que procuram defender os direitos de Deus e da Igreja – ou conciliar o inconciliável. Na Espanha do início do século XX, a questão suscitou uma amarga polêmica encabeçada pelos jesuítas Venancio Minteguiaga e Pablo Villada, por um lado, e pelo chefe do Partido Integrista, Ramón Nocedal, por outro, que foi contida com a intervenção do Papa São Pio X, ao emitir uma lista de normas para os católicos espanhóis, um lampejo da sua prudência política.

O santo Papa chancelou a ortodoxia da defesa jesuíta do voto em candidatos menos indignos, mas nem por isso estavam errados os integristas ao apontarem os perigos de uma defesa habitual e generalizada do mal menor, vista por eles como a adesão prática ao liberalismo dito católico, o verdadeiro mal responsável por neutralizar a reação católica.

Visando promover um estudo mais detido da questão, publicamos a tradução do artigo do carlista Gabriel Alférez Callejón contando a história da contenda espanhola e que traz as normas emitidas por S. Pio X, acrescido nesta edição com a carta Inter Catholicos Hispaniae do mesmo Papa, sobre a polêmica em si; bem como de uma síntese doutrinal da disputa, extraída de outro artigo, do Dr. Julián Gil de Sagredo; e de uma carta do Papa Pio IX sobre o catolicismo liberal.

Esperamos com isso trazer luzes ao desafio crescente aos católicos com a ascensão da direita liberal-conservadora, que se por um lado pode ser tolerável em pleitos específicos, por outro encarna os perigos do “malmenorismo”, potencializados quando astutamente clama para si uma defesa permanente por parte dos católicos, canalizando para a ala direita da Revolução a dedicação que cabe exclusivamente ao Sumo Bem, ao império de Cristo Rei.


  1. Introdução
  2. O Cardeal Spínola e as associações católicas criadas por sua iniciativa
  3. Artigos de Minteguiaga e Villada
  4. Resposta de Nocedal aos artigos anteriores
  5. Consequências e fim da polêmica
  6. Incidências posteriores
  7. Aplicações atuais

Notas da edição
1. Do artigo Moralidade do voto a candidatos menos indignos, do Rev. Pe. Pablo Suárez, FSSPX.
2. Síntese do artigo El mal menor e las elecciones, de Julián Gil de Sagredo.
3. Da Carta ao Círculo de Santo Ambrósio de Milão, do Papa Pio IX.
4. Carta Inter Catholicos Hispaniae, de S. Pio X.


1. Introdução

Quando terminava o colegial, aos 14 anos, em 1921, assistiu Eugenio Vegas, que pertencia à Congregação Mariana de São Estanislau Kostka, localizada nas instalações da Residência dos Jesuítas em Santander, a umas conferências que pronunciou o padre Ramón Jambrina, brilhante e piedoso orador sagrado. Delas tirou o propósito de servir o mais fielmente possível os desígnios divinos de acordo com a famosa fórmula Ad maiorem Dei gloriam proposta por Santo Inácio aos seus seguidores.

Não sabia bem que caminho tomar quando terminasse seus estudos médios, descartada a vocação religiosa, que não lhe atraía. Leu então o livro de Ramón Nocedal sobre O mal menor em política, que apanha suas polêmicas sobre o tema com os padres Minteguiaga e Villada, que anteriormente haviam sustentado posições contrárias às que ultimamente propugnavam sobre pactos com os liberais nas disputas eleitorais e de fácil aceitação na prática do sistema de governo derivado do liberalismo.

Essa leitura o levou a ver a importância da política para a implantação de uma ordem social cristã, e descartando os caminhos da matemática, os quais tinha facilidade, decidiu seguir a carreira do Direito como a mais adequada para defender e difundir o Direito Público Cristão.

Em seus últimos dias o problema continuava lhe preocupando e me recomendou, entre outros, a leitura do livro de Nocedal e de seus contraditores para que tivesse uma visão completa do assunto.

O tema do mal menor em política está, sem dúvida, estreitamente relacionado à questão do liberalismo filosófico que havia sido fortemente condenado pela Igreja e, segundo o qual, o homem é absolutamente livre para tomar decisões pessoais e políticas sem ter que submeter seu juízo a nenhuma norma moral superior ou critério transcendente; e igualmente relacionado também à distinção que os católicos faziam no século passado entre a chamada tese ou situação perfeita desejável e hipótese ou situação de fato imperfeita e, por conseguinte, apenas tolerável enquanto não se possa conseguir a situação perfeita a qual sempre se deve aspirar, por penosas que possam ser as condições em que nos encontremos.

Esses problemas foram objeto de fortes discussões praticamente desde o estabelecimento do regime constitucional derivado das ideias enciclopedistas e da Revolução Francesa e, especialmente, desde a restauração, em Sagunto, da Monarquia liberal, cujos princípios ideológicos foram condenados por Roma, enquanto, por outro lado, aconselhava a aceitação do regime e a fiel adesão pelos católicos que, como observou o escritor liberal Laboa, não compreendiam bem essa contradição.

A oposição e discussão surgiu então entre a União Católica propugnada por Pidal, que era fiel à Monarquia liberal, e os carlistas – tradicionalistas e integristas – que deixavam clara a contradição existente.

A polêmica, nunca totalmente extinta, renasceu novamente por ocasião de dois artigos dos padres Minteguiaga e Villada, aos quais Ramón Nocedal respondeu contundentemente em uma série de escritos publicados em El Siglo Futuro sob o pseudônimo de Sansón Carrasco, depois reunidos no terceiro tomo de suas obras.

Dessa discussão nos ocuparemos, agora, partindo de alguns antecedentes próximos e uma ligeira referência aos fatos posteriores que se prologam até uma nova abordagem do problema nas táticas possibilistas patrocinadas por Herrera durante a República, da qual fez uma crítica fundamentada e contundente o padre agostiniano P. Vélez em seu livro Revolución y contrarrevolución en España, prologado por don Víctor Pradera e do qual temosnos ocupado num trabalho publicado em Verbo.

Na atualidade, a face e os fatores do mesmo tema podem ser a interpretação dada às questões da liberdade religiosa, do ecumenismo, da evangelização e da tolerância, nenhum de cujos elementos é novo, senão que são tratados desde muito tempo e cuja problemática reside no sentido atribuído a ditos conceitos, sem prejuízo de partir, como sempre, da situação real objetivamente considerada que, por lamentável e desastrosa que seja, não implica a renúncia dos meios apropriados para sair da mesma e alcançar um estado mais perfeito, sem que isso suponha a aplicação de métodos inapropriados ou contraproducentes, senão que o contrário, a devida escolha dos mais efetivos e convenientes, empregando à tarefa o maior esforço e entusiasmo.

Isto posto, passemos a nos ocupar da polêmica do mal menor e das eleições que foram seu gatilho, começando pelo que poderíamos considerar seus mais próximos antecedentes.

2. O Cardeal Spínola e as associações católicas criadas por sua iniciativa

Em maio de 1901, a pedido do arcebispo de Sevilha, Cardeal Spínola, que no jornal por ele fundado em fevereiro de 1899, El Correo de Andalucía, apelou aos católicos da diocese, um grupo de tradicionalistas hispânicos criou a União ou Liga Católica, destinada a cumprir os desejos do Papa em favor de um ativismo político. Não era realmente um partido, mas uma união daqueles que se proclamavam plenamente católicos, de todas as origens, para:

  • Propagar a imprensa católica;
  • Favorecer a classe trabalhadora e suas associações católicas;
  • Votar nas eleições em candidatos verdadeiramente católicos.

Ao ato inaugural, em 2 de junho, assistiram 500 comissários de 49 localidades do território diocesano, entre eles muitos presbíteros. Imitando o de Sevilla, no mesmo ano de 1901 foi criada outra Liga Católica em Córdoba. E outra em Navarra.

Em 1903 existiam Ligas Católicas, além das indicadas, em Sevilha, Saragoça, Valladolid, Granada, Burgos, Biscaia, que apresentavam candidaturas católicas nas eleições municipais. Antes de terminar o ano se estabeleceram também em Orihuela, Palenda, Lérida, Valência e outras cidades. Além de sua participação nas eleições, fomentavam a criação das escolas noturnas, círculos de trabalhadores, cooperativas e outras obras sociais. Nesse mesmo ano faleceu o Papa Leão XIII, foi criada a Junta Central de Ação Católica com uma clara orientação social cristã e o Cardeal Spínola convocou a primeira assembleia ou Congresso nacional do Apostolado da Imprensa para a promoção e difusão da fé católica.

Em 1904, o novo Pontífice Pio X incentivou a formação de Ligas Católicas para a defesa dos interesses da religião e da pátria, enfatizando a necessidade de uma intensa ação social, mas sem fazer expressamente qualquer recomendação pró-alfonsina senão mantendo uma maior neutralidade dinástica, ao aludir uma imposição de acatamento aos poderes constituídos, no que coincidia com o critério do Metropolitano de Sevilha.

Apesar da rápida difusão, as Ligas Católicas não adquiriram grande vigor. Ramón Nocedal atribuiu sua fraqueza ao fato de admitirem às suas fileiras católicos tocados de liberalismo, como demonstrava, em sua opinião, a pujança da Liga Católica navarra, formada quase em sua totalidade por integristas, ao contrário que a maior parte das restantes, impregnadas de espírito pró-maurista.

Em vista das reprovações de Nocedal, o cardeal Spínola enviou à Roma uma pastoral sua sobre a organização das Ligas e os artigos de Nocedal em que atacava as mesmas. O Papa Pio X escreveu uma carta ao arcebispo hispânico, em 27 de junho de 1905, na qual urgia a união de todos os católicos em defesa dos interesses religiosos. Ante à carta pontifícia, Nocedal expressou seu apoio às Ligas, mas alertando para o perigo que significava para as mesmas o comportamento daqueles que, invocando em público o Syllabus, querem levar os católicos a partidos como o de Pidal ou Maura, cuja conduta política resultava, quando menos, ambígua.

Em agosto de 1905 retomou Nocedal seus ataques contra as Ligas e os transacionistas seguidores de Pidal, Comillas e Ortí y Lara, partidários de Maura, insistindo em sua condenação moral de quem apoiava a candidatos liberais nas eleições.

O clero era majoritariamente carlista ou integrista, com uma minoria pidalista ou partidária da união com católico-liberais. O episcopado se encontrava mais dividido, mas durante o pontificado de Leão XIII foi evoluindo para posturas mais conformistas e de aceitação do regime liberal.

A discussão sobre o mal menor e sua admissão ou rejeição no terreno político, e particularmente em questões eleitorais, era frequente e inflamada.

3. Artigos de Minteguiaga e Villada

Nocedal se gloriava de ter o respaldo da prestigiosa Ordem dos Jesuítas, que pela pena de dois de seus distintos representantes haviam pronunciado em notáveis estudos sobre o assunto: La moral independiente, do padre Minteguiaga, e Casus conscientiae, do padre Villada. No entanto, desde uma carta de Leão XIII de 20 de março de 1890 ao bispo de Urgel, depois Cardeal Casañas, na qual, por ocasião de outra polêmica, o Pontífice se lamentava da atitude de certos religiosos, outras vezes distinguidos por sua fidelidade e amor à Sé Apostólica, foi amadurecendo uma mudança de atitude em alguns destacados membros da aludida Ordem.

A virada definitiva se deu, precisamente, pelo padre Venancio Minteguiaga, que, no mês de outubro de 1905, publicou no número 13 da revista Razón y Fe, um artigo intitulado “Algo sobre las elecciones municipales”, no qual defendia a doutrina do mal menor aplicada às eleições municipais convocadas naquele ano.

No dezembro seguinte, ou seja, pouco depois de celebradas as eleições indicadas, o padre Villada, também jesuíta e diretor da revista em que o artigo anterior apareceu, publicou outro intitulado De elecciones, no qual apoiava o do padre Minteguiaga, ampliando os argumentos para justificar o mal menor.

Um comentário do padre Garzón deve ser adicionado às análises anteriores, em La lectura dominical,e outrasnotas inspiradas nos artigos dos mencionados jesuítas, inseridas nesta revista e em El Universo, órgão oficioso dos Congressos Católicos e, de certa forma, da hierarquia eclesiástica e sua patrocinada União Católica, nas quais os autores, sem renunciar a seus antigos critérios, faziam concessões ao mal menor e a suas aplicações práticas na política, e, concretamente, nas disputas eleitorais.

Foi desencadeada então uma dura polêmica, prolongação realmente de outras anteriores, sobre o liberalismo e seus graus, bem como o mal menor, geralmente rejeitado por carlistas e integristas, pelo menos como se pretendia que fosse aprovado, e que não era outra coisa que o antigo tema contemplado em novos aspectos.

Os contendores eram, por um lado, os jesuítas nomeados e a imprensa indicada, e, por outro, don Ramón Nocedal, que assinou seus artigos em El Siglo Futuro com o pseudônimo de “Sansón Carrasco”, defendendo uma posição contrária ao mal menor, conforme se interpretava por seus oponentes. Os artigos de Nocedal e um relato da polêmica foram reunidos depois no terceiro tomo de suas obras, publicado pela gráfica Fortanet, em Madri, em 1909.

A polêmica se estendeu desde novembro de 1905 a maio de 1906, e junto a Nocedal se alinharam Bolaños, pelos carlistas, e o doutor Roca y Ponsa, magistrado da arquidiocese de Sevilha, de ideias integristas.

No primeiro dos referidos artigos se lamentava o padre Minteguiaga da abstenção nas eleições, tão frequentes nos católicos, ao contrário que entre os sectários, que são pontuais ao acudir às urnas, destacando o autor a importância de levar bons gestores às prefeituras.

Alentava a união e dizia que quando não se pudesse apresentar um candidato puramente católico, na presença apenas de candidatos indignos, se devia votar no menos indigno.

Todas as afirmações coincidiam com o expressado por Leão XIII na Immortale Dei e Sapientiae Christianae, e por Pio X em II fermo proposito, e que em junho de 1905 havia levantado o abstencionismo eleitoral e a participação na vida pública, imposto aos católicos italianos por Pio IX em seu decreto Non expedit, promulgado como protesto contra a ocupação dos Estados pontifícios por Víctor Manuel II.

Indubitavelmente, escreve Minteguiaga, “as eleições não são mais do que uma mentira e uma péssima farsa de mal gosto; fale-se (que não faltará material para falar) das coações, das fraudes, dos artifícios e das trapaças eleitorais, mas apesar disso e apesar de todas as arbitrariedades e de todos os despotismos, enquanto haja alguma maneira possível de exercer o direito, enquanto haja um recurso legal e armas para se opor às armas dos inimigos, e meios para descobrir e pôr um fim aos seus abusos e excessos, é necessário que não abandonem a luta eleitoral aqueles que sentem arder em seu peito a chama da religião e do bem público. Porque não fazer assim é como entregar o campo aos inimigos, isto é, aos piores inimigos da Igreja e da sociedade”.

“Mas para isso é indispensável a união e a organização. Sem elas, os esforços isolados se dispersam, os votos se espalham na mesma proporção em que se multiplicam os candidatos, se diminui sua influência…”.

Mas aqui está justamente o nervo da questão. “Esta união dos melhores cidadãos… é muito difícil conseguir-se”, já que os católicos – como disse o arcebispo de Sevilha em 31 de maio de 1905 – se encontram sumamente divididos.

No entanto, todo o mundo clama pela união, “porque o que é necessário deve ser feito”. O interesse geral da religião e o bem comum da sociedade o exigiam imperiosamente.

Se há algo em que concordam todos os partidos católicos espanhóis é a religião. O demais é acessório, e nele cabem tréguas, cessões e adiamentos. Entre quem deve haver, então, a união? Entre todos aqueles que aceitam integramente a doutrina católica, sem desvios heterodoxos.

Até aqui, todo o exposto resumidamente do artigo de Minteguiaga parece aceitável e lógico, sem que mereça mais que elogios.

Mas na seção VI se apresenta uma questão delicada: é lícito votar em um candidato indigno quando concorre com outro mais indigno? Em um aspirante claramente mal em concorrência com outro pior?

Obviamente, se se apresenta ao mesmo tempo um candidato totalmente bom, não há nenhum problema, pois é a este em quem se deve votar. Mas, e se não se apresenta nenhum candidato integramente católico e unicamente o fazem outros reprováveis?

Para Minteguiaga não há dúvida de que se deve votar no menos mal, pois será melhor destruir meia casa para impedir um incêndio que deixar que seja totalmente destruída pelo fogo, ou cortar um braço para salvar a vida, ou jogar a mercadoria para evitar um naufrágio.

A dificuldade que surge é que, moralmente, não se pode fazer o mal nem ainda para que sobrevenha um bem. Mas a isto se contesta que ao votar no menos mal não se faz um mal senão que se consegue um bem, como é dito que o mal seja menor. Diretamente não se faz nenhum mal, senão que se elege a pessoa que pode fazê-lo, mas que será melhor que se se designe a outro mais revolucionário ou perverso.

“Nesses casos – diz Minteguiaga – eleger o mal menor é escolher o bom; é, a saber, a diminuição do mal, e é intentar unicamente o bem no mal que se tolera e permite. O princípio que estabelece que de dois males necessários se deve eleger o menor tem sua consagração no Direito Canônico…” [1].

“Mesmo depois que o caso de consciência é resolvido, resta todavia a dificuldade de conciliar os ânimos dos que devem entrar nessas inteligências quando se julgam necessárias para o bem-estar público dos municípios e, em seu caso, das províncias e do Estado”.

“Também a oferece, e às vezes não é pequena, o determinar, em alguns casos concretos, quem são, entre os candidatos mais ou menos hostis, os que se teme hajam de causar maiores danos à Religião, à Igreja e à Pátria”.

A esse respeito entende o padre Minteguiaga que se chegara o caso, os católicos devem se aliar a qualquer um que ofereça garantias de ordem para fazer frente aos revolucionários declarados – socialistas, republicanos, anarquistas –, pois a males extremos devem se opor também remédios extremos.

“Entre esses inimigos, além dos socialistas e republicanos, destacam-se hoje – ou seja, no início do século [XX] – os anticlericais… Pois bem, contra eles devem ser dirigidas as forças unidas de católicos e liberais que não sejam declarados anticlericais”.

Cita como exemplos da força que realizam tais uniões, nas coisas políticas, ao Centro Católico Alemão e à chamada, na França, Ação Liberal Popular.

A união dos grupos católicos deverá ser feita na proporção da força que cada um representa e, em todo caso, hão de ter em conta, dependendo das circunstâncias, a prudência e a moderação, sem obstinações, cedendo cada um e sendo generosos com outros grupos católicos para evitar a ruptura que só beneficiaria aos inimigos.

Para o padre Minteguiaga o voto, ainda que seja legalmente voluntário, é moralmente obrigatório pelas importantes consequências derivadas da designação de uns ou outros candidatos, e não apenas nas eleições políticas, mas também nas meramente administrativas ou municipais.

Até agora, resumido, o artigo do padre Minteguiaga.

O artigo do padre Villada, intitulado De elecciones, foi publicado em dezembro de 1905, depois de celebradas as que haviam sido convocadas.

Começa elogiando que, em algumas cidades, os eleitores procuraram levar aos municípios representantes, não de partidos políticos, mas das diferentes agremiações que defendem interesses especiais da localidade, como são o comércio ou a agricultura. Também procuraram os católicos, em alguns lugares, emitir o sufrágio em favor de cidadãos independentes, conhecidos por sua fé religiosa e honradez inatacável.

Contudo, não considera o resultado satisfatório pela divisão proliferada entre os católicos que concorreram em iguais lugares com candidatos diferentes, o que deu o triunfo aos inimigos de Deus e da Pátria.

De resto, abunda o padre Villada nos raciocínios do padre Minteguiaga com alguns esclarecimentos ou ampliações. Votar no candidato menos mal – diz – não é apoiá-lo, “senão servir-se dele enquanto aguarda uma situação melhor ou mais favorável”.

Com referência ao exemplo do incêndio, explica que o que se procura não é aumentá-lo, mesmo que seja um pouco, senão melhor reduzi-lo e impedir que se faça maior. A rigor, o que se faz é impedir que se produza fogo como vinte, permitindo que se ponha fogo como dois: “o que não é fomentar, senão amortecer o fogo para que logo seja mais fácil apagá-lo”.

“E aqui ocorre perguntar – acrescenta – Quem mostra mais horror ao incêndio do liberalismo? Aquele que, enquanto não pode apagá-lo, fica parado em sua casa, sem fazer nada mais que lamentar-se e gemer?”

Sobre a frase pronunciada por Pio IX de que os católico-liberais são piores que os monstros da Commune, estima que não é aplicável a qualquer um que se atribua a condição de liberal, mas àqueles que estão incluídos no que concretamente disse, que foi o seguinte: “O ateísmo nas leis, o indiferentismo em religião e aquelas máximas perniciosas que chamam católico-liberais, essas são as verdadeiras causas da ruína dos Estados… Creia-me, esse mal é mais tremendo que a mesma revolução, que a mesma Commune”. E, depois, falando dos horrores da Comunne, disse: “Mas não são apenas esses quem eu temo; o que mais temo é essa malfadada política (de gangorra) instável e que se afasta de Deus” (Discurso à Deputação francesa em 18 de junho de 1871, no número 59 dos Discorsi del Summo Pontífice Pio IX, pronunziati in Vaticano ai fidei di Roma e dell orbe, Roma, Tipografia de G.Aureli, 1872).

E, por que as ideias católico-liberais são um mal mais tremendo e mais temido por Pio IX do que a própria Commune? Diz expressamente o mesmo Papa tratando dessa matéria em seu “Breve ao senador Caunart de Hamale”, em 8 de maio de 1873: Porque o catolicismo liberal é um erro rodeado de emboscadas e mais perigoso que uma inimizade declarada. E esta mesma razão alega também Pio IX em seu “Breve aos sócios do Círculo Santo Ambrósio de Milão”, em 6 de março de 1873: Porque os católico-liberais são mais perigosos e funestos que os inimigos declarados.

Isso constitui uma verdade de sentido comum, segundo o próprio padre Villada. De fato, “uma doença leve mas oculta e desconhecida pode ser, e às vezes é, mais prejudicial. É um mal mais tremendo que outra doença grave, mas manifesta e conhecida, porque a esta se podem aplicar remédios eficazes, mas àquela não…”.

“Um mal menor, menos intenso, mas duradouro, às vezes é maior, por mais prejudicial que outro intenso de curta duração”.

“Assim, um católico-liberal, mesmo que não pretenda fazer tanto dano quanto o monstro da Commune, é mais temível que este ali onde é tido por amigo sincero da Igreja e, por isso, não é combatido e se introduz entre as fileiras dos bons católicos, dividindo os entendimentos e enfraquecendo as forças que conviria reunir para dirigi-las todas contra o inimigo” (Pio IX, “Breve, citado, aos sócios do Círculo Santo Ambrósio de Milão”).

“No tempo de Pio IX, como se depreende do mesmo discurso citado – e posteriormente como está à vista – havia homens políticos que, proclamando-se sinceramente católicos e amantes da Igreja e tendo-os muitos por tais, eram na realidade liberais que sustentavam que para governar bem é necessária a lei ateia, o indiferentismo, e aquela tática singular de acomodar-se a todas as opiniões, a todos os partidos, a todas as religiões, e unir os dogmas imutáveis ​​da Igreja junto com a liberdade de cultos e de consciência. Esses verdadeiros liberais e falsos católicos, com razão são chamados mais perniciosos para os simples fiéis das nações cristãs que os monstros da Commune, porque destes, como inimigos declarados, se foge, e, aos primeiros, como amigos fingidos, são ouvidos”.

Conforme ao anterior, e de acordo com o padre Minteguiaga, afirma o padre Villada que quando se apresenta um candidato puramente católico, nele se deve votar, e somente quando não ocorre assim poderá votar-se no candidato menos mal.

Por vezes será difícil saber com certeza quem é pior, pois às vezes pode figurar num partido mais extremista uma pessoa de melhores qualidades. Mas, em tal caso, como regra geral, o padre Villada é do parecer que se vote no candidato do partido cujo programa seja menos contrário à religião e à Igreja.

A doutrina exposta – disse o P. Villada – “foi aprovada por Pio X, permitindo que muitos católicos votem em deputados mais ou menos liberais e, por conseguinte, mais ou menos inimigos da Igreja e dos direitos do Papa, a fim de impedir o triunfo dos socialistas e anarquistas que em tais distritos se apresentavam”.

Termina propugnando a união de todos os católicos verdadeiros, dirigidos por guias experientes e com a bênção dos prelados, para obter a vitória e restabelecer o reinado social de Jesus Cristo em nossa pátria.

A união deve ser feita entre os católicos sinceros e íntegros, de acordo com as normas estabelecidas pelos Pontífices; não com os liberais que, embora se digam católicos na vida privada, não têm em conta o religioso na pública, com o que, praticamente, se comportam como ateus ou não crentes.

Essa separação ou diferença de conduta entre a vida pública e a privada dos chamados católico-liberais era frequente e normal no início do século e ainda muito tempo depois. A quase totalidade da população nacional era católica: casavam-se na Igreja, batizavam seus filhos, os educavam em colégios religiosos onde faziam sua primeira Comunhão e recebiam os sacramentos. Eles mesmos os recebiam também e morriam no seio da Igreja. No entanto, na vida pública se comportavam como ateus, costumavam ser anticlericais, às vezes se afiliavam a seitas maçônicas ou eram sócios de ateneus culturais laicos se não antirreligiosos, etc., e desejavam que o laicismo presidisse a vida oficial e existisse nas escolas. Entendiam, como Maura diria mais tarde, que o Direito público não era católico nem protestante, o que supõe um erro crasso, pois a influência da religião na vida pública, assim como da moral nela baseada, são fundamentais para a justiça, a paz e a tranquilidade dos povos.

A união deve ser feita no fundamental, renunciando, retardando ou adiando o não essencial ou secundário, incluindo questões dinásticas ou de forma de governo. O que se pede é um sacrifício parcial e temporário, que equivale a uma trégua ou suspensão temporária.

Entende que se os católicos franceses tivessem ouvido cegamente a Leão XIII e aceitado sem hesitação a República Francesa, as coisas teriam sido mais favoráveis ​​no país vizinho.

Até aqui, abreviado, o artigo do padre Villada.

4. Resposta de Nocedal aos artigos anteriores

O escrito de Minteguiaga e seu complemento do padre Villada, publicados em Razón y Fe, foram expressamente aprovados pelos bispos de Barcelona (Casañas), de Toledo (Sancha), de Sevilha (Spínola), de León, de Teruel, de Zaragoza, de Jaca e de Tortosa.

Pelo contrário, foram rejeitados pela imprensa carlista e integrista, não pelo apelo à união entre todos os católicos, cujo desejo era unânime, embora alguns o entendessem tão amplamente que também incluíssem aqueles que realmente não o eram, apesar de levarem tal denominação, ou seja, os católico-liberais, mas pelo conselho que se dava de votar em candidatos indignos, isto é, liberais, quando se apresentassem no mesmo lugar em concorrência com outros mais indignos.

Supunha-se que nenhuma candidatura integramente católica fosse apresentada naquele local, mas a realidade é que esse requisito nem sempre se cumpria, e algumas vezes ocorria que se aconselhava votar e de fato se votava em uma candidatura menos católica em concorrência com outra mais católica, mas considerada extremista.

Uma análise filosófica profunda e documentada da questão levantada pelos artigos referidos e, sobretudo do mal menor em relação às eleições, foi realizada por Julián Gil de Sagredo em artigo publicado na revista Verbo, número 245-246, correspondente a maio-julho de 1986 [2].

Por isso que nos limitaremos agora, para finalizar historicamente esse assunto, a reunir o mais relevante dos artigos de Nocedal e a expor brevemente as consequências e o fim da controvérsia, além de indicar algumas aplicações práticas.

Ante os artigos anteriores, Nocedal considera que são bastante aceitáveis ​​e que, na realidade, não contêm nada especialmente novo. Em geral mantêm argumentações sólidas, embora às vezes contraditórias, mas depois se inclinam pela aplicação à política da teoria do mal menor, que é discutível como os próprios autores admitem, uma vez que possui defensores e detratores, cada um dos quais argumentam a seu favor com os raciocínios que consideram oportunos.

O grave do caso é o rebuliço e satisfação que produziram entre os católico-liberais mais progressistas, chamados mestiços por sua condição ambígua e mista, que entenderam que aqueles constituíam um firme apoio a suas posições.

Entre eles, se destaca especialmente o padre Conrado Muiños, agostiniano de El Escorial e entusiasta partidário de don Alejandro Pidal e de sua fórmula de União Católica com os liberais. Vários órgãos de expressão se uniram entusiasmados a essa algazarra, como El Universo e a revista La Lectura Dominical, escrita pelos redatores do jornal mencionado, todos respaldados pelo cardeal Sancha, Arcebispo Primaz de Toledo, que, em uns Conselhos a seus paroquianos, incentiva os propósitos pidalinos e do padre Muiños.

Ante tal situação, Nocedal se presta a defender a inoportunidade de aplicar a teoria do mal menor às questões políticas e, especificamente, à situação da Espanha naquele momento.

Nocedal não discute a moralidade e conveniência, em certos casos, da teoria do mal menor, nem mesmo a procedência de sua aplicação em algum caso político concreto. O que rejeita, por considerá-la infeliz e perigosa, é sua aceitação com caráter geral, em matéria política, em nossa pátria, em seu tempo e nas circunstâncias que se davam, devido às funestas consequências dela decorrentes, como demonstrou a experiência.

Verdadeiramente, o que Nocedal diz ao longo de sua exposição, como veremos, é que o chamado mal menor – na política – é, na realidade, o maior mal.

Estas são suas palavras: “E se há maior mal e mais definitivo que este mal menor, onde vivem e prosperam e se propagam e enraízam todos os males, que preguem em minha testa”.

De fato, que mal é menor? O que é preferível? Que um grupo seja totalmente aniquilado, lentamente, por meio de um veneno suave, ou que, em face de uma agressão brutal, que até elimina violentamente alguns de seus membros, se produza uma reação saudável que salve o resto da comunidade?

Que, pouco a pouco, e por meio de uma erosão moderada, mas constante, seja destruída a fé de um povo, que constitui seu ser e sua história, ou que, por pretender fazê-lo mediante um ataque flagrante e brutal, se desperte a consciência da parte sã da população, se reaja devidamente e se salvem a fé, a educação e a cultura?

Uma  mostra da alegria e entusiasmo produzidos pelos artigos dos padres Minteguiaga e Villada, entre os católico-liberais, é o seguinte parágrafo de um texto publicado em El Universo sob o título “Bons sintomas e excelente exemplo”: “Nas últimas eleições para deputados às Cortes, foi visto uma coisa que há alguns anos seria impossível na Espanha: bispos e religiosos eminentes e piedosos votaram em candidatos adictos para evitar a vitória de candidatos ímpios. Assim se viu, pela primeira vez na Espanha, que em Tortosa, Valência e Barcelona, ​​bispos zelosíssimos e integérrimos e religiosos sapientíssimos foram votar em um liberal, não por seu belo rosto senão apesar dele e de seu liberalismo, para impedir que triunfasse um desses energúmenos clerófobos que se chamam republicanos”.

Em outro escrito posterior, aparecido também no mesmo jornal, comentando o artigo do padre Villada, em forma de disputa ou manifesto dirigido aos católicos espanhóis, elogia o padre mencionado e os propósitos de união propugnados por Muiños, e se diz: “É preciso dar a batalha ao inimigos em todas as áreas, no teatro, no livro, no jornal, nas eleições… Para esta batalha é necessário que nos unamos quantos sejamos católicos, quantos ouvimos Missa, como dizia Aparisi, quantos cremos no sobrenatural, quantos sustentamos que não só de pão vive o homem, quantos merecemos o mote, que é um título, de malfeitores do bem, que acaba de nos colocar um poeta sectário”.

E como devemos nos unir, exceto sob a fórmula lógica, ao mesmo tempo vigorosa e flexível, que os teólogos mais ilustres das Ordens religiosas e os prelados da Igreja acabam de nos propor em estudos magistrais e em sinceras exortações?

Nocedal comenta: “Que se unam todos os que ouvem Missa. E quão poucos liberais e até maçons não ouvem missa na Espanha. Que se unam quantos creem no sobrenatural…” “E não contra o liberalismo triunfante, mas contra o jacobinismo futuro, incubado e chocado pelos liberais do mal menor e pelos católicos que os apoiam”.

Após essa longa introdução, passa Nocedal a ocupar-se do problema do mal menor e da aplicação de tal teoria à política. Com o desejo de ser breve, recolheremos suas observações e comentários, juntamente com algumas indicações nossas, em vários tópicos, nos quais procuraremos ser claros e evitar repetições desnecessárias.

Em primeiro lugar, a teoria do mal menor não é obrigatória, como já indicado, pois existem razões para admiti-la e rejeitá-la. Nocedal recolhe, para esse fim, numerosos textos anteriores dos padres Minteguiaga e Villada, especialmente tirados de seus livros A moral independente e Casus conscientiae, respectivamente (do último, escrito em latim e impresso em Bruxelas, existe uma tradução perfeita para o espanhol), nos quais se manifestam radicalmente opostos à teoria do mal menor por entender que: bom é o integralmente tal, e mal o que tem algum defeito; que não se pode fazer o mal para que sobrevenha o bem; que o fim não justifica os meios; e outras afirmações semelhantes.

Em segundo lugar, mesmo que se admita a teoria do mal menor, tal admissão não significa obrigatoriedade. Assim, por exemplo, os moralistas concordam que, embora seja lícito permitir-se cortar o braço para salvar a vida, não é obrigatório fazê-lo, pois, às vezes, não há certeza absoluta do que acontecerá, pelo que a abordagem adotada nem sempre é exata e a moral não impõe tão grave sacrifício, mesmo quando o prejuízo final possa ser considerado maior.

Em terceiro lugar, sua aplicação à política é muito discutível, pois essa matéria tem características especiais e não tem efetividade entre indivíduos ou pessoas isoladas. “Na política moderna, os indivíduos são átomos… Para influir nela, para lutar nas eleições, são de absoluta necessidade o agrupamento, a organização, a disciplina, a unidade, e líderes que saibam dirigir e manejar as forças organizadas e disciplinadas”.

Quarto, os moralistas serão os indicados para se pronunciar sobre a questão moral, mas em sua aplicação concreta serão os técnicos quem terão de decidir. Assim, para a amputação de um braço, os moralistas determinarão quando é permitido, mas serão os médicos quem decidirão quando e como deve ser cortado, contando, é claro, com que queira o interessado.

E, em problemas políticos, muito mais complexos, serão os especialistas que decidirão sobre a oportunidade, o momento e as condições de qualquer atuação, levando muito em conta as circunstâncias de todo tipo na situação em questão. Às vezes será necessário consultar técnicos muito preparados. Como disse o padre Villada em Casus conscienciae, à teólogos doutos “e piedosos e se possível com autoridade na Igreja, os quais, com conhecimento de causa, com sinceridade e com santa liberdade de espírito, emitirão seu juízo segundo sua consciência”. Ao mesmo tempo se pedirá o parecer de políticos experientes e leais, conhecedores da realidade, da história e das circunstâncias presentes.

Em quinto lugar, deve-se tomar o certo como certo, o duvidoso como duvidoso, etc., sem deixar-se enganar pelas aparências, pelo desejo ou pela comodidade.

Em sexto, a união de católicos deverá realizar-se entre os puramente ortodoxos, embora discordem de questões secundárias, ainda que para alguns sejam importantes, como as preferências dinásticas ou outras semelhantes.

No entanto, às vezes, com critérios confusos, costuma ocorrer que se fazem com elementos pouco claros e às vezes para se opor, talvez mais aos católicos íntegros que aos revolucionários extremistas.

Alguns exemplos práticos esclarecerão esses tópicos:

Era presidente do Conselho de Ministros don Antônio Cánovas del Castillo, que acabara de separar-se de Silvela e estava interessado em obter o maior número possível de deputados. Os liberais dissidentes de Sagasta também queriam obter o maior número de representantes no Parlamento. O governo ajudava Sagasta contra os dissidentes liberais. E uns e outros solicitavam com empenho tratar com os integristas aos quais ofereciam condições muito boas.

Não consistia, pois, a questão em ajudar a uns liberais mais moderados contra outros liberais mais extremosos, senão de aproveitar suas dissidências em benefício próprio. Na realidade, não se votava a uns ou outros candidatos liberais, senão que, por meio de uma transferência, os sufrágios emitidos a favor dos liberais, designavam candidatos católicos através do voto daqueles. Deste modo conseguiríamos um bom número de deputados que, de outra forma, não conseguiríamos e que, pelo contrário, figurariam menos nas fileiras liberais.

O tema foi discutido, e todas as delegações integristas estavam de acordo, exceto uma, que apontou o escândalo que produziria tal comportamento entre os simples aldeãos que nos seguiam. Meditado o assunto, se acordou rechaçar a proposta pela razão alegada pela delegação dissidente.

Outro caso, mas de sinal oposto. Em Tortosa, por não haver candidatos integralmente ortodoxos, muitos católicos votaram na candidatura dos liberais monarquistas em oposição aos liberais republicanos. Pois bem, bastantes foram maltratados e agredidos pelos extremistas. A política seguida pelos candidatos triunfantes foi, de acordo com suas ideias, semelhante à que haveriam praticado os derrotados. E cabe perguntar-se se não haveria sido mais conveniente pactuar com os republicanos, de quem poderiam ter conseguido concessões e se evitariam os maus tratos e as possíveis represálias futuras.

São Fernando e os Reis Católicos às vezes se aliavam com reis mouros para lutar contra outros caudilhos árabes, aproveitando assim suas querelas e discrepâncias em benefício da expansão dos reinos cristãos. O que não seria tolerável, pelo contrário, é que o fizessem para combater outros reis cristãos, o que beneficiaria o inimigo.

Por isso é rechaçável a atitude de alguns cristãos que se colocavam em Córdoba ao lado do Califa quando eram martirizados outros católicos. Ou o caso do irmão e dos filhos de Witiza, que se aliaram aos árabes contra don Rodrigo na Andaluzia e contra don Pelayo nas Astúrias.

Mesmo quando pareça que se dispõe de poucas forças, não é admissível a traição ou desertar do combate para não resistir e lutar por comodidade, desânimo ou apatia. O grupo de don Pelayo era mínimo e terminou com a reconquista completa da Espanha. Sem sua firmeza e disposição ao sacrifício, possivelmente nossa pátria seria, ainda hoje, um domínio muçulmano. E quem sabe senão também a Europa.

Na Guerra da Independência foram também poucos e mal armados que se opuseram aos poderosos exércitos de Napoleão e finalmente alcançaram a vitória, apesar dos afrancesados que adularam ou se puseram ao lado do invasor.

E, finalmente, sempre é preferível o sacrifício e o martírio à traição, à rendição, à escravidão e à desonra.

A política de concessões não costuma conduzir a nenhum bom resultado.

O exemplo que é dado da França, com os católico-liberais, não pode ser mais desconsolador. Os católicos tiveram o triunfo nas mãos, mas por força de concessões se acabou na República ateia. Os companheiros de Montalembert juraram nos anos mil e oitocentos e cinquenta e tantos, “conciliar o catolicismo com as liberdades modernas: Dupanlup, De Broglie, De Folloux e seus amigos (Montalembert já havia morrido), tiveram em suas mãos os destinos da França na Assembleia que se constituiu após a derrota de Sedan e do cerco e dos incêndios de Paris. Perderam a batalha pela restauração católica e tradicional e preferiram transigir com o mal menor e oferecer o trono ao Conde de Chambord se ele aceitasse a bandeira tricolor. Sentindo-se rei cristianíssimo, Enrique V desfraldou a bandeira branca de seus ancestrais e se negou a legitimar as conquistas revolucionárias, sendo o rei da revolução. Entre a bandeira branca da tradição francesa e a bandeira tricolor dos princípios de 89, aqueles católicos optaram pelo mal menor de uma República presidida pelo católico Mac-Mahon e governada pelos católicos de La Roche-en Breuil, De Broglie, De Falloux, Buffet, todos fervorosos católicos dedicados a salvar a França a força de concessões ao mal menor. As pessoas ainda estão rindo da famosa caricatura que viajou o mundo e é uma página ignominiosa da história da França e do catolicismo liberal, onde Mac-Mahon, o herói das guerras com a Itália e a Alemanha (coberto já de ridículo, reduzido à impotência com seu Ministro de Governança derrotado nas eleições, com os partidos do mal maior pedindo e ajustando as contas ao mal menor), subia com toda a sua elegância e algemado, aos degraus do cadafalso, e antes de entregar a cabeça à lâmina da guilhotina, dizia com arrogância e resolução ao carrasco: esta é minha última concessão”.

Os católico-liberais não são, por outro lado, tão moderados como parece, pois como já foi dito, sua fobia vai mais contra os católicos puros do que contra os revolucionários extremistas. Veja-se no caso de Ríos Rosas, embaixador dos conservadores no Vaticano, signatário do Acordo com a Santa Sé e pela dotação do culto e do clero em 1859, que, ao primeiro grito dos carlistas em 1872, se uniu aos republicanos de Salmerón, vociferando nas Cortes: “os incêndios de Alcoy, as vinganças de Cartagena, a anarquia, a dissolução, tudo, antes que a teocracia eclesiástica e a reação”.

Graves atentados contra o espírito nacional foram realizados por instituições ou grupos moderados, como por exemplo o mal menor da expulsão dos jesuítas, devido a Carlos III; a dissolução das Ordens religiosas, mal menor devido a um partido médio como o dos progressistas; e mal menor o dos moderados que se aproveitaram do confisco, e com a Concordata vigente e a Unidade Católica na lei, mantiveram a Espanha sem frades nem religiosos enquanto comandaram.

Os católico-liberais, segundo Pio IX, “tentam colocar alianças entre a luz e as trevas e comunidade entre a justiça e iniquidade” (Breve, citado, ao Círculo de São Ambrósio de Milão em 1873); “se empenham em conciliar a luz com as trevas e a verdade com o erro” (Carta ao jornal de Bruxelas La Croix, em 1874); sabem “acomodar-se a todas as opiniões e a todos os partidos, a todas as religiões e amalgamar os imutáveis dogmas ​​da Igreja com a liberdade de culto e de consciência, e com sua política de gangorra, destroem os Estados, a Religião e até derrubam tronos”. (Discurso à Deputação francesa); porque, embora, “os filhos das trevas são mais astutos que os filhos da luz, não conseguiriam seus propósitos se não lhes estendessem sua mão amiga muitos que se chamam católicos” (Breve ao Círculo de Milão). Seria ocioso condenar aos inimigos declarados, mas os católico-liberais escondem em seus princípios a semente de tantos males quanto nos afligem. Por isso, “sempre condenei o liberalismo católico e o voltarei a condenar quarenta vezes mais, se é necessário” (Pio IX, Carta ao bispo de Quimper, 1873) [3].

E, como disse Nocedal, se se apresentam como amigos, aparentando respeito à Religião e à Igreja, serão mais facilmente tolerados e poderão realizar seus fins perversos, lenta, suave e sorrateiramente, mas com maior extensão e profundidade no mal, porque destrói a ordem moral sob a aparência de ordem material.

É o mesmo que veio a afirmar Leão XIII quando disse que, ainda que o Estado moderno frente a outro perseguidor possa parecer mais tolerável, no entanto, os princípios que o inspiram são tais que ninguém pode aprová-los.

Em resumo, para Nocedal:

– A teoria do mal menor, em seu aspecto moral, embora discutível, não é rechaçável e se pode aceitar tranquilamente sem que oponha a ela nenhum reparo.

– Sua aplicação à política é em todo caso complicada, e devem ser técnicos políticos competentes, honrados e católicos sinceros e bem formados que determinem quando, como e em que condições deve ser admitida, segundo a situação em questão e as circunstâncias de lugar e tempo.

– Normalmente, na política, o chamado mal menor é o maior dos males, pois supõe uma agressão leve e lenta, mas que, por sua continuidade e permanência, produz a perda da fé e das características nacionais.

– Geralmente, as alianças de alguns católicos com aqueles que realmente não o são, são dirigidas frequentemente contra os católicos íntegros mais que contra os revolucionários.

– A política de concessões geralmente costuma conduzir a que, pouco a pouco, se outorgue tudo o que é solicitado.

– A união dos católicos deve fazer-se entre todos aqueles que aceitem em sua integridade a doutrina da Igreja, em comunhão com o Papa e subordinação aos prelados competentes e piedosos.

5. Consequências e fim da polêmica

A divisão chegou ao seio da própria Companhia de Jesus. De fato, em janeiro de 1906, o também jesuíta padre Ugarte, publicou um artigo no El mensajero del Corazón de Jesús, apoiando a posição intransigente defendida por Nocedal. E em fevereiro do mesmo ano, o padre Vilariño publicou outro artigo na revista mencionada, no qual matizava os pontos de vista de uns e outros, até minimizar as possibilidades morais de apoiar o liberalismo nas eleições. Segundo este último trabalho, cabia, de fato, em alguma estranha ocasião, a necessidade de votar nos candidatos maus. Mas, realmente, quem eram eles? Em princípio, o anarquista ou o socialista são os piores; logo vinham os liberais radicais, depois os liberais moderados, logo os conservadores liberais e, finalmente, os conservadores ou católico-liberais. Mas, de fato, acrescentava, os moderados e católico-liberais são mais perigosos porque são mais insidiosos, dada sua melhor aparência, pelo que seus danos podem passar mais despercebidos e ser mais duradouros.

A polêmica se prolongou em termos de gravidade crescente, publicando El Siglo Futuro cartas a Nocedal em adesão a seu critério, recriminando a tolerância demonstrada à postura dos colaboradores de Razón y Fe por seus superiores e por alguns prelados, alcançando algumas críticas até ao próprio Pontífice. Solicitado formalmente pela imprensa católico-integrista ditame hierárquico, monsenhor Guisasola, bispo de Madri, enviou os dois artigos discutidos à Cúria Romana para que os julgasse. Pio X respondeu, em 20 de fevereiro de 1906, em sua Carta Apostólica Inter catholicos Hispaniae [4], na qual manifestava não encontrar neles nada contrário à moral segundo o ensinado pela maioria dos doutores que tratavam dessas matérias, pelo que desejava que cessassem as polêmicas surgidas, e já mantidas durante muito tempo, recomendando a união para levar aos cargos públicos aqueles que melhor defendam os interesses da religião, considerando as condições de cada eleição e as circunstâncias dos tempos. No início de março, o marquês de Lema, seguidor de Pidal, trouxe à tona no Congresso a carta do Pontífice, interpretando-a como uma condenação de El Siglo Futuro, o que deu lugar a uma série de cartas entre Nocedal e o bispo de Madri, que se prolongou até 12 de junho. Nessa data, o sucessor de Guisasola, que havia sido transferido para Valência, Salvador y Barrera, acusou Nocedal de rejeitar as normas do Papa e ameaçou usar sua autoridade eclesiástica. Nocedal acatou a decisão do bispo que lhe impunha silêncio e ofereceu até dissolver seu grupo e deixar de publicar o jornal (José Andrés Gallego, Política religiosa en España, 1889-1913, Madri, Editora Nacional, 1975, págs. 320 e segs.).

Em um discurso proferido em 1906, o papa Pio X referiu-se expressamente aos “integristas”, a quem pedia a união, embora sem renunciar às suas legítimas opções políticas. Ou seja, exortou à união como seu antecessor, mas sem aconselhar ou ordenar a aceitação do regime estabelecido como havia sido a política de Leão XIII.

6. Incidências posteriores

Ramón Nocedal faleceu em 1 de abril de 1907. Após sua morte, Juan de Olazábal y Ramery o sucedeu na direção do integrismo. Depois de trocar impressões com seus principais colaboradores, por iniciativa do setor catalão, apoiado por algumas personalidades bascas, se decidiu ir à Roma e pedir ao Papa orientações sobre sua possível atuação. Em sua jornada, os comissários foram recebidos no Vaticano com um afeto e estima que poderiam ser qualificados de maternal mais bem que paternal pelas delicadezas tidas com eles. O Pontífice lhes dedicou pessoalmente sete longas sessões, algumas com duração superior a três horas, e aprovou seu programa, recomendando, no entanto, algumas retificações de procedimento para evitar certos erros do passado, entregando ao Sr. Olazábal umas Instruções reservadas para ir colocando-as em prática conforme as circunstâncias fossem aconselhando. Sua data é de 1908, mas começaram a ser divulgadas em 1909 (foram publicadas no Boletín Oficial Eclesiástico del Obispado de Pamplona em 15 de abril de 1909, e reproduzidas por José Andrés Gallego, em sua obra citada, págs. 352 e 353).

Nelas se afirmava, em primeiro lugar, a legitimidade de que o integrismo continuasse defendendo a unidade católica da Espanha frente a estabelecida tolerância de cultos e às absolutas liberdades individualistas e de soberania popular proclamadas pelo racionalismo naturalista e condenadas pelo Syllabus. Mas não se autorizava a ninguém acusar a outros de não católicos ou menos católicos pelo fato de militarem em partidos políticos denominados liberais, cujo nome, no entanto, era desaconselhado por suas implicações filosóficas. O bom e honesto que façam, digam ou sustentam os afiliados a qualquer partido e as pessoas que exerçam autoridade, pode e deve ser aprovado e apoiado, estando prontos a unir-se todos os bons católicos, qualquer que fosse sua afiliação política, nas coisas práticas que demandem os interesses da religião e da pátria para a consecução do bem comum, mesmo que não seja de maneira permanente e constante, mas circunstancial e transitória (vide José Andrés Gallego, op. cit., págs. 326 e segs.).

Ante novas petições ao Vaticano de orientações para a atuação política dos católicos, entre as quais figuravam as da recente “ACN de P.”, criada por inspiração do padre Ayala e dirigida especialmente por don Angel Herrera, o cardeal espanhol Merry del Val, Secretário de Estado de Pio X, dirigiu aos bispos de nossa pátria, com caráter geral, doze novas normas que, embora reproduzam em grande parte os critérios ou orientações dados anteriormente aos integristas, deveriam considerar-se ex novo e nas quais se suavizavam algumas expressões das precedentes, mas mantendo, no entanto, a mesma pureza de doutrina (foram publicadas no Boletín Oficial Eclesiástico del Obispado de Pamplona em 1 de junho de 1911 e reproduzidas na obra de José Andrés Gallego, págs. 506-507).

Nas mesmas voltava a proclamar-se a procedência de defender a unidade católica nos seguintes termos: “Deve-se manter como princípio certo que na Espanha sempre se pode sustentar, como de fato muitos sustentam, nobilissimamente, a tese católica e com ela o restabelecimento da unidade religiosa. Essa reconquista deve efetuar-se dentro da legalidade constituída, empunhando quantas armas lícitas põe a mesma em nossas mãos” (Norma 1ª). Evitavam-se qualificações como candidatos menos dignos aplicadas nas anteriores aos conservadores liberais em contraposição aos liberais puros, tachados de indignos, mas se reforçava a incompatibilidade essencial entre catolicismo e liberalismo, entendido este em sentido filosófico, não assim no estritamente político ou vulgar, no qual, embora equívoco, não era repudiável em si mesmo ao não indicar normalmente a plena autonomia e independência do homem no pensamento e na ação sem sujeitar-se a normas morais e transcendentes.

Apesar de tudo, a questão colocada sobre o mal menor e as eleições permaneceu latente e voltou a apresentar-se novamente, embora com outras matizes e circunstâncias durante a Segunda República, com o possibilismo de Herrera, a quem opôs notáveis raciocínios o padre Vélez em seu livro-mártir, Revolución y contrarrevolución en Espanha, com importante e contundente prólogo de don Víctor Pradera.

7. Aplicações atuais

Tem sido dito com frequência que o presente não existe – é apenas uma ponte transitória – pois primeiro é futuro e imediatamente se converte em passado. Quevedo expressou isso em uns versos que dizem assim:

“Ah da vida!
ninguém me responde.
………………………………………………………..
Ontem se foi, amanhã não chegou,
hoje se está indo sem parar um ponto:
sou um fui e um será e um é cansado”.

que poderíamos completar deste modo:

Na roda do tempo permanente
o futuro é presente e já é passado.

A nação não é apenas a geração presente, mas também as passadas e as vindouras. É evidente que a formação de nossa personalidade nacional e nossa tradição histórica é fundamentalmente católica. E embora atualmente não exista a unanimidade de crenças que em épocas anteriores, mesmo aqueles que não se declaram católicos e não praticam regularmente essa religião, conservam suas raízes e a manifestam em muitos atos de suas vidas, especialmente os fundamentais.

Por essa razão, conserva todo seu vigor a afirmação de São Pio X nas normas dadas aos espanhóis em 1908 e 1911, recordadas pelo cardeal Segura no primeiro Congresso espanhol de Ação Católica celebrado em 1929, de que é digna e louvável a atitude dos católicos em promover a unidade religiosa. Isso não quer dizer que se deva impor pela força, pois toda decisão política em uma sociedade pluralista requer um adequado respaldo popular, que muitas vezes se forma desde o governo, mas tampouco significa que se deva renunciar a uma situação mais conveniente e perfeita pelas dificuldades que envolve consegui-la, aceitando como ideal a existente. Pelo contrário, deve servir de estímulo para empregar todos os meios legítimos para alcançar um estado melhor. A evangelização é um dever geral de todo cristão e, em um país de formação e tradição católica, é também uma obrigação nacional. E Deus recompensa o esforço, às vezes de maneira imprevista e extraordinária.

Portanto, se setores não católicos inspirados e frequentemente ajudados por poderes estrangeiros aspiram implantar em nossa pátria suas ideias materialistas e agnósticas ou antirreligiosas, deve constituir um orgulho para os católicos defender suas próprias pretensões, adaptando-se às circunstâncias presentes e modificando em seu caso, para esse fim, sua tática e estratégia anteriores no que tenham de errôneas, como aconselhou São Pio X para conseguir melhores frutos em suas referidas normas, que transcrevemos integralmente.

*  *  *

Normas dadas por ordem de Pio X, assinadas pelo Secretário de Estado Merry del Val em 20 de abril de 1911, e comunicadas em Madri pelo Núncio em 3 de maio, para a ação política dos católicos espanhóis (publicadas no “Boletim Oficial do Bispado de Pamplona” em 1 de junho de 1911; constituem uma reprodução corrigida e atualizada das dadas em 1908 aos integristas para orientar suas atividades sócio-políticas).

Norma 1ª – Deve manter-se como princípio certo que na Espanha se pode sempre sustentar, como de fato sustentam muitos, nobilissimamente, a tese católica e com ela o restabelecimento da unidade religiosa. Essa reconquista deve efetuar-se dentro da legalidade constituída, empunhando quantas armas lícitas põe a mesma em nossas mãos.

Norma 2ª – A existência dos partidos políticos é em si mesma lícita e honesta enquanto suas doutrinas e seus atos não se oponham à religião e à moral; mas a Igreja não deve de forma alguma ser identificada ou confundida com nenhum deles, nem pode pretender-se que Ela intervenha nos interesses e controvérsias dos partidos para favorecer a uns com preferência a outros.

Norma 3ª – A ninguém é lícito acusar ou combater como católicos não verdadeiros ou não bons, aqueles que por motivo legítimo e com reto fim, sem nunca abandonar a defesa dos princípios da Igreja, querem pertencer ou pertencem aos partidos políticos até agora existentes na Espanha.

Norma 4ª – Para melhor evitar qualquer ideia inexata no uso e aplicação da palavra liberalismo, tenha-se sempre presente a doutrina de Leão XIII na encíclica Libertas de 20 de julho de 1888, como também as importantes instruções comunicadas por ordem do mesmo Sumo Pontífice pelo Excelentíssimo Cardeal Rampolla, Secretário de Estado, ao arcebispo de Bogotá e aos outros bispos da Colômbia na Carta Plures e Colombie de 6 de abril de 1900, onde, entre outras coisas, se lê: “Nesta matéria se deve ter em vista o que a Suprema Congregação do Santo Ofício fez saber aos bispos do Canadá em 29 de agosto de 1887, a saber, que a Igreja, ao condenar o liberalismo não intentou condenar todos e cada um dos partidos políticos que por ventura se chamam liberais”. O mesmo também foi declarado em carta que, por ordem do Pontífice, dirigi eu ao bispo de Salamanca em 17 de fevereiro de 1891, mas acrescentando estas condições, a saber: “que os católicos que se dizem liberais, em primeiro lugar, aceitem sinceramente todos os capítulos doutrinais ensinados pela Igreja e estejam prontos para receber os que em diante Ela mesma ensine; ademais, nenhuma coisa proponham que explícita ou implicitamente tenha sido condenada pela Igreja; finalmente, sempre que as circunstâncias o exigirem, não recuse, como é o caso, expressar abertamente seu modo de sentir, conforme em tudo com as doutrinas da Igreja”. Dizia-se, ademais, na mesma carta, que era de desejar que os católicos escolhessem e adotassem outra denominação para nomear seus próprios partidos, evitando que, adotando a de liberais, dessem aos fiéis ocasião de equívoco ou de estranheza; além disso, que não era lícito notar com censura teológica e muito menos rotular de herético ao liberalismo quando lhe for atribuído sentido diferente do  fixado pela Igreja ao condená-lo, enquanto a mesma Igreja não manifeste outra coisa.

Norma 5ª – O bom e honesto que façam, digam e sustentem os filiados a qualquer partido e as pessoas que exerçam autoridade, pode e deve ser aprovado e apoiado por todos os que se prezem de bons católicos e bons cidadãos, não apenas em particular, mas também nas Cortes, nas Deputações, nos Municípios e em toda a ordem social. A abstenção e oposição a priori estão em desacordo com o amor que devemos à religião e à pátria.

Norma 6ª – Em todas as coisas práticas em que o bem comum o exija, convém sacrificar em honra da religião e da pátria as opiniões privadas e as opções partidárias, exceto a existência dos mesmos partidos, cuja dissolução por ninguém se deve pretender.

Norma 7ª – Não exigir a ninguém como obrigação de consciência a filiação a um partido político determinado com exclusão de outro, nem pretender que ninguém renuncie a suas afeições políticas honestas como dever ineludível, pois no campo meramente político pode licitamente haver diferentes pareceres, tanto no que diz respeito à origem imediata do poder como do exercício do mesmo e das diferentes formas externas de que se revista.

Norma 8ª – Os que entram a formar parte de um partido político qualquer devem conservar sempre íntegra sua liberdade de ação e de voto para negar-se a cooperar de qualquer maneira com leis ou disposições contrárias aos direitos de Deus e da Igreja; antes bem, estão obrigados a fazer em toda ocasião oportuna quanto deles dependa para sustentar positivamente os direitos mencionados. Exigir dos afiliados de um partido uma subordinação incondicional à direção dos chefes, mesmo no caso de oposição à justiça, aos interesses religiosos ou aos ensinamentos e reclamações da Santa Sé e do Episcopado, seria uma petição imoral que não pode ser considerada nos que dirigem esses mesmos partidos, sem fazer ultraje a sua retidão e a seus sentimentos cristãos.

Norma 9ª – Para defender a religião e os direitos da Igreja na Espanha contra os ataques crescentes que frequentemente são forjados invocando o liberalismo, é lícito aos católicos se organizarem nas diversas regiões fora dos partidos políticos até então existentes, e invocar a cooperação de todos os católicos indistintamente dentro ou fora de tais partidos, desde que essa organização não tenha caráter antidinástico, nem pretenda negar a qualidade de católicos aos que preferem abster-se de tomar parte nela.

Norma 10ª – Estar sempre prontos para unir-se com todos os bons, seja qual for sua filiação política, em todos os casos práticos em que os interesses da religião e da pátria exijam uma ação comum. Essa união não é uma união de fé e doutrina, pois em tais casos todo católico deve estar unido aos demais católicos e a todos eles sujeitos e obedientes à Igreja e aos seus ensinamentos; essa união, por sua natureza, não é uma associação católica, nem uma confraria, nem uma academia; é uma ação prática, não constante e permanente ou per modum habitus, mas de circunstâncias e necessidades ou per modum actus.

Norma 11ª – Nos casos práticos ou com essa união per modum actus, todos devemos cooperar para o bem comum e para defesa da religião; nas eleições, apoiando não apenas nossos candidatos sempre que seja possível, em vista das condições de tempo, região e circunstâncias, mas também todos os demais que se apresentam com garantias para a religião e a pátria, tendo sempre em vista que sejam eleitos o maior número possível de pessoas dignas, donde se possa, seja qual for sua origem, combinando generosamente nossas forças com as de outros partidos e toda sorte de pessoas para esse nobilíssimo fim.

Norma 12ª – Não merecem repreensão aqueles que declaram ser seu ardente desejo que no governo do Estado vá renascendo, segundo as leis da prudência e as necessidades da pátria o exijam, as grandes instituições e tradições religioso-sociais que fizeram tão glorioso em outros tempos a Monarquia espanhola: e, portanto, trabalham para a elevação progressiva das leis e das regras de governo até aquele grande ideal; mas é necessário que a essas nobres aspirações juntem sempre o propósito firme de aproveitar do que é bom e honesto nos costumes e na legislação vigente para melhorar eficazmente as condições religiosas e sociais da Espanha.

Por vontade do Santo Padre rogo a Vossa Eminência dê conhecimento dessas normas a todos os reverendíssimos prelados da Espanha. Sua Santidade confia que tais regras, não menos que os outros ensinamentos e orientações dos Sumos Pontífices sobre a ação religioso-social de nossos tempos, serão acolhidas por todos os bons católicos e postas em prática sem reserva, abstendo-se de inúteis e prejudiciais polêmicas acerca das mesmas e com aquele espírito de sincera e filial submissão às decisões da Santa Sé, de obediência religiosa aos bispos e de mútua caridade fraterna, que é a única coisa que pode assegurar o triunfo dos ideais cristãos contra os inimigos da Igreja e da pátria na nobilíssima nação espanhola.

(O Núncio as transcreve, declarando que a presente tradução é oficial).

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Dito o anterior acrescentaremos, para concluir, que enquanto o catecismo democrático moderno exige que as decisões do povo sejam consideradas invioláveis; João Paulo II afirma que “A verdade não pode ter como medida a opinião da maioria” (Discurso aos participantes do Congresso comemorativo do XX aniversário da Humanae vitae, em 14 de março de 1988. L’Osservatore Romano, em espanhol, correspondente ao domingo, 17 de abril de 1988).

A vontade geral da maioria pode levar ao despotismo e à ditadura como o critério de um só que possui a força para se impor aos demais. Foi o que ocorreu na Alemanha nazi e assim ocorre, de forma complexa nas chamadas democracias populares.

A soberania nacional no sentido de intervenção de todos os cidadãos normais na vida pública é aceitável, embora o melhor é que essa intervenção tenha lugar em razão da competência, capacidade e responsabilidade de cada um, individualmente ou associado; não, que todos intervenham em um plano de igualdade absoluta e sobretudo com as faculdades ilimitadas na resolução de todos os assuntos por difíceis ou complicados que sejam. O poder absoluto sem limitações transcendentes e morais nem contrapesos sociais não é admissível nem no rei, nem nos povos. Por isso é rechaçável a soberania nacional ou popular no sentido rousseauniano e o direito divino dos reis como senhores onipotentes (embora aqui caberia pensar numa limitação religiosa mais ou menos eficaz e em uma responsabilidade pessoal e não anônima perfeitamente identificável). Qualquer decisão tomada em tais condições, contrária ao Direito natural, seria totalmente injusta e inválida.


Notas da edição

[1] Segue um trecho mais completo do artigo do Pe. Minteguiaga:

A objeção e dificuldade que se oferece aqui à consciência aparece clara e obviamente. Porque nunca é lícito fazer um mal para alcançar um bem; e mal é, sem dúvida, ainda que menor, eleger um indigno, ainda que seja menos indigno. E isto é o que faz vacilar e o que retrai a muitos. Mas pelo lado oposto da licitude aparece e chama a atenção um princípio de prudência que, se bem se presta a graves abusos quando se lhe aplica mal, é em si razoável e aceitável ainda no íntimo da consciência; e ainda pode dizer-se que é uma verdade de senso comum e de aplicação diária nos usos da vida. É o princípio de que de dois males necessários ou quando um ou outro é inevitável, se deve eleger o menor.

‘À razão da opinião contrária se pode responder, diz Villada, que o princípio citado (de que nunca é lícito fazer um mal para alcançar um bem) é verdadeiro se se trata de eleger formalmente o mau, o qual nunca é lícito; mas não se se trata do mal material menor em concorrência com outro mal maior, o qual é permitido, porque então o menos mal é um bem formal relativo’ (Casus conscientiae, t. 1, cas. 6º, quaer. 5º).

Por isto também quando não se pode evitar o incêndio de uma casa, se destrói parte dela para salvar o restante, e em um naufrágio se lançam as mercadorias ao mar para liberar o barco, e, o que mais vem ao caso, se deixa o homem cortar o braço ou a mão, o qual por si não é lícito, para conservar a vida. Nestes casos eleger o menos mal é eleger o bom; é, a saber, a diminuição do mal, e é mirar e tentar unicamente o bem no mal que se tolera e se permite. O princípio que estabelece que de dois males necessários se deve eleger o menor, tem sua sagração no direito canônico (Decreti prim. part., disp. 13.c.1.Duo mala – Diz o título do capítulo: Minus malum de duobus eligendum est. E continua: Unde in Concilio Toletano, 8, c. 2, legitur: Duo mala, licet sint omnino cautissime praecavenda, tamen si periculi necesitas ex his unum perpetrare compulerit, id debemus resolvere quod minori nexu noscitur obligare).”

Para mais trechos desse e do artigo do Pe. Villada, bem como das cartas de alguns prelados em apoio aos referidos artigos e da carta do Papa S. Pio X ao Bispo de Madri, veja-se o artigo “Moralidade do voto a candidatos menos indignos”, do Rev. Pe. Pablo Suárez, FSSPX.

[2]El mal menor e las elecciones”, que traz as considerações filosóficas pró e contra o princípio do mal menor e uma sistematização da argumentação de Ramón Nocedal. Uma tradução (com cortes e ajustes periféricos) pode ser lida no site da Congregação Mariana da Imaculada Conceição, de Manaus: “As eleições e o mal menor”. Transcrevemos aqui uma síntese do artigo:

I. A doutrina do mal menor

a) Do mal em geral: O mal é a privação do bem e que como o bem e o ser se confundem, o mal como privação ou ausência do bem é também privação ou ausência do ser, portanto não tem subsistência em si mesmo, mas tem que subsistir no ser, isto é, no bem como sujeito. Como o verdadeiro bem é Deus, porque é verdadeiro ser, o pecado, que é a privação de sua graça e amizade, é o verdadeiro e autêntico mal. O homem pode medir somente ab extrinseco, isto é, de fora, a maior ou menor gravidade do mal que é o pecado, mas Deus, apenas, sabe verdadeiramente a autêntica gravidade e responsabilidade do pecado e somente Ele, portanto, conhece qual é e onde está o mal maior ou menor.

b) Do mal nas eleições: A eleição de um representante político, em geral, tem dois aspectos: um material, que é o ato em si mesmo de votar em uma urna, e outro formal, que é o fim, a intenção que determina a eleição. Para que o ato de votar seja lícito em sua plenitude, é necessário que seja lícito material e formalmente. Na eleição do candidato que representa o mal menor se toma como pressuposto que a intenção, ou elemento formal, é bom. O que se discute é se o ato material de eleger o candidato que representa o mal menor, quando não há candidatos “bons”, é lícito ou ilícito.

c) Argumentos a favor da licitude do mal menor

  1. Do fato material da eleição não se segue necessariamente que o representante do mal menor, se eleito, desenvolva uma ação política contrária à moral católica, já que podem intervir em sua atuação pública muitos fatores e interesses alheios ao programa eleitoral que apresentou, e assim o ato da eleição materialmente considerado não está, em si mesma, em desacordo com a ordem moral.
  2. A eleição do candidato representante do mal menor promove uma ocasião de pecado, já que o eleitor lhe confere o ofício do qual se teme fundamentalmente que abusará. Mas a ocasião de pecado, considerada em sua materialidade não é pecado, e considerada no perigo de pecado que circunstancialmente pode significar, é justificada se existir causa suficiente, como pode ser o impedir o triunfo do candidato que representa o mal maior.
  3. Entre duas ocasiões que geram probabilidade de perigo do mal formal ou pecado, se são necessárias, deve-se escolher aquela que ofereça menor probabilidade. 
  4. O mal menor é um bem formal relativo – é mal enquanto constitui ocasião material de pecado, é bem relativo enquanto que, ao ser mal menor, constitui ocasião material para evitar um mal maior.
  5. Dos quatro raciocínios precedentes, costumam acrescentar outras considerações de uso comum:
    • De dois males necessários, deve-se escolher o menor.
    • Votar pelo mal menor não é favorecer o mal, mas impedir que ele cresça. Não se pretende tanto o triunfo do candidato liberal quanto o fracasso do candidato comunista.
    • A transcendência do direito eleitoral, disse o P. Minteguiaga, leva em seu peito e em suas asas o destino dos povos. Abandonar a luta eleitoral é entregar o campo ao inimigo.
  6. Como argumentos de autoridade em favor da questão, temos:
    • Concílio toledano, 8º, cap. 2: Entre dois males, ambos devem ser evitados com a maior precaução, mas, se a necessidade de perigo forçasse a realizar um deles, devemos escolher aquele que menos obrigue.
    • Cardeal Lugo: De Iustitia. disp. 35, sec. 1, 5.
    • Leão XIII, Immortale Dei: O não querer tomar parte nenhuma nas coisas públicas seria tão mal como não querer comprometer-se com nada que seja de utilidade comum. Do contrário, se estão quietos e ociosos, facilmente se apropriarão dos assuntos públicos pessoas, cuja maneira de pensar não ofereça grandes esperanças de saudável remédio”.

– Há moralistas que definem não apenas a doutrina do mal menor nas eleições como lícita, mas como obrigatória: “Em geral, os que têm direito de sufrágio estão obrigados em consciência a ir às urnas”(Ferreres, Casus conscienciae, IX).“Raramente deixará de haver obrigação de votar nas eleições…, porque raramente deixará de haver uma esperança prudente de bom resultado”. (Pe. Villada, Casus conscienciae).

d) Argumentos contrários ao mal menor nas eleições ser lícito

  1. A eleição do representante do mal menor implica objetiva ou materialmente, não formalmente, um assentimento do eleitor ao programa incompatível com os princípios do Direito Público Cristão apresentado pelo candidato, o que constitui um ato ilícito quanto a sua matéria, ainda que a intenção seja boa.
  2. O ato da eleição constitui um pacto entre o eleitor e o eleito: esse oferece seu programa, o eleitor a aceita, ainda que sua intenção discorra por outros caminhos. Esse pacto em sua razão material ou objetiva não é lícito – que pacto pode haver entre a luz e as trevas, entre a verdade e o erro?
  3. Na eleição do candidato menos mal,a causa suficiente que se alega para sua eleição é evitar o triunfo do candidato que representa o mal maior. Não se trata, pois, de evitar o pecado inerente à realidade do programa hostil à Igreja que representa o mal menor, mas de evitar o pecado maior inerente ao programa do mal maior. Entre pecado maior e menor, não cabe eleição nem causa suficiente que justifique: logo, entre dois candidatos cuja política de hostilidade contra a igreja é pecaminosa em maior ou menor grau também não cabe eleição nem causa suficiente que justifique, sendo ilícita tal escolha.
  4. A causa determinante da eleição do mal menor se baseia em um cálculo de probabilidades, já que, ainda que em ambos os candidatos se dará uma política hostil à Igreja, se presume com probabilidade que o menos mal será menos hostil que o outro. A licitude do mal menor se fundamenta, portanto, no azar que representa o probabilismo.
  5. O lícito, como o bom, só pode sê-lo ex integra causa. Se admitirmos a licitude do mal menor, se daria o contrassenso de que algo que em sua razão material, por ser ocasião de pecado, é mal, seria lícito e bom, sem sê-lo ex integra causa.
  6. Ainda que a expressão de S. Paulo “Non faciamus mala ut veniant bona” (Rm 3, 8) se refira ao mal moral ou pecado, cabe aplicá-la com fundamento ao que constitui ocasião de pecado, e pois de perigo, sobre a qual diz a Sagrada Escritura: “Aquele que ama o perigo, nele perecerá”. Assim como eleger entre dois pecados é pecar, eleger entre duas ocasiões que por si mesmas levam ao pecado é pecar, ainda que o pecado de uma ocasião seja menor que o derivado da outra.
  7. A doutrina do mal menor desemboca na contradição. Fundada em um critério de relatividades sobre apreciação do mal maior ou menor, o que hoje é ilícito, amanhã pode ser lícito. Assim, ontem era lícito votar no liberal “manso” para evitar que triunfasse o liberal “feroz”, hoje será lícito votar no liberal “feroz” para evitar que triunfe o socialista, amanhã será lícito votar no socialista para evitar que triunfe o comunista e depois de amanhã será lícito votar no comunista para evitar que triunfasse o ultracomunista. Se a lógica não falha, votar no mal menor pode levar passo a passo a votar no mal maior. Um sistema que se fabrica para evitar um mal e que termina optando por esse mesmo mal resulta em algo contraditório.

II. Aplicação da doutrina do mal menor nas eleições políticas

a) Questão moral e questão política:
Em situações concretas, o que está em jogo não é a doutrina sobre o mal menor, mas a necessidade ou não de sua aplicação, ou seja, antes uma questão política que moral. Foi o que argumentou Ramón Nocedal na contenda com os padres Villada e Minteguiaga: “Afastando-se cuidadosamente de toda questão moral, El Siglo Futuro apenas discutira esta questão: se dadas as condições atuais da política espanhola, é o caso de renunciar a defender e propagar a tese tradicional, trabalhando pelo retorno absoluto dos princípios católicos, ou aceitar a hipótese, aplicar a teoria do mal menor à política em geral e juntar-se aos partidos liberais menos “ferozes”.” “Recentemente, como nos melhores e mais gloriosos tempos da Espanha, condescender com qualquer partido liberal era para todos os bons vergonha desonrosa, tratar ou transigir com qualquer grau de liberalismo era ignomínia ultrajante; e a única política nacional e cristã era despertar aos católicos espanhóis e uni-los em uma falange vigorosa e firme, que resolutamente marchasse para a completa reconquista da Espanha para Deus e para a instauração de todas as coisas em Cristo. Mas já alguns estimam que o melhor é elogiar e recomendar a prudência e a cobertura daqueles que tratam com o erro, retirar-se e fugir dos íntegros como da peste…, que não parece senão que a viril perseverança na profissão do bem e da verdade é o maior dos crimes, e a transigência ruim e covarde e a cumplicidade com o erro e o mal a maior das virtudes”.

b) Ao ser duvidosa a teoria do mal menor, não é obrigatória sua aplicação à política:
Diz Nocedal: “(…) o caso [é] duvidoso, a questão moral é livre, as opiniões são diversas e conflitantes; e segundo declara o P. Minteguiaga em seu artigo e assim mesmo dizia o P. Villada em seu Casus conscienciae, os prós e os contras são igualmente prováveis ​​aqui”. “Sendo a doutrina duvidosa seria absurdo empenhar-se em propor por fundamento, laço de união, lei ou regra, preceito ou mesmo conselho para a política geral da Espanha para a ação comum dos católicos espanhóis na política, um parecer que não é comum a todos e a quem ninguém tem obrigação de submeter seu juízo, uma teoria que (…) divide os ânimos e provoca entre os católicos debates tão acalorados e divisões tão profundas como as que temos à vista e estamos presenciando (…)”.

c) Não cabe a eleição de um mal menor entre os liberais, pois não há diferenças substanciais entre eles:
Para Ramón Nocedal: “Aqueles que distinguem dois liberalismos, um mal e outro bom ou menos mal ou mal menor, pecam de tolos. Na ordem política, todos os liberais são iguais, todos professam e praticam o mesmo liberalismo, as mesmas liberdades, a mesma política, nem católica, nem protestante, mas absolutamente independente de toda religião, sem outra diferença senão a maior postura, habilidade e cautela com que costumam proceder os católico-liberais  e o crédito pessoal de bons cristãos com que alguns deles abrem caminho entre os fiéis e devotos”. Não há testemunho melhor que o dos liberais conservadores para demonstrar a identidade substancial da doutrina e dos objetivos que todos os liberais buscam igualmente. “Uma só diferença, declararam Cánovas e Silvela, os distingue e separa dos radicais: serem estes imprudentes e loucos, que querem fazer tudo de uma vez e com violência, espantando e sublevando os católicos e comprometendo a cada passo a causa liberal; e ser os conservadores mais cautelosos e ladinos e fazer as coisas com mais cautela e segurança, cobrindo seus ataques à religião com pretextos puramente políticos, fingindo que desejariam o maior bem, mas as circunstâncias os levam a aceitar o mal menor, às vezes impugnando primeiro por prematuras as conquistas revolucionárias, que logo consolidam-se como fatos consumados”.

d) A política do mal menor é a política do mal maior:
Seguindo com a argumentação de Nocedal, explica ele que o liberalismo católico (tido pelo mal menor) representa para os católicos um mal maior no campo político, pois:

1. Por razão de sua peculiar doutrina: Na ordem privada admitem a autoridade de Deus e até da Igreja, mas na ordem pública defendem por meio de leis a mais absoluta liberdade de imprensa, de cátedra, de associação, de consciência, de pensamento, etc.”

2. Por razão da fraude e engano que encerra: dado que o erro não pode subsistir sem estar apegado à verdade, será tanto mais penetrável entre os católicos quanto mais dissimulado sob aparência de verdade. “É mais daninho o inimigo astuto e sorrateiro que o franco e descoberto”. Por isso a revolução “feroz” é menos eficaz que a revolução “mansa”.  Os católicos reagem contra aquela, contra esta, ao ser invisível, permanecem adormecidos.

3. Por razão da duração: “Parece evidente, disse o Pe. Villada, que esse segundo mal, o moderado, o conservador, o pidalino, o maurista, é muito mais sério que o primeiro, porque é por sua natureza mais duradouro, embora menos intenso em cada momento, pois destrói a ordem moral mais seguramente sob a aparência de ordem material”. “Os demagogos são doenças agudas, a pneumonia, o tifo, a cólera, que em pouco tempo mata ou é curada, mas os conservadores são a doença crônica e mortal por necessidade, são a tísica, são o câncer, são a lepra, que incessantemente tudo corrompem, destroem e matam sem remédio”. O mal menor não corta a doença, não a cura, senão que a prolonga, a agrava e, finalmente, produz a morte. Ao mesmo tempo que alimenta e fortalece o liberalismo, causa letargia e enfraquece os católicos.

4. Por razão da divisão que promove entre os católicos: “Os católico-liberais, pregando a paz e clamando pela unidade, dividem e desgarram os católicos quando mais unidos estão, procuram esfriá-los com suas múltiplas hipóteses, os distraem, os estorvam e enredam em seus pés para que não possam lutar com os liberais”. “Unidíssimos estavam os católicos em santa concórdia de pensamento e de ação. Quem são os que turvaram e a todo custo procuram despedaçar aquela união estreitíssima? Aqueles que perseveram unidos professando e sustentando o que todos defendíamos antes como fundamental e essencial para a política católica na Espanha? Ou aqueles que mudaram de opinião e se desgarraram de nós e contra nós se voltaram airados porque não sabemos ser mutáveis e voláteis, não queremos abandonar o terreno nem desertar a bandeira que eles mesmos nos ensinaram a defender? Ou aqueles que fazem quanto podem por quebrantar nossa fé na política integramente católica e castiçamente espanhola… e agitam e dividem aos que não se envergonham de renegar suas antigas convicções?”

5. Por razão da hipocrisia em seu comportamento: “Os que se acercam dos conservadores, por pouco tempo que dure a conversação, correm muito perigo de engolir como pão bendito as pílulas bem douradas, sobretudo se acompanham seus aliados à Missa com exemplar devoção”. “Maus por liberais, piores por católicos-liberais, traidores à Judas, introdutores, consolidadores e causantes do mal e da ruína que por eles produz a revolução e que sem eles teria sido impossível ou teria cessado”. “Pela manhã recebem Deus e à tarde vão crucificá-Lo no jornal, no Ateneu, no Ministério, no Parlamento”. “Enganam os católicos com alardes de fé, ajoelham-se humildemente e beijam as sandálias do Papa e o anel pastoral dos Bispos e pregam a adaga na Igreja de Deus depois de ouvir Missa e rezar o Rosário”.

6. Testemunho de Pio IX: vide tópicos 3 e 4 do artigo e nota [3].

7. Testemunho da História: Os políticos do mal menor “são os arautos e porta-vozes da política que invocaram os afrancesados para defender as forças incontrastáveis ​​de Napoleão contra os bons espanhóis, indefesos, divididos, sem rei, sem generais e sem exército na Guerra da Independência; da política da hipótese, em que se fundavam os cristãos de Córdoba, amigos do Califa, para perseguir e amaldiçoar os mártires; da política da prudência e da sanidade, que arrastou o irmão e os filhos de Witiza para se aliarem aos árabes da Andaluzia contra Don Rodrigo e em Astúrias contra Don Pelayo; da política da prudência carnal, do interesse, da ganância, do egoísmo e do medo; da política da traição à nossa Fé e à nossa Pátria (…)”.

Conclui Nocedal: “Os assassinos de minha Pátria não foram os políticos do mal maior, que passaram como relâmpagos sobre o Poder e somente conseguiram com suas medidas reavivar o espírito dos bons espanhóis. Digo que os assassinos da minha Pátria foram e são os Partidos do mal menor, moderados e progressistas, conservadores e democratas, que quebrantaram sua unidade com espantosas discórdias, a arruinaram, a envileceram, a deixaram sem fazenda, sem colônias, a fizeram ludibrio das nações, engendraram em suas Universidades o socialismo e fomentaram sem cessar o anarquismo, o anticlericalismo e todos os horrores do mal maior; e digo, enfim, que jamais me unirei, nem favorecerei, nem votarei, senão que farei a guerra que possa com muitos, com poucos, só, se me ver abandonado, aos assassinos de minha Pátria” (todas as citações são das Obras de Ramón Nocedal, t. III, Imprenta de Fortanet, Libertad, 29, Madrid, 1909).

III. Conclusões doutrinárias

  1. A doutrina do mal menor tem a aprovação da maior parte dos moralistas, segundo expressão de São Pio X na carta Inter catholicos Hispaniae de 20 de fevereiro de 1906 [4].
  2. Se é da maior parte dos moralistas, há moralistas que não a aprovam.
  3. Se não existe aprovação unânime dessa doutrina, a mesma tem caráter provável e por isso a doutrina oposta, que afirma a ilicitude de eleger um mal menor, é também provável, ainda que seja menos provável que a outra.
  4. Se ambas as doutrinas são prováveis em maior ou menor grau, resta claro que nenhuma tem desde o ponto de vista moral caráter de certeza.
  5. Aplicadas às eleições nas condições que exige a teoria do mal menor, se deduz que enquanto é lícito votar nos candidatos “menos maus” na ausência de “bons”, também é lícito não votar em nenhum deles.
  6. Deduz-se que a obrigação de votar não é absoluta, mas relativa: há obrigação de votar quando há algum candidato bom (em cujos programas defendem os valores cristãos na ordem política, social e econômica), mas não quando todos são “maus” em maior ou menor grau.

[3] Trechos maiores dessas cartas foram transcritos no livro O liberalismo é pecado, do Pe. Félix Sardá y Salvany, e publicados no artigo “O liberalismo de todo matiz e caráter foi já formalmente condenado pela Igreja?” (Permanência).

Segue uma tradução mais completa da Carta ao Círculo de Santo Ambrósio de Milão:

“Embora os filhos do século sejam mais astutos que os filhos da luz, menos os aproveitariam no entanto seus truques e sua violência, se não lhes estendessem amiga mão muitos que se chamam católicos. Não faltam, digo, alguns destes que, como se tivessem concordado com aqueles outros, intentam colocar alianças entre luz e as trevas, e comunidade entre a justiça e a iniquidade, em favor das doutrinas chamadas católico-liberais, que baseadas em perniciosíssimos princípios, mostram-se lisonjeiras para com as invasões do poder secular nos assuntos espirituais, e inclinam os ânimos a estimar, ou pelo menos tolerar, leis iniquíssimas: como se não estivesse escrito que ninguém pode servir a dois senhores. Aqueles que o fazem, são de todo ponto mais perigosos e funestos que os inimigos declarados, não apenas porque, sem serem notados, e talvez também sem estarem a si mesmos advertidos, secundam as tentativas daqueles, senão também porque encerrando-se dentro de certos limites de opiniões reprovadas, se mostram com certas aparências de probidade e sã doutrina para alucinar aos imprudentes amantes da conciliação, e seduzir às gentes honradas que teriam combatido contra o erro manifesto; com todo o qual suscitam discórdia nos ânimos, despedaçam a unidade, e atenuam forças que deveriam juntas se opor aos adversários. Facilmente, no entanto, podereis evitar as emboscadas desses homens, tendo em mente aquele aviso divino por seus frutos os conhecerei, e observando como os repugna tudo quanto indica prévia, plena e absoluta adesão aos preceitos e conselhos desta Santa Sé, a qual quase não mencionam senão com o desdenhoso nome de Cúria Romana, sempre prontos para chamá-la de imprudente ou inoportuna em seus atos, e para qualificar, em forma de alcunha, a seus mais solícitos e obedientes filhos com os apelativos de ultramontanos ou jesuítas; em resumo, a ter-se, inchados como estão do vento da soberba, por mais discretos que aquela Santa Sé a quem está por Deus prometida especial e perpétua assistência.

Portanto, pois, amados filhos, lembrem-se que ao Romano Pontífice, vigário de Deus na terra, incumbe também todo o tocante à fé, aos costumes e ao governo da Igreja, podendo-se lhe aplicar aquelas palavras que Cristo afirmou de si próprio ao dizer: quem comigo não junta, espalha. Ponham, portanto, todo vosso acerto em obedecer absolutamente, com pronta e perpétua vontade, a esta Cátedra de Pedro: pois se todos os informais de um mesmo espírito de fé, andarão unânimes no pensar e sentir, consolidarão aquela unidade que se deve opor aos inimigos da Igreja, tornarão tão agradáveis a Deus como proveitosas a vossos próximos as obras de caridade às quais se dedicam, e procurareis verdadeiro consolo à Nossa alma atribulada pelas calamidades da Igreja.” (retirado de La Republica del Sagrado Corazon de Jesus, nums. IX e X, tomo II, agosto de 1885, p. 168).

[4] Carta Inter Catholicos Hispaniae:

Ao venerável irmão Victoriano, Bispo de Madri, Arcebispo de Valencia.

Venerável Irmão, saúde e bênção Apostólica: Chegou ao nosso conhecimento que entre os católicos da Espanha originaram-se certas disputas, que exacerbaram um pouco nestes últimos meses as antigas discórdias de partido. Foi-se tomado a propósito de tais disputas de dois artigos publicados na revista ‘Razón y Fé’, sobre o dever dos católicos de concorrer às eleições para eleger aos que hão de administrar o interesse público, e sobre a norma que há de seguir-se para escolher entre os candidatos quando há competência.

Por nossa parte, quisemos que fossem examinados os dois referidos artigos, e nada há neles que não seja ensinado atualmente pela maior parte dos Doutores de Moral, sem que a Igreja o reprove nem o contradiga. Não existe, pois, razão para que os ânimos de tal forma se inflamem: assim, desejamos e queremos que cessem por completo as dissensões surgidas e demasiado fomentadas por um longo tempo. Isto certamente tanto mais o desejamos, quanto que, se alguma vez, agora mais do que nunca é necessária a maior concórdia dos católicos.

Tenham todos presentes que, diante do perigo da religião ou do bem público, a ninguém é lícito permanecer ocioso. Agora bem, os que se esforçam por destruir a religião ou a sociedade, põe a mira principalmente em apoderar-se, se lhes fosse dado, da administração pública e em ser nomeados para os cargos legislativos. Portanto, é necessário que os católicos evitem com todo o cuidado tal perigo, e assim, deixados de lado os interesses de partido, trabalhem duramente pela incolumidade da religião e da pátria, procurando com empenho sobretudo, isto; a saber: que tanto às assembléias administrativas como às políticas ou do reino vaiam aqueles que, consideradas as condições de cada eleição e as circunstâncias dos tempos e dos lugares, segundo retamente se resolve nos artigos da citada revista, pareça que hão de olhar melhor pelos interesses da religião e da pátria no exercício de seu cargo público.

Estas coisas, Venerável Irmão, desejamos que vós e os demais Bispos da Espanha aviseis e persuadais o povo, e que reprimais em diante com prudência tais disputas entre os católicos.

Como um penhor de dons divinos e em testemunho de nossa benevolência damos a todos com sumo afeto a bênção Apostólica.

Dado em Roma, em São Pedro, no dia 20 de fevereiro, ano 1906, terceiro de nosso Pontificado.

Pio Papa X.

Retirado do artigo mencionado na nota [1]: http://cruzadosmaria.blogspot.com/2009/05/moralidade-do-voto-candidatos-menos.html


Traduzido por Carolina Silveira, Diana Almeida e José Derivaldo Jr. a partir da versão original em castelhano disponível em http://www.fundacionspeiro.org/verbo/1988/V-269-270-P-1327-1358.pdf. Notas por Mateus Barbosa.


Leia também:

A Cidade Católica e a ação política do laicato, por Miguel Ayuso.

Santo Tomás de Aquino e a fina arte de escolher o mal menor, por Carlos Nougué (Estudos Tomistas).

Católicos y política (V) – doctrina de la Iglesia (3), por Pe. José M. Iraburu (Infocatólica, em espanhol).